Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda

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exclusivamente inspirada em considerações morais decerto pertence àqueles eventos totalmente inesperado deste século (ARENDT, 2000, p. 28). Enfim, para Arendt, a Rebelião Estudantil, que se baseava em questões morais, estava em pleno desacordo com as teorias reivindicadas pelos seus militantes e com suas práticas políticas. Em função desse fato ela afirma que os estudantes eram incapazes de encontrar aliados para além das universidades, apesar de sua busca desesperada por eles (ARENDT, 2000, p. 26). Conforme discutimos no capítulo 1, a afirmação de Arendt, segundo a qual os estudantes não teriam encontrado aliados para além das universidades é equivocada, visto que, na França e no Japão, por exemplo, os estudantes conseguiram obter a solidariedade da classe trabalhadora e, conjuntamente, estabeleceram estratégias mesmo de luta e ação. No entanto, segundo Arendt, a “lealdade” para com as idéias, que ela supõe fincadas no século XIX, se deve também à idéia de progresso. 18 Essa idéia implicava na concepção de progresso da Humanidade bem difundida naquele século, e que em seu tempo teria alcançado grande aceitação por causa do desenvolvimento das ciências no século XIX, garantindo a possibilidade de explorar até mesmo a imensidão do universo. Contudo, a noção de progresso, segundo Arendt, é um dos artigos mais sérios e complexos de nosso tempo, uma vez que “ele não mais serve como o padrão por meio do qual avaliamos os processos de mudança desastrosamente rápidos que desencadeamos. Pois, ele, não apenas deixou de coincidir com o progresso da humanidade, mas pode também disseminar seu fim” (ARENDT, 2000, p. 29). Segundo Duarte (2000), está expressa, na afirmação acima citada de Arendt, uma breve crítica ao conceito de progresso. Além disso, ela parece negar a concepção de história enquanto um todo sistemático: 18 Para Arendt a noção de História na era moderna corresponde a idéia de progresso cujo sentido - de haver um curso progressivo da História - obscurece as particularidades dos eventos históricos. Discutiremos a noção de História de Arendt mais adiante. 62

Para Arendt, a História enquanto tal não existe, ela não se repete nem segue um curso retilíneo e unidirecionado, mas compõe-se de eventos singulares que constituem rupturas e re-surgimentos em meio a continuidades. É por isso que a autora concebia a possibilidade de transitar na lacuna entre passado e futuro, recolhendo conceitos e experiências políticas tomados como fragmentos dotados de singularidade significativas à luz do presente [...] (DUARTE, 2000, p.83). Com efeito, para Arendt, a idéia de que só a violência pode interromper o processo histórico se aplica quando concebemos a História como um processo cronologicamente contínuo, onde o progresso se apresenta como inevitável. Porém, para esta autora, é a ação que tem como função interromper o que prosseguiria automática e previsivelmente e não a violência. Arendt parece apresentar como questão uma flagrante contradição entre as experiências da Nova Esquerda, sem precedentes históricos ocorridos no século XX, e as categorias e conceitos políticos tradicionais. Isto é, para autora, as novas experiências do presente (rebeliões estudantis, desobediência civil, etc.), por não terem sido previstas pela tradição, não podiam ser compreendidas com suas categorias políticas. Desse modo, a autora “concluiu que o fio da tradição de pensamento político ocidental fora definitivamente rompido...” (DUARTE, 2001, p. 64). Não obstante, Arendt aponta como algo positivo no Movimento Estudantil apenas os seus slogans definidores da exigência por “democracia participativa”, salientando que essa particularidade era tributária do “melhor da tradição revolucionária – o sistema de conselhos, sempre derrotado, mas o único fruto autêntico de toda revolução desde o século XVIII” (ARENDT, 2000, p. 25). O pressuposto contido na análise de Hannah Arendt é de que o tempo presente está repleto de “eventos”, os quais não têm nenhuma ligação com o passado e, por isso, não se pode buscar nele exemplos que possam orientar o fazer político atual. A frustração da capacidade de ação é o que leva à violência. Esse seria o motivo real da “rebeldia” dos novos militantes da Nova Esquerda, na concepção de Arendt. No entanto, 63

exclusivamente inspirada em considerações morais decerto pertence àqueles<br />

eventos totalmente inesperado deste século (ARENDT, 2000, p. 28).<br />

Enfim, para <strong>Arendt</strong>, a Rebelião Estudantil, que se baseava em questões morais, estava<br />

em pleno desacordo com as teorias reivindicadas pelos seus militantes e com suas práticas<br />

políticas. Em função desse fato ela afirma que os estudantes eram incapazes de encontrar<br />

aliados para além das universidades, apesar de sua busca desesperada por eles (ARENDT,<br />

2000, p. 26).<br />

Conforme discutimos no capítulo 1, a afirmação de <strong>Arendt</strong>, segundo a qual os<br />

estudantes não teriam encontrado aliados para além das universidades é equivocada, visto<br />

que, na França e no Japão, por exemplo, os estudantes conseguiram obter a solidariedade da<br />

classe trabalhadora e, conjuntamente, estabeleceram estratégias mesmo de luta e ação.<br />

No entanto, segundo <strong>Arendt</strong>, a “lealdade” para com as idéias, que ela supõe fincadas<br />

no século XIX, se deve também à idéia de progresso. 18 Essa idéia implicava na concepção de<br />

progresso da Humanidade bem difundida naquele século, e que em seu tempo teria alcançado<br />

grande aceitação por causa do desenvolvimento das ciências no século XIX, garantindo a<br />

possibilidade de explorar até mesmo a imensidão do universo. Contudo, a noção de progresso,<br />

segundo <strong>Arendt</strong>, é um dos artigos mais sérios e complexos de nosso tempo, uma vez que “ele<br />

não mais serve como o padrão por meio do qual avaliamos os processos de mudança<br />

desastrosamente rápidos que desencadeamos. Pois, ele, não apenas deixou de coincidir com o<br />

progresso da humanidade, mas pode também disseminar seu fim” (ARENDT, 2000, p. 29).<br />

Segundo Duarte (2000), está expressa, na afirmação acima citada de <strong>Arendt</strong>, uma<br />

breve crítica ao conceito de progresso. Além disso, ela parece negar a concepção de história<br />

enquanto um todo sistemático:<br />

18 Para <strong>Arendt</strong> a noção de História na era moderna corresponde a idéia de progresso cujo sentido - de<br />

haver um curso progressivo da História - obscurece as particularidades dos eventos históricos. Discutiremos a<br />

noção de História de <strong>Arendt</strong> mais adiante.<br />

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