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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

os homólogos europeus. 329 Kissinger punha já em causa, praticamente, toda a orientação política futura<br />

da Europa, antevendo uma proliferação do comunismo pelo continente. Só não conseguiu concretizar a<br />

sua intenção <strong>de</strong> isolamento <strong>de</strong> Portugal na NATO porque encontrou oposição na Europa Oci<strong>de</strong>ntal, que<br />

<strong>de</strong>positava esperanças em Soares.<br />

A preocupação norte-americana era tal que Kissinger chegou mesmo a interessar-se pelo eclodir<br />

do movimento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntista dos Açores, não excluindo <strong>de</strong> todo um apoio à causa, como quando <strong>de</strong>u<br />

instruções ao seu responsável pelos assuntos europeus para, no encontro que teria com representantes da<br />

Frente <strong>de</strong> Libertação dos Açores (FLA), não rejeitar automaticamente um apoio. 330 Graças à acção <strong>de</strong><br />

Frank Carlucci e à posterior mudança <strong>de</strong> estratégia diplomática relativamente a Portugal, os norte-<br />

americanos acabaram por adoptar uma posição <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> na questão açoriana.<br />

Mesmo após a vitória do PS nas eleições para a Assembleia Constituinte, o cepticismo dos<br />

EUA prevaleceu, com o lançamento da sua posição para a opinião pública, em jeito <strong>de</strong> pressão dos<br />

aliados para a cimeira da NATO, realizada a 30 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1975. Ao longo <strong>de</strong> todo o mês, foram<br />

proferindo várias <strong>de</strong>clarações na imprensa, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal enveredar por<br />

uma política comunista seria incompatível com a sua presença na NATO. 331 Durante a cimeira da<br />

Organização Atlântica, Kissinger e Ford chegaram mesmo a ter um encontro com Vasco Gonçalves,<br />

para vincar as preocupações norte-americanas, que não caíram bem ao chefe do Governo Provisório e<br />

só serviram para aumentar antipatias mútuas.<br />

Durante a cimeira, os norte-americanos não só não encontram eco da sua posição nos aliados<br />

europeus, como irão ser alvo do reverso da medalha. Num encontro <strong>de</strong> preparação para a cimeira, o<br />

chanceler alemão vinca a Ford e a Kissinger a sua posição cooperante e positiva relativamente à solução<br />

mo<strong>de</strong>rada para Portugal, pedindo apoio norte-americano para “impedir uma intervenção directa da<br />

União Soviética em Portugal.” 332 Na mesma ocasião, James Callaghan, ao lado do Primeiro-ministro<br />

Harold Wilson, também se empenha nesta campanha <strong>de</strong> persuasão dos aliados americanos. 333 Foi<br />

“influenciados pelos europeus” que Ford e Kissinger escolheram, <strong>de</strong> facto, não tirar as consequências<br />

329 Esta i<strong>de</strong>ia fica evi<strong>de</strong>nte na conversa entre o conselheiro <strong>de</strong> estado norte-americano e Kissinger: “Sonnenfeldt: Mas não há um<br />

governo na Europa que esteja disposto a seguir uma política <strong>de</strong> exclusão relativamente a Portugal. The Secretary: - Então, em<br />

<strong>de</strong>z anos vamos estar fora da Europa. Em cinco anos vamos ter a mesma coisa na Grécia e na Itália. Vocês vão ver, Karamanlis<br />

vai ser o próximo Kerensky. Então, em 1977, vamos ter eleições em França com uma coligação entre socialistas e comunistas e<br />

o mesmo po<strong>de</strong> acontecer lá. Na Grã-Bretanha, a situação é pior do que aparenta. No Partido Trabalhista têm um bando <strong>de</strong><br />

moles e tudo vai terminar numa forma mais elegante <strong>de</strong> neutralismo. A Europa e a NATO po<strong>de</strong>m estar acabadas. E a Europa<br />

Comunitária vai encontrar o seu futuro no anti-americanismo. O que a Alemanha vai fazer, não sei. Mas a NATO po<strong>de</strong><br />

simplesmente tornar-se numa aliança entre os EUA e a Alemanha.” In “Memorandum of Conversation”, April, 30, 1975, NA, SDR,<br />

Entry 5339, Box 11. Citado por Bernardino Gomes, cit., p. 191.<br />

330 Ver Bernardino Gomes, cit., pp. 167,168,195-202.<br />

331 A jornalistas europeus, Henry Kissinger disse: “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção dos EUA em Portugal era absolutamente <strong>de</strong><br />

excluir, mas a existência <strong>de</strong> um país membro da NATO com uma política externa semelhante à da Argélia ou da Jugoslávia<br />

constituía motivo da maior preocupação.” Citado por João Hall Themido, Dez Anos em Washington 1971-1981, Lisboa, Dom<br />

Quixote, 2ª edição, 1995. Citado por Bernardino Gomes, cit., p. 232. Henry Ford disse, a 23 <strong>de</strong> Maio, numa entrevista televisiva a<br />

jornalistas europeus: “Estou preocupado com os comunistas e a sua influência em Portugal e por esta razão, com a relação <strong>de</strong><br />

Portugal na NATO. Este é um assunto que certamente levantarei no encontro <strong>de</strong> Bruxelas. Não vejo como se po<strong>de</strong> ter uma<br />

presença comunista significativa numa organização que foi criada com o objectivo <strong>de</strong> enfrentar o <strong>de</strong>safio comunista do Leste”,<br />

<strong>Geral</strong>d Ford, Public Papers of the Presi<strong>de</strong>nt of United States, Harper & Row, 1979, p. 713. Citado por Bernardino Gomes, cit., pp.<br />

233, 234.<br />

332 Helmut Schmidt, Men and Power, A political Retrospective, New York, Randoim House, 1989, p. 169.<br />

333 “Nós, tal como vocês, também pensamos que as coisas estão a correr mal. Mas não queremos <strong>de</strong>ixá-los cair já. Ainda<br />

estamos a tentar promover os partidos e não queremos <strong>de</strong>ixá-los cair por enquanto. Talvez vocês <strong>de</strong>vam enviar algum general<br />

falar com o MFA cara a cara. (…) Devemos pressioná-los a reabrir o jornal (República), a realizar eleições (legislativas) no<br />

próximo ano e a manter uma imprensa livre (…) Quero continuar a lutar e não <strong>de</strong>sistir já.” In “Memorandum of Conversation”,<br />

May, 30, GFL, NSA, Box 12. Citado por Bernardino Gomes, cit., pp. 234.<br />

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