Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda

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para Platão significa coabitar com as coisas da natureza) a grandeza das coisas (ARENDT, 1997, p. 72). Portanto, na concepção de Arendt os gregos estabeleciam uma relação entre os conceitos da Natureza e da História por meio da idéia de grandeza e imortalidade, atributos inerentes à natureza e, agora poderiam ser alcançados pelos homens através dos feitos e das palavras. Com efeito, Arendt afirma que a partir do século XVII, com o desenvolvimento das Ciências Naturais, surge uma noção de história concebida em termos de processo e com ela o problema da objetividade, já que a História passava a incorporar os padrões das Ciências Naturais. Ambas as ciências brotaram das mesmas experiências advindas da exploração do universo. Contudo, segundo Arendt, o problema das Ciências Históricas reside no fato destas terem se convertido à atitude cientifica e em última análise filosófica, que a época moderna justamente começara a liquidar (ARENDT, 1997, p. 80). Analisando as Ciências Históricas Arendt afirma: Seus padrões científicos, culminado na “extinção do eu”, tinham suas raízes na Ciência Natural aristotélica e medieval, que consistia principalmente na observação e catalogação de fatos observados. Antes do ascenso da época moderna era algo por si mesmo evidente que a contemplação quieta, inativa e impessoal do milagre do ser, ou da maravilha da criação divina, devesse ser também a atitude mais adequada ao cientista, suja curiosidade sobre o particular não se havia ainda separado do maravilhamento frente ao geral do qual, segundo os antigos, nasceu a Filosofia. (ARENDT, 1997, p. 80). Com isso os padrões científicos das Ciências Naturais, leia-se objetividade, foram abandonados pelas Ciências Históricas na época moderna em favor do princípio de que para atingir um tipo de verdade era preciso realizar experimentos. Ou seja, na era moderna, para conhecer alguma verdade não basta apenas observar e catalogar (atributos da objetividade), ela, a objetividade, foi sobrepujada em favor dos constantes experimentos que são realizados a partir de modelos e padrões previamente estabelecido; portanto, só será passível de 80

conhecimento aquilo que a ciência puder manipular e fazer dentro dos marcos estabelecidos pela ciência. Com a época moderna essa objetividade perdeu seu fundamento e esteve, portanto, constantemente em busca de novas justificações. Para as Ciências Históricas o antigo padrão de objetividade somente poderia fazer sentido caso o historiador acreditasse que a História em sua inteireza fosse, ou um fenômeno cíclico passível de ser apreendido como um todo através da contemplação (e Vico, seguindo as teorias da Antiguidade tardia, tinha ainda essa opinião), ou guiada por alguma providência divina para a salvação da humanidade, cujo plano foi revelado e cujos inícios eram conhecidos e que, portanto, poderia ser contemplado como um todo (ARENDT, 1997, p. 81). Portanto, o desenvolvimento das Ciências Naturais se baseou no paradigma segundo o qual só se conhece uma verdade por meio de experimentos, isso teria ocorrido por conta da suspeita de que os nossos sentidos não eram mais capazes de atingir um conhecimento seguro. Nesse sentido, afirma Arendt: [...] certas da infidignidade da sensação e da resultante insuficiência da mera observação, as Ciências Naturais voltaram-se em direção ao experimento, que, interferindo diretamente com a natureza, assegurou o desenvolvimento cujo progresso desde então pareceu ser ilimitado (ARENDT, 1997, p. 86). O desenvolvimento das Ciências Naturais sob o paradigma da experimentação influenciou decisivamente o pensamento moderno. Seria um bom exemplo desse particular, segundo Arendt, Thomas Hobbes. Todavia, para esta autora, foi com Vico, a partir de seu pressuposto de que só se pode conhecer aquilo que se faz, que a História ganhou uma conotação de “ser feita pelo Homem”. Dessa forma, isto é, sendo a História fabricada pelo Homem, tornou-se válido afirmar que a verdade histórica poderá ser conhecida, uma vez que ela é o produto direto da fabricação humana. Vico perdeu o interesse na natureza porque pressupôs que, para penetrar nos mistérios da criação, seria necessário compreender o processo criativo, ao passo que todas as épocas anteriores haviam admitido ser possível muito bem compreender o universo sem sequer saber como Deus criou, ou, na 81

conhecimento aquilo que a ciência puder manipular e fazer dentro dos marcos estabelecidos<br />

pela ciência.<br />

Com a época moderna essa objetividade perdeu seu fundamento e esteve,<br />

portanto, constantemente em busca de novas justificações. Para as Ciências<br />

Históricas o antigo padrão de objetividade somente poderia fazer sentido<br />

caso o historiador acreditasse que a História em sua inteireza fosse, ou um<br />

fenômeno cíclico passível de ser apreendido como um todo através da<br />

contemplação (e Vico, seguindo as teorias da Antiguidade tardia, tinha ainda<br />

essa opinião), ou guiada por alguma providência divina para a salvação da<br />

humanidade, cujo plano foi revelado e cujos inícios eram conhecidos e que,<br />

portanto, poderia ser contemplado como um todo (ARENDT, 1997, p. 81).<br />

Portanto, o desenvolvimento das Ciências Naturais se baseou no paradigma segundo o<br />

qual só se conhece uma verdade por meio de experimentos, isso teria ocorrido por conta da<br />

suspeita de que os nossos sentidos não eram mais capazes de atingir um conhecimento seguro.<br />

Nesse sentido, afirma <strong>Arendt</strong>:<br />

[...] certas da infidignidade da sensação e da resultante insuficiência da mera<br />

observação, as Ciências Naturais voltaram-se em direção ao experimento,<br />

que, interferindo diretamente com a natureza, assegurou o desenvolvimento<br />

cujo progresso desde então pareceu ser ilimitado (ARENDT, 1997, p. 86).<br />

O desenvolvimento das Ciências Naturais sob o paradigma da experimentação<br />

influenciou decisivamente o pensamento moderno. Seria um bom exemplo desse particular,<br />

segundo <strong>Arendt</strong>, Thomas Hobbes. Todavia, para esta autora, foi com Vico, a partir de seu<br />

pressuposto de que só se pode conhecer aquilo que se faz, que a História ganhou uma<br />

conotação de “ser feita pelo Homem”. Dessa forma, isto é, sendo a História fabricada pelo<br />

Homem, tornou-se válido afirmar que a verdade histórica poderá ser conhecida, uma vez que<br />

ela é o produto direto da fabricação humana.<br />

Vico perdeu o interesse na natureza porque pressupôs que, para penetrar nos<br />

mistérios da criação, seria necessário compreender o processo criativo, ao<br />

passo que todas as épocas anteriores haviam admitido ser possível muito<br />

bem compreender o universo sem sequer saber como Deus criou, ou, na<br />

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