Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Uma das formas foi o papel da Europa como formadora, com um manancial político e<br />
i<strong>de</strong>ológico que permitiu a Soares uma vivência que contribuiu para a evolução do seu pensamento,<br />
permitindo-lhe conceber um projecto novo para a transição <strong>de</strong>mocrática portuguesa. Outra vertente foi<br />
o papel da Europa como campo <strong>de</strong> batalha, para exercício da estratégia <strong>de</strong> oposição à ditadura e da<br />
projecção do PS. Neste sentido, a Europa representava um público-alvo, que era necessário persuadir.<br />
Outro papel ainda assumido pela Europa foi o <strong>de</strong> retaguarda, na ajuda prestada à transição para a<br />
<strong>de</strong>mocracia, funcionando como que uma plataforma <strong>de</strong> projecção <strong>de</strong> força do PS e <strong>de</strong> Mário Soares. E,<br />
englobando tudo isto, a Europa esteve sempre na activida<strong>de</strong> e pensamento <strong>de</strong> Soares como horizonte,<br />
como visão política futura para Portugal. A Europa foi, simultaneamente, um meio e um fim e, nesse<br />
aspecto, Soares, pela precocida<strong>de</strong> com que se apo<strong>de</strong>rou politica e i<strong>de</strong>ologicamente da e sobre a Europa,<br />
relativamente ao partido concorrente, terá mais do que razões para reivindicar a primazia da proposta <strong>de</strong><br />
a<strong>de</strong>são à CEE.<br />
Ele foi o rosto <strong>de</strong> primeiro plano do processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à Comunida<strong>de</strong>, após as eleições <strong>de</strong><br />
1976 e até 1985. Deixou para trás um trabalho <strong>de</strong> bastidores, paralelo a toda a sua carreira política, o<br />
que ajuda a sustentar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Portugal à Europa representou um marco na história do<br />
país, o que, após o trabalho já aqui dissecado, nos permite concluir que marcou uma ruptura na história<br />
portuguesa. Neste sentido, a conclusão <strong>de</strong>ste trabalho vai ao encontro da opinião <strong>de</strong> António José<br />
Telo, 389 em dissonância da <strong>de</strong> outros historiadores, que vêem a a<strong>de</strong>são à CEE numa perspectiva <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong>. Se po<strong>de</strong>mos observar <strong>de</strong>sejos pró Europa no germinar das i<strong>de</strong>ias republicanas e na<br />
participação portuguesa na I Guerra Mundial, o <strong>de</strong>sfecho dos resultados do conflito <strong>de</strong>svaneceram os<br />
alentos europeus em Portugal e a instauração da ditadura aniquilou qualquer réstia <strong>de</strong> europeísmo na<br />
política externa portuguesa. A a<strong>de</strong>são ao Plano Marshall, à EFTA e o acordo comercial <strong>de</strong> 1972,<br />
argumentos da tese <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, foram meras escapatórias alternativas a uma situação <strong>de</strong> prejuízo<br />
económico para Portugal, que não se po<strong>de</strong>m colocar ao mesmo nível do pedido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> 1976, que<br />
encerra uma opção política estruturante para o futuro do país. Encerra um projecto, uma base <strong>de</strong><br />
orientação política, económica e social para Portugal. Um reforço <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> geográfica, histórica e<br />
cultural.<br />
A a<strong>de</strong>são ao Plano Marshall foi <strong>de</strong>cidida após uma primeira recusa à ajuda norte-americana e no<br />
seguimento do agravamento da crise económica, o que também impulsionou a participação <strong>de</strong> Portugal<br />
na OECE. As cedências, quase obrigadas pela economia, permitiram a Salazar manter a linha da sua<br />
política externa, fiel ao Atlântico, <strong>de</strong> costas voltadas para Europa. 390 A aceitação <strong>de</strong>sta ajuda evi<strong>de</strong>ncia<br />
um passo significativo <strong>de</strong> aproximação económica ao continente, para um país que até agora refutava<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> cooperação com projectos europeus. Lembremo-nos ainda que a participação na<br />
NATO foi também encarada como a falta <strong>de</strong> alternativa, tal como a entrada na EFTA. O projecto <strong>de</strong><br />
mercado dos estados que tinham recusado embarcar na aventura da CECA foi a única alternativa <strong>de</strong><br />
Salazar. Foi como que o mal menor, já que permitia salvaguardar os princípios <strong>de</strong>fendidos pelo regime<br />
389 Ibi<strong>de</strong>m, pp. 205-209.<br />
390 António Martins da Silva, Portugal e a Europa, distanciamento […] cit., pp. 357-359.<br />
92