Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
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pública para o problema da crise em que vivia a Universidade, bem como sobre o conservadorismo vigente na sociedade (MARTINS FILHO, 1996, p.13). Com efeito, parece ser razoável afirmar que, inicialmente, as rebeliões estudantis começaram motivadas pelas insatisfações com relação à estrutura (fortemente hierarquizada) e ao modelo de gestão (antidemocrática) adotados nas universidades, mas teriam atingido um rápido amadurecimento político, fazendo com que sua luta ultrapassasse os muros da universidade. Nesse sentido, é significativo o exemplo dado pelos estudantes norte-americanos, de mediação entre o particular e o universal: insatisfeitos com a política tradicional e estando ligados às experiências dos negros e do Vietnã – aspectos estes que agravaram a crise dos Estados Unidos – eles buscaram uma forma de denunciar a mercantilização da vida, bem como o sistema de produção ao qual se assenta o mundo regulado pelas mercadorias. Ao se voltarem contra seus estudos, os estudantes norte-americanos colocaram imediatamente em questão uma sociedade que necessita de tais estudos, da mesma forma que a sua revolta (em Berkeley e outros lugares) contra a hierarquia universitária afirmou-se, de cara, como uma revolta contra todo o sistema social baseado na hierarquia e na ditadura da economia e do Estado. Recusando-se a integrarem as empresas para as quais, naturalmente, seus estudos especializados se destinavam, eles colocam profundamente em questão um sistema de produção em que todas as atividades e o produto destas escapam totalmente de seus autores (SITUACIONISTA, 2002, p. 46). Começando pelo anseio de construir uma sociedade autenticamente democrática, os estudantes, no processo político e de luta, descobriam que era necessária a construção de um programa revolucionário. Desse modo, grupos como o Resurgence Youth Movement admiram e até mesmo se aproximam da China e de Cuba em busca de uma perspectiva socialista (SITUACIONISTA, 2002, p. 46). No caso norte-americano a geração de 1968 tinha como precedente mais de duas décadas de prosperidade econômica e social. Conseguia, todavia, perceber claramente a 40
consolidação de uma cultura pautada no individualismo, consumo em massa; na tendência capitalista em formar párias sociais até mesmo no interior das sociedades abastadas, na segregação racial, na desigualdade entre as nações e, principalmente, na perpetuação da miséria no chamado Terceiro Mundo. Assim, o radicalismo dos estudantes foi intensificado em função desses elementos que se apresentavam e, comumente, eram maquiados ideologicamente pela farsa do pluralismo cultural. A primeira reação dos estudantes norte-americanos frente aos acontecimentos acima citados foi a de adotar uma política pacifista que resultou na desobediência civil, bem como no boicote à convocação do serviço militar obrigatório: em outubro de 1965, dezenas de milhares de estudantes foram às ruas de Nova York e Berkeley protestarem contra a Guerra do Vietnã, gritando palavras de ordem como “Saiam do nosso bairro e do Vietnã”. Outras vezes os estudantes ensinavam como fraudar os exames do recrutamento militar, como também eram queimadas diante das redes de TV as carteiras de reservista (Le Monde, Outubro de 1965). Longe de desmerecer o valor que possuem as manifestações pacifistas pelos direitos civis, cumpre salientar que algumas vezes elas foram capazes de, em respeito às leis, tolerar as piores violências das forças de repressão e dos racistas, como relatou Guy Debord em 1965. Nas palavras deste autor, “a não-violência tinha atingido o limite ridículo de sua coragem: se expor aos golpes do inimigo para em seguida ter a grandeza moral de poupar-lhe a necessidade de usar novamente sua força” (DEBORD, 2002, p.122). Os estudantes norte-americanos, em particular, foram capazes também de perceber que a racionalidade subjacente ao modelo norte-americano de democracia se acoplava ao modelo econômico vigente, de maneira a reproduzir a dominação então legitimada pela racionalidade técnico-científica, a qual se distanciava, efetivamente, da emancipação humana. Mais ainda, foram capazes de perceber e denunciar as contradições sócio-econômicas do sistema capitalista, que produziam em seu país a segregação racial, a decomposição de valores de 41
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pública para o problema da crise em que vivia a Universidade, bem como sobre o<br />
conservadorismo vigente na sociedade (MARTINS FILHO, 1996, p.13).<br />
Com efeito, parece ser razoável afirmar que, inicialmente, as rebeliões estudantis<br />
começaram motivadas pelas insatisfações com relação à estrutura (fortemente hierarquizada)<br />
e ao modelo de gestão (antidemocrática) adotados nas universidades, mas teriam atingido um<br />
rápido amadurecimento político, fazendo com que sua luta ultrapassasse os muros da<br />
universidade.<br />
Nesse sentido, é significativo o exemplo dado pelos estudantes norte-americanos, de<br />
mediação entre o particular e o universal: insatisfeitos com a política tradicional e estando<br />
ligados às experiências dos negros e do Vietnã – aspectos estes que agravaram a crise dos<br />
Estados Unidos – eles buscaram uma forma de denunciar a mercantilização da vida, bem<br />
como o sistema de produção ao qual se assenta o mundo regulado pelas mercadorias.<br />
Ao se voltarem contra seus estudos, os estudantes norte-americanos<br />
colocaram imediatamente em questão uma sociedade que necessita de tais<br />
estudos, da mesma forma que a sua revolta (em Berkeley e outros lugares)<br />
contra a hierarquia universitária afirmou-se, de cara, como uma revolta<br />
contra todo o sistema social baseado na hierarquia e na ditadura da<br />
economia e do Estado. Recusando-se a integrarem as empresas para as quais,<br />
naturalmente, seus estudos especializados se destinavam, eles colocam<br />
profundamente em questão um sistema de produção em que todas as<br />
atividades e o produto destas escapam totalmente de seus autores<br />
(SITUACIONISTA, 2002, p. 46).<br />
Começando pelo anseio de construir uma sociedade autenticamente democrática, os<br />
estudantes, no processo político e de luta, descobriam que era necessária a construção de um<br />
programa revolucionário. Desse modo, grupos como o Resurgence Youth Movement admiram<br />
e até mesmo se aproximam da China e de Cuba em busca de uma perspectiva socialista<br />
(SITUACIONISTA, 2002, p. 46).<br />
No caso norte-americano a geração de 1968 tinha como precedente mais de duas<br />
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