Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
militar. 357 Também o governo britânico o ofereceu a Soares, como o próprio <strong>de</strong>ixa transparecer. 358<br />
James Callaghan enviou mesmo um oficial do Intelligence Service a Portugal, que o lí<strong>de</strong>r do PS<br />
apresentou aos militares operacionais. Especula-se contudo, que outras formas <strong>de</strong> ajuda britânica<br />
po<strong>de</strong>riam estar previstas. Na entrevista <strong>de</strong> Hans Janitschek a Callaghan, as respostas enigmáticas do<br />
antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros levantam tais suspeitas. 359 O próprio <strong>de</strong>ixa essa incógnita e a<br />
cumplicida<strong>de</strong> com Soares nas suas memórias: “Fiz uso <strong>de</strong> todas as facilida<strong>de</strong>s à disposição do<br />
Ministério dos Negócios Estrangeiros para apoiar a luta <strong>de</strong> Portugal pela <strong>de</strong>mocracia e, em conjunto<br />
com Mário Soares e uma mão cheia <strong>de</strong> outros, <strong>de</strong>lineámos planos para o pior cenário <strong>de</strong> uma tentativa<br />
<strong>de</strong> revolução comunista, mas não é apropriado <strong>de</strong>talhá-los aqui agora.” 360 Sendo indiscutível o<br />
empenho <strong>de</strong> Londres e a confiança em Soares para a solução <strong>de</strong>mocrática portuguesa, acima <strong>de</strong> tudo,<br />
estava em causa um território crucial para a aliança atlântica.<br />
5.2.4 – A retaguarda europeia foi <strong>de</strong>terminante para o 25 <strong>de</strong> Novembro?<br />
Era do interesse do Reino Unido e <strong>de</strong> todo o mundo oci<strong>de</strong>ntal que à queda da ditadura em<br />
Portugal se suce<strong>de</strong>sse a instauração <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong>mocrático pluripartidário. Seguir para o<br />
comunismo seria, para os aliados, em tempo <strong>de</strong> Guerra Fria, pior do que a continuida<strong>de</strong> do regime<br />
ditatorial. À luz disto se explica todo o interesse dos lí<strong>de</strong>res europeus e dos EUA em ajudar os<br />
mo<strong>de</strong>rados em Portugal. Mas é preciso realçar que a atitu<strong>de</strong> colaborante com os mo<strong>de</strong>rados até à<br />
flagrante eminência da guerra civil e a esperança na sua acção <strong>de</strong> combate à extrema-esquerda se <strong>de</strong>veu,<br />
maioritariamente, à credibilida<strong>de</strong> que a figura <strong>de</strong> Mário Soares havia conquistado na Europa.<br />
Logo nos inícios <strong>de</strong> 1975, quando começam a surgir as divergências entre PS e PCP, Soares<br />
começa a dar conta da situação aos amigos europeus, preparando terreno para a solicitação <strong>de</strong> ajudas.<br />
Mas não é meramente <strong>de</strong>vido a estas acções que os europeus <strong>de</strong>positam esperança no PS. É-o,<br />
essencialmente, porque já existia um historial <strong>de</strong> relacionamento e uma consolidação do PS como<br />
357 A oferta <strong>de</strong> ajuda militar a Portugal fica evi<strong>de</strong>nte no telegrama que Carlucci envia a Kissinger, a relatar o encontro que teve<br />
com Melo Antunes, a cinco <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1975. “(…)Durante a conversa sobre o que teria acontecido se os comunistas<br />
tivessem mobilizado os seus militantes para as ruas, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros respon<strong>de</strong>u: „eles tiveram<br />
presente nos seus pensamentos a oferta <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong> Kissinger.‟ E procurando interpretar esta afirmação, Carlucci<br />
acrescentou: „Ele não elaborou isto, mas foi claro que estava a pensar na assistência militar durante o „calor‟ da luta.” “Lisbon,<br />
7272, December 5, 1975”, GFL, PCF, Box 11. Citado por Bernardino Gomes, cit., pp. 356.<br />
358 “A consumar-se a divisão entre o Norte e o Sul do país, o Reino Unido não só nos apoiaria politicamente, como colaboraria<br />
ainda com Portugal através <strong>de</strong> apoios concretos. Prometeram-nos fazer chegar rapidamente ao Porto combustível para os<br />
aviões e armamento.” In Maria João Avillez, Soares, Ditadura […] cit., p. 491.<br />
359 “‟Eu estive à frente dos dois gabinetes (o <strong>de</strong> primeiro-ministro e <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r da oposição). Tens <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que não posso<br />
dizer tudo‟. Mas quando lhe falei da informação que tinha <strong>de</strong> Lisboa, relativamente ao facto <strong>de</strong> alguns po<strong>de</strong>res europeus<br />
elaborarem planos <strong>de</strong> emergência para o caso <strong>de</strong> uma contra-revolução comunista, ele consente: „sim, estávamos preparados<br />
para o pior e não íamos ficar sentados sem fazer nada.‟ E até que ponto é verda<strong>de</strong> que, como antigo homem da Marinha, estava<br />
a consi<strong>de</strong>rar seriamente em mobilizar as forças armadas britânicas para proteger a <strong>de</strong>mocracia em Portugal, ele nega<br />
veementemente a existência <strong>de</strong> tais planos. “Não chegámos a esgotar todos os meios <strong>de</strong> paz ao nosso alcance‟, disse. „Não<br />
havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar tal coisa.‟ Mas a Grã Bretanha não mobilizou armas anteriormente para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus<br />
aliados? Não é Portugal um dos seus aliados mais antigos e o pilar da Aliança Oci<strong>de</strong>ntal? „Não há qualquer dúvida relativamente<br />
a isso‟, diz Callaghan e sorri. „Sabes‟, torna ele, „tenho alguns troféus em casa que têm muito significado para mim. Tenho uma<br />
caixa <strong>de</strong> jóias do Brejnev; uma espada do rei Khaled da Arábia Saudita, um jogo <strong>de</strong> chá do Giscard d‟Estaing. E tenho também<br />
uma pistola do início do século XIX, que me foi presenteada por Portugal <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo ter acabado, que simboliza a relação<br />
que tivemos.‟ Camaradas <strong>de</strong> armas?, perguntei-lhe. „Po<strong>de</strong>s colocar isso nesses termos‟, respon<strong>de</strong> ele. „Não literalmente, claro.‟”<br />
Hans Janitschek, cit., p. 81.<br />
360 James Callaghan, cit., p. 362.<br />
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