Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
partido convergente com a social-<strong>de</strong>mocracia europeia, um caminho <strong>de</strong>sbravado pelo pioneirismo do<br />
grupo português. “Não apareceu ninguém que levantasse a ban<strong>de</strong>ira do socialismo <strong>de</strong>mocrático, que<br />
Tito <strong>de</strong> Morais, Ramos da Costa e eu levantámos em 1964,” 361 advoga Soares. A partir daí, foi o trilhar<br />
do caminho <strong>de</strong> constituição do PS e a integração na IS. Não só pela credibilida<strong>de</strong> partidária que tinham<br />
construído na Europa, mas também porque Soares havia <strong>de</strong>monstrado que tinha uma i<strong>de</strong>ia para<br />
Portugal, a <strong>de</strong> um país perfeitamente compatível com o sistema geopolítico oci<strong>de</strong>ntal e com os<br />
<strong>de</strong>sígnios da CEE, indo mesmo mais longe, com os <strong>de</strong> uma Europa política.<br />
A campanha <strong>de</strong> oposição <strong>de</strong> Soares ao Estado Novo durante o exílio foi uma dupla retribuição<br />
para o partido: permitiu-lhe crescer i<strong>de</strong>ológica e organicamente, por um lado e, por outro, credibilizar-<br />
se aos olhos da Europa. Soares construiu um nome, semeou e, após o 25 <strong>de</strong> Abril, colheu os frutos.<br />
“Mesmo antes da sua inclusão no Governo Provisório, o papel <strong>de</strong> Mário Soares seria essencial na hora<br />
<strong>de</strong> dar uma dimensão real da nova realida<strong>de</strong> portuguesa. As suas <strong>de</strong>clarações, as suas contínuas viagens,<br />
a sua comparência nos mais altos organismos mundiais serviram para transformar um passado <strong>de</strong>sprezo<br />
internacional numa quase generalizada resposta <strong>de</strong> apoio e compreensão por parte do mundo.” 362<br />
Soares não havia apenas construído um nome político na Europa. Fez também amigos, como<br />
ele próprio trata alguns. A convivência e as cumplicida<strong>de</strong>s vivenciadas no exílio com vários políticos<br />
europeus <strong>de</strong>notam que esta dose <strong>de</strong> esperança da Europa Oci<strong>de</strong>ntal no PS resi<strong>de</strong> na personalização em<br />
Soares <strong>de</strong> um relação política <strong>de</strong> confiança com Portugal.<br />
A sua notorieda<strong>de</strong> europeia foi não só resultado do seu espírito mobilizador durante a oposição<br />
à ditadura, como também da continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong> após a Revolução. Des<strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>svinculação<br />
do PCP, Soares incorporou uma estratégia política, que aplicou nas diferentes lutas que travou. Quando<br />
não era possível resolver os problemas internamente, havia que mobilizar forças externas. Virar-se para<br />
a Europa. Foi assim no exílio e <strong>de</strong>pois, lançando uma campanha <strong>de</strong> alerta para os alegados perigos<br />
comunistas em Portugal e <strong>de</strong>spertando o necessário apoio europeu. Soares era o único lí<strong>de</strong>r em Portugal<br />
que já tinha um nome político construído fora do país, para incitar confiança nos vários lí<strong>de</strong>res<br />
oci<strong>de</strong>ntais.<br />
Não <strong>de</strong>scurando o papel das outras forças políticas mo<strong>de</strong>radas que compunham o MFA, nas<br />
quais os aliados também <strong>de</strong>positavam esperança, é indiscutível que Soares era a figura que inspirava<br />
realmente a confiança <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r nos dirigentes europeus. 363 Contudo, não é fácil concluir até que ponto<br />
foi <strong>de</strong>terminante a dimensão externa da acção diplomática da Europa Oci<strong>de</strong>ntal e <strong>de</strong> Washington para o<br />
<strong>de</strong>sfecho dos acontecimentos em Portugal. Como consi<strong>de</strong>ra António José Telo, 364 “a pressão da CEE e<br />
dos Estados que a compunham (o que não é a mesma coisa) foi o facto externo mais importante para<br />
garantir a transição para a <strong>de</strong>mocracia.” É certo que o <strong>de</strong>senlace do 25 <strong>de</strong> Novembro foi, acima <strong>de</strong> tudo,<br />
361<br />
Entrevista a Mário Soares, O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, 25.11.1988, in Mário Soares, Intervenções 3, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,<br />
pp. 337-358.<br />
362<br />
B. Diaz Nosty, cit., p. 112.<br />
363<br />
Encontramos várias referências <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> e força política a Mário Soares por parte <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res como<br />
James Callaghan, Willy Brandt, Hans Janitschek e Hemult Schmit. “Até Mário Soares, quem eu acredito ser um homem corajoso,<br />
está com dúvidas <strong>de</strong> conseguir lidar com ele (problema económico <strong>de</strong> Portugal)”, Helmut Schmidt, cit., pp. 167,168.<br />
364<br />
António José Telo, História Contemporânea – do 25 <strong>de</strong> Abril à Actualida<strong>de</strong>, vol. II, Lisboa, Editorial Presença, 2008, p. 204.<br />
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