Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda

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16.04.2013 Views

distintos, por isso não deveriam ser tomados como sinônimos, a exemplo do que ocorria na tradição do pensamento político moderno. Sinteticamente podemos dizer que a autora sublinhou o poder como correspondente à capacidade de ação conjunta, isto é, da capacidade dos homens para agir em concerto, baseando-se no acordo consensual que emerge no espaço público onde os homens são reconhecidos em sua pluralidade. A noção de poder empregada por Arendt, encontra-se isenta da idéia de dominação e subordinação, pois o poder, na concepção da autora, se origina na relação livre entre iguais, isto é, entre cidadãos que isentos de qualquer constrangimento ou dominação se reconhecem na e pela construção de um mundo comum. Por outro lado, a violência se baseia na categoria meio-fim, e se diferencia do poder precisamente por seu caráter instrumental. A violência, por sua vez, precisa de justificação, ao passo que o poder requer a legitimidade. Somente foi possível estabelecer a distinção entre poder e violência, ou seja, de conceber o poder isento de dominação e alheio ao emprego da força, na medida em que Hannah Arendt voltou-se para a polis grega com o fito de encontrar “outras referências” que, ao seu ver, não concebiam o poder enquanto domínio do homem sobre o homem. Foi tomando como referencial a polis grega que Arendt fundamentou sua argumentação para estabelecer a separação entre poder e violência, bem como entre as esferas política e econômica que correspondem às esferas do público e privado para os gregos. No entender de Arendt, a oposição entre estas esferas se deve ao fato de que estas desenvolvem atividades essencialmente diferentes e, por isso, possuem mecanismos e instrumentos característicos. O que significa dizer que ambas se ocupam de questões diversas. Em decorrência disso, Arendt se apóia na distinção entre a esfera pública e esfera privada das cidades-estado grega que tinham na esfera pública o lócus do poder, cuja condição era a liberdade entre os iguais. A esfera privada, por seu turno, compreendia o 112

espaço do reino das necessidades, no qual as mulheres e os escravos eram submetidos ao domínio do senhor, cujo governo baseava-se na tirania. Transpondo este modelo para a sua teoria política é que a autora alemã pôde estabelecer a distinção entre o público e o privado, elegendo a primeira como o espaço per excellence do político, isto é, do poder isento de interesses. Portanto, é a partir do referencial da polis grega que Arendt concebe a sua teoria de poder, a qual orienta sua argumentação sobre as revoluções modernas (Francesa e Americana), donde infere que a Revolução Francesa fracassou precisamente porque seus conselhos populares teriam tentado resolver o problema da miséria do povo, isto é, teriam tratado de questões econômicas, cuja natureza é essencialmente antipolítica; seriam disfunções do sistema social e, desse modo, não poderiam ser solucionadas pelos órgãos genuinamente políticos - os conselhos -, mas por especialistas (administradores, economistas). Arendt não discute, contudo, quais questões deveriam ser tratadas por estes órgãos. Na concepção de Arendt o poder não consiste em realizar fins, mas garantir o espaço comum para a manifestação da pluralidade dos indivíduos, esta que se revela através do discurso e da ação desinteressada. Nesse sentido, não encontramos referência alguma sobre o conflito enquanto constitutivo da estrutura econômico-político do sistema social. Em verdade, podemos afirmar que Arendt se recusa a analisar as relações de produção e de dominação ao expurgar do político essas relações que lhes são constitutivas. Como já apontaram alguns críticos, Arendt tentou, com a valorização do espaço público em detrimento do espaço privado, “libertar" tal espaço das questões que diziam respeitos ao reino das necessidades, já que estas seriam pertinentes ao espaço social (VALLE, 2002, p. 191). Dessa forma, podemos indagar: como é possível a construção de uma política depurada das questões sociais? Ou ainda, como atingir a liberdade, como a quer Arendt, se abstendo ou ignorando as determinações constitutivas do espaço social que implicam 113

distintos, por isso não deveriam ser tomados como sinônimos, a exemplo do que ocorria na<br />

tradição do pensamento político moderno.<br />

Sinteticamente podemos dizer que a autora sublinhou o poder como correspondente à<br />

capacidade de ação conjunta, isto é, da capacidade dos homens para agir em concerto,<br />

baseando-se no acordo consensual que emerge no espaço público onde os homens são<br />

reconhecidos em sua pluralidade. A noção de poder empregada por <strong>Arendt</strong>, encontra-se isenta<br />

da idéia de dominação e subordinação, pois o poder, na concepção da autora, se origina na<br />

relação livre entre iguais, isto é, entre cidadãos que isentos de qualquer constrangimento ou<br />

dominação se reconhecem na e pela construção de um mundo comum. Por outro lado, a<br />

violência se baseia na categoria meio-fim, e se diferencia do poder precisamente por seu<br />

caráter instrumental. A violência, por sua vez, precisa de justificação, ao passo que o poder<br />

requer a legitimidade.<br />

Somente foi possível estabelecer a distinção entre poder e violência, ou seja, de<br />

conceber o poder isento de dominação e alheio ao emprego da força, na medida em que<br />

<strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> voltou-se para a polis grega com o fito de encontrar “outras referências” que,<br />

ao seu ver, não concebiam o poder enquanto domínio do homem sobre o homem. Foi<br />

tomando como referencial a polis grega que <strong>Arendt</strong> fundamentou sua argumentação para<br />

estabelecer a separação entre poder e violência, bem como entre as esferas política e<br />

econômica que correspondem às esferas do público e privado para os gregos. No entender de<br />

<strong>Arendt</strong>, a oposição entre estas esferas se deve ao fato de que estas desenvolvem atividades<br />

essencialmente diferentes e, por isso, possuem mecanismos e instrumentos característicos. O<br />

que significa dizer que ambas se ocupam de questões diversas.<br />

Em decorrência disso, <strong>Arendt</strong> se apóia na distinção entre a esfera pública e esfera<br />

privada das cidades-estado grega que tinham na esfera pública o lócus do poder, cuja<br />

condição era a liberdade entre os iguais. A esfera privada, por seu turno, compreendia o<br />

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