Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
serviriam para transformar o passado <strong>de</strong>sprezo internacional numa quase generalizada resposta <strong>de</strong> apoio<br />
e compreensão por parte do mundo.” 272<br />
No contributo para essa compreensão, uma das mensagens inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Soares visava a<br />
clarificação das águas políticas do 25 <strong>de</strong> Abril, esclarecendo que “a Revolução foi feita essencialmente<br />
por capitães, alguns <strong>de</strong>les próximos da extrema-esquerda e do Partido Comunista, mas que a maioria<br />
não o era.” 273 Era necessária uma figura da confiança da Europa para credibilizar a Revolução e para<br />
reforçar a mensagem <strong>de</strong> não domínio do MFA pelas forças comunistas, uma imagem que simbolizasse a<br />
coexistência <strong>de</strong> outros quadrantes políticos em Portugal. Sendo já conhecido na Europa, Soares era a<br />
pessoa mais indicada para o fazer. As i<strong>de</strong>ias que já lhe estavam associadas faziam com que fosse o<br />
complemento i<strong>de</strong>al à veiculação <strong>de</strong> uma viragem na política externa portuguesa. Neste âmbito, o que<br />
vinha <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo para Portugal na sua campanha no exílio, conhece, com as suas funções no Governo<br />
Provisório, uma linha <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Sergei Yastrzhembskiy i<strong>de</strong>ntifica, na activida<strong>de</strong> diplomática <strong>de</strong><br />
Soares e no seu pensamento para a política externa no pós-25 <strong>de</strong> Abril “três grupos principais <strong>de</strong><br />
questões que merecem a priorida<strong>de</strong> da sua atenção: a <strong>de</strong>scolonização, a aproximação <strong>de</strong> Portugal à<br />
Europa Oci<strong>de</strong>ntal com a perspectiva <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à CEE e a salvaguarda da posição <strong>de</strong> Portugal no sistema<br />
da Aliança Atlântica.” 274 Ao <strong>de</strong>linear estes vectores políticos na sua acção diplomática nos Governos<br />
Provisórios, Soares vem assim <strong>de</strong>monstrar à Europa uma linha <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica da sua<br />
oposição ao Estado Novo, dando maior consistência às garantias da nova política externa portuguesa.<br />
Como veremos, no capítulo seguinte, esses apoios foram essencialmente importantes para que<br />
Soares conduzisse, nos tempos conturbados do PREC, o rumo político do país <strong>de</strong> acordo com a intenção<br />
socialista. Certamente, as garantias <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização, <strong>de</strong>scolonização e abertura diplomática tornaram-<br />
se mais credíveis por serem dadas por uma personalida<strong>de</strong> já conhecida da Europa e do mundo oci<strong>de</strong>ntal,<br />
que, antes <strong>de</strong> Revolução, clamava pelas mesmas i<strong>de</strong>ias, fazendo <strong>de</strong>las objecto <strong>de</strong> oposição a Salazar e a<br />
base da sua i<strong>de</strong>ia para o futuro <strong>de</strong> Portugal. E, neste sentido, a escolha <strong>de</strong> Soares para anunciar a<br />
Revolução no exterior e para a chefia da pasta dos Negócios Estrangeiros foi, por si só, um factor <strong>de</strong><br />
credibilização da Revolução Portuguesa.<br />
Mas isto não resultou apenas numa acção <strong>de</strong> credibilização unilateral. Foi-o para a Revolução<br />
portuguesa, mas também para Soares: na Europa, dando assim a dimensão da sua importância política<br />
interna e lançando bases <strong>de</strong> crença aos lí<strong>de</strong>res europeus <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria reunir condições <strong>de</strong> ser o<br />
político representativo do socialismo <strong>de</strong>mocrático em Portugal; e em Portugal, pois o sucesso da sua<br />
missão externa <strong>de</strong> reconhecimento da Revolução patenteou também, a nível interno, a sua notorieda<strong>de</strong><br />
europeia e, por acréscimo, a consistência do PS como força política.<br />
A escolha <strong>de</strong> Mário Soares para fazer o reconhecimento da Revolução portuguesa e o cargo <strong>de</strong><br />
ministro dos Negócios Estrangeiros foram como a cereja em cima do bolo. Depois <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> intensa<br />
activida<strong>de</strong> política na Europa, <strong>de</strong> um trabalho em busca da construção e do reconhecimento do seu<br />
272 B. Diaz Nosty, cit., p.112.<br />
273 In Maria João Avillez, Soares, Ditadura […] cit., p.290.<br />
274 Sergei Yastrzhembskiy, cit., p. 84.<br />
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