Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Assumia o cargo <strong>de</strong> ministro dos Negócios Estrangeiros <strong>de</strong> um país recém liberto <strong>de</strong> uma ditadura<br />
isolacionista e que queria dar provas <strong>de</strong> mudança, <strong>de</strong> abertura e cooperação internacional. Ora, que<br />
provas seriam dadas se recusasse integrar-se na NATO? Além <strong>de</strong> que, Soares, estratega na sua actuação<br />
como tem <strong>de</strong>monstrado ser, sabe que na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um futuro político conturbado em Portugal, o<br />
interesse dos americanos para travagem <strong>de</strong> um avanço comunista no país, seria crucial. Ao que<br />
acresceriam benefícios <strong>de</strong> uma possível ajuda económica.<br />
Assim se explica o seu cuidado em realçar a amiza<strong>de</strong> portuguesa aos Estados Unidos e a<br />
confluência das políticas do Governo Provisório com os preceitos americanos, como faz numa<br />
entrevista ao Portuguese Times. 265 No seu discurso, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros dos<br />
três Governos Provisórios, nos documentos analisados neste trabalho, predominou a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
à NATO, pela “necessida<strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> não mudar subitamente o campo das nossas alianças.” 266<br />
Trata-se, acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> uma rendição a “um condicionalismo geoestratégico que não po<strong>de</strong> ser<br />
ignorado,” 267 em que as circunstâncias não permitem alternativa.<br />
É, portanto, uma necessida<strong>de</strong> política <strong>de</strong> momento que impera e que se sobrepõe à concepção<br />
i<strong>de</strong>ológica soarista. O político não ofusca, contudo, que a NATO não é o seu mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> segurança<br />
oci<strong>de</strong>ntal e que enquanto socialista concebe “naturalmente um outro sistema <strong>de</strong> segurança colectiva,<br />
mas, enquanto existir <strong>de</strong> um lado o Pacto <strong>de</strong> Varsóvia e do outro o Pacto do Atlântico, pensamos que<br />
não se po<strong>de</strong> unilateralmente <strong>de</strong>smantelar um <strong>de</strong>sses pactos.” 268 Esta é a sua verda<strong>de</strong>ira concepção<br />
i<strong>de</strong>ológica, que era frequente no seu discurso <strong>de</strong> oposição, mas, perante a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong><br />
uma posição política, exige-se a contradição prática à sua i<strong>de</strong>ologia. Esta aceitação da NATO é<br />
consequência da falta <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> segurança europeia, cujas tentativas, esboçadas com a CED,<br />
acabaram por se <strong>de</strong>svanecer, <strong>de</strong>ixando a Europa sem um sistema <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong>fesa próprio. Soares<br />
sabe-o: “É por isso que queremos ter na próxima Conferência <strong>de</strong> Segurança Europeia uma posição<br />
activa.” 269 Sendo favorável à autonomia europeia na <strong>de</strong>fesa, mostra-se disposto, com os socialistas, “a<br />
<strong>de</strong>senvolver ao máximo uma situação que conduza ao <strong>de</strong>sanuviamento militar na Europa e à criação <strong>de</strong><br />
um verda<strong>de</strong>iro sistema <strong>de</strong> segurança europeia.” 270 É neste contexto que consi<strong>de</strong>ra que a Europa <strong>de</strong>verá<br />
assumir “um peso internacional <strong>de</strong> conjunto europeu”, para “<strong>de</strong>sempenhar um papel consi<strong>de</strong>rável na<br />
tranquilida<strong>de</strong> mundial.” 271<br />
Po<strong>de</strong>mos concluir, pelo que foi explanado até aqui, que se as primeiras manifestações políticas<br />
<strong>de</strong> Soares contra a NATO foram fruto da inerência da sua ligação ao PCP, numa segunda fase, essa<br />
posição <strong>de</strong>veu-se à evolução <strong>de</strong> um pensamento político ligado à social-<strong>de</strong>mocracia europeia e à sua<br />
concepção <strong>de</strong> uma Europa política unida. Claramente influenciado pelos meios que frequentou, não<br />
265 Entrevista a Mário Soares, concedida ao jornal Portuguese Times, <strong>de</strong> Newark, EUA, em 20.06.1974, in Mário Soares,<br />
Democratização […] cit., p.53.<br />
266 Entrevista a Mário Soares, realizada por Mário Alexandre, para o diário português A Capital, publicada em 13.12.1974, in<br />
I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 224.<br />
267 Entrevista a Mário Soares, realizada por Manuel Dias, para o Jornal <strong>de</strong> Notícias, do Porto, e publicada em 18.02.1975, in<br />
I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 283.<br />
268 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, pp. 283, 284.<br />
269 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 284.<br />
270 Mário Soares, “Conferência <strong>de</strong> Imprensa no Palácio das Necessida<strong>de</strong>s”, in I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 117.<br />
271 Entrevista a Mário Soares, realizada por Mário Mesquita, para o diário República, publicada em 31.01.1975, in I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m,<br />
p.270.<br />
65