Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
Ao analisar as revoluções modernas, Arendt afirma que esses eventos foram capazes de estabelecer uma grande mudança política, bem como estiveram em condições de instituir um original corpo político necessário ao aparecimento da liberdade na esfera pública. Nesse sentido, a autora explica: É crucial, portanto, para a compreensão das revoluções da Idade Moderna, que a idéia de liberdade e a experiência de um novo começo sejam coincidentes. E desde que a noção corrente no mundo livre é de que é a liberdade, e não a justiça, nem a grandeza, o critério mais alto para o julgamento de constituições de corpos políticos, não apenas o nosso entendimento de revolução, mas nossa concepção de liberdade, nitidamente revolucionária em sua origem, que pode medir até que ponto estamos preparados para aceitar ou rejeitar essa coincidência (ARENDT, 1990, p, 23 grifos nossos). No entender de Arendt, portanto, as revoluções constituem a possibilidade do resgate e da valorização da política, isto é, o começo de algo novo que se relacionava com a possibilidade de fundar novas instituições políticas capazes de instituir um poder originário coincidente com aparecimento da Liberdade. As revoluções modernas teriam como objetivo instaurar a liberdade que significa mais do que ausência de repressões sobre a pessoa ou a garantia das “liberdades negativas”, mas a participação nas coisas públicas, ou seja, participação ativa nos assuntos do mundo político. O espaço público assim entendido corresponde a um espaço no qual a possibilidade e constituição da identidade pessoal se concretiza. Para Arendt o espaço público é um espaço que possibilita a transformação da identidade pessoal e fornece a chance de desenvolver uma existência mais autêntica do que em outras dimensões da vida. 28 Todavia, Arendt afirma que o referencial de liberdade política foi perdido no momento em que se tornou primordial garantir a supressão da pobreza e a admissão popular na cena pública. A autora afirma ainda que a Revolução francesa deixou escapar a possibilidade de “fundação da liberdade” pois ela fora impulsionada pela pobreza a qual submete os homens 28 Cf. ORTEGA, 2001. 96
ao império absoluto da necessidade, sendo também esta a responsável por levar a Revolução francesa à ruína. Pobreza é mais que privação, é um estado de constante carência e aguda miséria, cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é abjeta, porque submete os homens ao império absoluto de seus corpos, isto é, ao império absoluto da necessidade, como todos os homens a conhecem a partir de sua experiência mais íntima independente de todas as especulações. Foi sob o ditame dessa necessidade que a multidão acudiu ao apelo da Revolução Francesa, inspirou-a, impulsionou-a para a frente e, finalmente, levou-a à destruição, pois essa era a multidão dos pobres (ARENDT, 1990, p. 48). Portanto, para Arendt a partir do momento em que a “multidão” surge no cenário político trazendo suas reivindicações sociais, ocorre aquilo que é necessário à manutenção exclusiva da vida biológica, que passa a ser a centralidade da política, enquanto que a consolidação da república e a conseqüente instauração da “liberdade” ficaram relegadas ao segundo plano na política dos revolucionários. Com isso, afirma Arendt, “a nova república nasceu morta” e “a liberdade teve de render-se à necessidade, isto é, à urgência do processo vital” (1990, p. 48). Desde o momento em que a revolução abriu aos pobres as portas do domínio da política, esse domínio tornou-se de fato, “social”. Mas ele foi esmagado pelos cuidados e preocupações que, na verdade, pertenciam à esfera doméstica, e mesmo que pudessem entrar no campo político, não poderiam ser solucionados por meio políticos, já que eram assuntos administrativos, a serem colocados nas mãos de especialistas, e não matérias que pudessem ser equacionadas pelo duplo processo de decisão e persuasão (ARENDT,1990, p. 72). Portanto, na visão de Arendt, os órgãos políticos não devem desempenhar nenhuma função administrativa, nem tratar de questões econômicas e sociais. Antes, devem assegurar os princípios políticos que resultam no aparecimento e afirmação da Liberdade. Em contrapartida a Revolução Americana teve êxito, e seu sucesso se deveu ao fato de que a miséria e a escassez estiveram ausentes no cenário americano. Segundo Arendt, os 97
- Page 45 and 46: Talvez, por compreender a importân
- Page 47 and 48: desvelar os fundamentos da crítica
- Page 49 and 50: Em sua análise Arendt destacou com
- Page 51 and 52: Contrariamente à perspectiva arend
- Page 53 and 54: De que violência está falando Are
- Page 55 and 56: Em verdade, para o filósofo alemã
- Page 57 and 58: as idéias desse importante autor.
- Page 59 and 60: [...] o simples fato de que o progr
- Page 61 and 62: Hegel, o homem “produz-se” a si
- Page 63 and 64: Para Arendt, a História enquanto t
- Page 65 and 66: A partir de seu diagnóstico de que
- Page 67 and 68: dominação política é, para Hobb
- Page 69 and 70: se assentava na relação de mando-
- Page 71 and 72: Conforme explica Duarte (1994), em
- Page 73 and 74: dos indivíduos e que a adesão às
- Page 75 and 76: A burocratização do governo impli
- Page 77 and 78: agir. Regressemos pois, mais uma ve
- Page 79 and 80: existir futuramente. Assim, Heródo
- Page 81 and 82: conhecimento aquilo que a ciência
- Page 83 and 84: fatos tendo como base a vitória ou
- Page 85 and 86: Concebendo a ação como livre de q
- Page 87 and 88: Também é verdadeiro afirmar que,
- Page 89 and 90: eram, por natureza, desiguais, e ne
- Page 91 and 92: modo de vida na esfera privada do l
- Page 93 and 94: contrário, é o espaço no qual a
- Page 95: Buscou-se até aqui enunciar alguns
- Page 99 and 100: grega. A análise arendtiana da pol
- Page 101 and 102: Segundo Arendt, os jacobinos estava
- Page 103 and 104: 3.2. Hannah Arendt e a separação
- Page 105 and 106: eprodução, dá lugar ao equívoco
- Page 107 and 108: substrato material as relações an
- Page 109 and 110: pessoal tal como nas formas pré-ca
- Page 111 and 112: Considerações Finais Neste trabal
- Page 113 and 114: espaço do reino das necessidades,
- Page 115 and 116: Contudo, o que de fato está em jog
- Page 117 and 118: todos os aspectos da vida social. C
- Page 119 and 120: REFERÊNCIAS ABREU, Maria Aparecida
- Page 121 and 122: MAGDOFF, H. e SWEEZY, P. M. O Fim d
ao império absoluto da necessidade, sendo também esta a responsável por levar a Revolução<br />
francesa à ruína.<br />
Pobreza é mais que privação, é um estado de constante carência e aguda<br />
miséria, cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é<br />
abjeta, porque submete os homens ao império absoluto de seus corpos, isto é,<br />
ao império absoluto da necessidade, como todos os homens a conhecem a<br />
partir de sua experiência mais íntima independente de todas as especulações.<br />
Foi sob o ditame dessa necessidade que a multidão acudiu ao apelo da<br />
Revolução Francesa, inspirou-a, impulsionou-a para a frente e, finalmente,<br />
levou-a à destruição, pois essa era a multidão dos pobres (ARENDT, 1990,<br />
p. 48).<br />
Portanto, para <strong>Arendt</strong> a partir do momento em que a “multidão” surge no cenário<br />
político trazendo suas reivindicações sociais, ocorre aquilo que é necessário à manutenção<br />
exclusiva da vida biológica, que passa a ser a centralidade da política, enquanto que a<br />
consolidação da república e a conseqüente instauração da “liberdade” ficaram relegadas ao<br />
segundo plano na política dos revolucionários. Com isso, afirma <strong>Arendt</strong>, “a nova república<br />
nasceu morta” e “a liberdade teve de render-se à necessidade, isto é, à urgência do processo<br />
vital” (1990, p. 48).<br />
Desde o momento em que a revolução abriu aos pobres as portas do domínio<br />
da política, esse domínio tornou-se de fato, “social”. Mas ele foi esmagado<br />
pelos cuidados e preocupações que, na verdade, pertenciam à esfera<br />
doméstica, e mesmo que pudessem entrar no campo político, não poderiam<br />
ser solucionados por meio políticos, já que eram assuntos administrativos, a<br />
serem colocados nas mãos de especialistas, e não matérias que pudessem ser<br />
equacionadas pelo duplo processo de decisão e persuasão (ARENDT,1990,<br />
p. 72).<br />
Portanto, na visão de <strong>Arendt</strong>, os órgãos políticos não devem desempenhar nenhuma<br />
função administrativa, nem tratar de questões econômicas e sociais. Antes, devem assegurar<br />
os princípios políticos que resultam no aparecimento e afirmação da Liberdade.<br />
Em contrapartida a Revolução Americana teve êxito, e seu sucesso se deveu ao fato de<br />
que a miséria e a escassez estiveram ausentes no cenário americano. Segundo <strong>Arendt</strong>, os<br />
97