Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda

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16.04.2013 Views

Por outro lado, a autora reivindica a desobediência civil, pois se trata de uma ação que nasce da “livre” associação dos cidadãos em torno de uma idéia comum. Daí porque Arendt a considera legítima e eficaz. Há aqui a contestação da prática “utopista” da Nova esquerda, que buscava atualizar as práticas e a crítica social sob a inspiração marxista, em favor de uma prática política considerada por Hannah Arendt como capaz de assegurar a legitimidade do poder. Entretanto, como explica Abreu (2004), a desobediência civil, enquanto “direito ao dissenso” é motivada pela necessidade de mudança ou pela necessidade de uma restauração do status quo, sendo que esta última pode se traduzir tanto numa preservação de direitos quanto numa restauração do equilíbrio entre os poderes de um governo (ABREU, 2004, p. 141). Portanto, a desobediência civil corresponde a um tipo de ação que se encontra dentro dos marcos do poder estabelecido e enquanto tal possui o efeito de restaurar o antigo estado de coisas. Com base nessa discussão entendemos ser possível afirmar que Hannah Arendt, ao separar poder de violência, se eximiu de pensar o poder como instância que mantêm as condições de funcionamento do sistema de produção. Ao examinar o poder, enfatizando apenas o aspecto de sua geração, Arendt deixou de analisar os aspectos exteriores do mesmo, isto é, de sua manutenção e regulação, e, dessa forma, não percebeu o desenvolvimento das relações sociais enquanto relações de conflito que são constitutivas do poder. Assim, deslocando do campo político as relações conflituosas e tendo estabelecido a separação entre o político e o econômico, o público e o privado, Arendt não leva em conta que o espaço e o lugar da economia, isto é, das relações de produção não se encontra fechado em si mesmo, sendo este portador de “leis próprias”, ao contrário, possui relação intrínseca com as formas políticas de Estado as quais estão enraizadas nas relações antagônicas estabelecidas no interior da produção. Ou seja, o modo de produção capitalista é a expressão simultânea das relações humanas, caracterizadas pela exploração, dominação e apropriação, que dão forma a 116

todos os aspectos da vida social. Contudo, Arendt concebe o espaço público como livre de interesses, palco da liberdade e pluralidade dos indivíduos, cujo elemento primordial é o discurso e o consenso, este último gerador direto do poder e não o seu contrário: a violência. Dessa maneira, entendemos que a sua crítica à ação e retórica da Nova Esquerda, em última análise, acaba engrossando o coro dos profetas do “fim da Ideologia”, na medida que, também Arendt, enxerga a perspectiva da ação revolucionária como uma utopia que poderá levar ao aparecimento da tirania. O que está em jogo, entretanto, é o fato de que Arendt parece identificar na ação e retórica da Nova Esquerda a tentativa de atualização da crítica social sob inspiração marxista. E, dessa forma, se antecipa em negar a mesma, pois, no seu entender, a atualização da crítica social no século XX se revela anacrônica, já que tal perspectiva é datada do século XIX, e, portanto, suas categorias estariam ultrapassadas e não dariam mais conta de apreender a realidade social do presente. Ao que nos parece, Arendt enfatiza tanto o caráter “inédito” dos eventos do século XX, bem como o aparecimento dos novos sujeitos sociais, considerando mesmo ser possível realizar transformações no interior da ordem do sistema capitalista - haja vista a sua perspectiva da desobediência civil – que, contrariamente à Nova Esquerda, parece se esquecer que os problemas do século XX, em sua essência, continuavam os mesmos. Isto é, que as relações humanas, essencialmente assentadas na exploração, dominação e apropriação, permaneciam inalteradas e, justamente por isso, a perspectiva marxista continua lançando luzes sobre a realidade social do presente já que é a principal teoria que analisou e desvelou as características das relações sociais capitalistas, cuja lógica transforma tudo em mercadoria, em maximização de lucro, e acumulação, estimulando a competição entre os homens. Desse modo, a Nova Esquerda, embora identificasse as novas formas pelas quais se expressavam as contradições do sistema capitalista, não perdia de vista o caráter “totalizante” do mesmo, e, para estabelecer uma oposição efetiva contra as relações sociais engendradas por este sistema, era preciso evocar a teoria e a prática revolucionária no sentido de unificar a 117

todos os aspectos da vida social. Contudo, <strong>Arendt</strong> concebe o espaço público como livre de<br />

interesses, palco da liberdade e pluralidade dos indivíduos, cujo elemento primordial é o<br />

discurso e o consenso, este último gerador direto do poder e não o seu contrário: a violência.<br />

Dessa maneira, entendemos que a sua crítica à ação e retórica da <strong>Nova</strong> <strong>Esquerda</strong>, em<br />

última análise, acaba engrossando o coro dos profetas do “fim da Ideologia”, na medida que,<br />

também <strong>Arendt</strong>, enxerga a perspectiva da ação revolucionária como uma utopia que poderá<br />

levar ao aparecimento da tirania. O que está em jogo, entretanto, é o fato de que <strong>Arendt</strong><br />

parece identificar na ação e retórica da <strong>Nova</strong> <strong>Esquerda</strong> a tentativa de atualização da crítica<br />

social sob inspiração marxista. E, dessa forma, se antecipa em negar a mesma, pois, no seu<br />

entender, a atualização da crítica social no século XX se revela anacrônica, já que tal<br />

perspectiva é datada do século XIX, e, portanto, suas categorias estariam ultrapassadas e não<br />

dariam mais conta de apreender a realidade social do presente.<br />

Ao que nos parece, <strong>Arendt</strong> enfatiza tanto o caráter “inédito” dos eventos do século<br />

XX, bem como o aparecimento dos novos sujeitos sociais, considerando mesmo ser possível<br />

realizar transformações no interior da ordem do sistema capitalista - haja vista a sua<br />

perspectiva da desobediência civil – que, contrariamente à <strong>Nova</strong> <strong>Esquerda</strong>, parece se esquecer<br />

que os problemas do século XX, em sua essência, continuavam os mesmos. Isto é, que as<br />

relações humanas, essencialmente assentadas na exploração, dominação e apropriação,<br />

permaneciam inalteradas e, justamente por isso, a perspectiva marxista continua lançando<br />

luzes sobre a realidade social do presente já que é a principal teoria que analisou e desvelou as<br />

características das relações sociais capitalistas, cuja lógica transforma tudo em mercadoria,<br />

em maximização de lucro, e acumulação, estimulando a competição entre os homens.<br />

Desse modo, a <strong>Nova</strong> <strong>Esquerda</strong>, embora identificasse as novas formas pelas quais se<br />

expressavam as contradições do sistema capitalista, não perdia de vista o caráter “totalizante”<br />

do mesmo, e, para estabelecer uma oposição efetiva contra as relações sociais engendradas<br />

por este sistema, era preciso evocar a teoria e a prática revolucionária no sentido de unificar a<br />

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