Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
Poder e Violência: Hannah Arendt e a Nova Esquerda
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Ao separar o sistema de produção de seus atributos sociais específicos, os<br />
economistas burgueses são capazes de demonstrar “a eternidade e a<br />
harmonia das relações sociais”. Para Marx, a produção é “não apenas uma<br />
produção particular... mas sempre um certo corpo social, um sujeito social,<br />
que é ativo numa totalidade maior ou menor de ramos da produção. Já a<br />
economia política burguesa atinge seu objetivo ideológico ao tratar a<br />
sociedade como algo abstrato, considerando a produção como “enclausurada<br />
em leis naturais eternas e independendes da história, nas quais a<br />
oportunidade das relações burguesas não então introduzidas subrepticiamente<br />
como leis naturais invioláveis nas quais está alicerçada a<br />
sociedade teórica. Este é mais ou menos o propósito consciente de todo o<br />
processo (WOOD, 2003, p. 29, girfos da autora).<br />
O paralelo que estabelecemos aqui entre <strong>Arendt</strong> e a teoria liberal-democrática<br />
burguesa reside, pois, no fato de que também esta autora aceita com certa naturalidade a<br />
existência e permanência das desigualdades sociais, quando afirma que estas não podem ser<br />
resolvidas no âmbito do político devendo se restringirem à esfera social-econômica. Em<br />
verdade, como mostrou Valle (2005), <strong>Arendt</strong> entende as desigualdades sociais enquanto a<br />
sobreposição de uma classe sobre a outra, desse modo a sua permanência na sociedade estaria<br />
em pleno acordo com a “ordem natural das coisas” (VALLE, 2005, p. 65).<br />
Ao defender a exclusão dos homens que estão ligados ao “reino das necessidades”,<br />
portanto os trabalhadores, <strong>Arendt</strong> aceita e legitima o funcionamento do modo de produção<br />
capitalista, o qual se baseia na relação de dominação entre capital e trabalho. E mais ainda, ao<br />
desconsiderar a relação objetiva entre política e esfera econômica, a autora despreza as<br />
relações de forças, isto é, de poder, violentamente marcada pela dominação do expropriador<br />
sobre o expropriado inerente ao campo das relações da produção. 32<br />
Com efeito, o que <strong>Arendt</strong> deixa de perceber é o fato de que as lutas travadas no<br />
interior das relações de produção são essencialmente políticas na medida em que se<br />
constituem em lutas de poder de uma classe em relação à outra. Além disso, as dimensões<br />
políticas e jurídicas têm origem e natureza muito bem demarcadas; sua existência tem como<br />
32 O poder político tornou-se condição indispensável para a reprodução social, sendo que ele nada mais é<br />
que a força social apropriada por grupos particulares. Esta força social privatizada tem como núcleo o Estado,<br />
com todo o seu aparato político e jurídico, que aparece como algo imparcial que estaria levando em conta os<br />
interesses coletivos.<br />
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