Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
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grega. A análise arendtiana da política está subordinada a um ideal de espaço público<br />
inspirado na formação espontânea dos conselhos e das assembléias, eletivos ou diretos, que<br />
teriam uma função meramente política, isto é, no seu entender, eles secundarizaram as<br />
questões econômicas. 30<br />
É difícil não estranhar a afirmação de <strong>Arendt</strong>, de que não existia em torno dos pais<br />
fundadores nenhum sofrimento, pois parece que a autora ignora aparentemente a existência da<br />
escravidão no continente americano e a total falta de esforço dos pais fundadores em relação a<br />
abolição da escravatura.<br />
Ainda pior é constatar que <strong>Arendt</strong>, ao desconsiderar certos acontecimentos históricos,<br />
expõe a fragilidade de sua argumentação quando se refere à “isenção” da experiência<br />
americana em relação à questão social, pois como mostrou Valle (2005), também a revolução<br />
americana resolveu seus problemas sociais por meios institucionais na medida em que a<br />
Constituição proibia o Congresso de interferir no tráfico de escravos, atribuindo-lhe o direito<br />
de capturar os fugitivos e de processá-los na corte federal (VALLE, 2005, p.57).<br />
O êxito dos americanos, a garantia da famigerada “liberdade”, portanto, se deu às<br />
custas da manutenção da ordem escravocrata, na medida em que não foram capazes de abolir<br />
a escravidão.<br />
Com efeito, não se trata da autora ignorar tais fatos, mas sim que, seguindo os<br />
pressupostos da sua teoria política, o dilema da abolição da escravidão não poderia ser<br />
solucionado pelos pais fundadores porque se tratava de uma questão de ordem econômica e<br />
não política. A idéia, portanto, é a de que a escravidão era uma questão que não poderia ser<br />
resolvida através de meios políticos, pois se assim o fosse colocaria em risco o sucesso da<br />
Revolução Americana. A escravidão, sendo um assunto “econômico”, não poderia ser<br />
solucionada com decisões políticas, mas dizia respeito às competências de “especialistas”.<br />
30 Hobsbawm observa que <strong>Arendt</strong> ao discutir os aspectos políticos e econômicos dos conselhos<br />
revolucionários, se equivoca ao afirmar que neles houvera uma separação entre os assuntos políticos e<br />
econômicos em que este último teria assumido papel secundário. Segundo Hobsbawm, os operários e os<br />
camponeses russos, por exemplo, não faziam distinção clara entre política e economia (1985. p. 206).<br />
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