Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
“contenção do expansionismo comunista” 254 – mas, mesmo após ter seguido o rumo do socialismo<br />
<strong>de</strong>mocrático foi adverso à organização atlântica.<br />
A integração portuguesa na NATO começou por ser um expoente da sua campanha <strong>de</strong> oposição<br />
a Salazar. Em 1973 ou 1974, subscreve um comunicado, conjunto com o Partido Socialista Francês, a<br />
con<strong>de</strong>nar o assento na organização. A sua contestação baseava-se no paradoxo da NATO, sendo uma<br />
organização <strong>de</strong>mocrática ao aceitar uma ditadura.<br />
Não po<strong>de</strong>mos dizer, por estas acções, que Soares <strong>de</strong>scresse da eficácia da NATO, mas por<br />
outras intervenções, muito anteriores a este período activo <strong>de</strong> exílio, inferimos que o socialista<br />
português não concebia a NATO como o sistema i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa oci<strong>de</strong>ntal. Nas crónicas “Fogo Solto”,<br />
faz referência “à irremediável <strong>de</strong>cadência” da organização que “dividiu a opinião pública dos países da<br />
Europa Oci<strong>de</strong>ntal” e <strong>de</strong>u lugar a infindáveis polémicas e agitadas campanhas.” 255 Além disso, a NATO,<br />
ao configurar uma alternativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa para a Europa, vinha assim também contribuir para o<br />
enterramento <strong>de</strong>finitivo da CED - Comunida<strong>de</strong> Europeia <strong>de</strong> Defesa - , cujo projecto foi chumbado pela<br />
França, fazendo assim recuar a ambição fe<strong>de</strong>ral. 256<br />
A discordância da NATO, organização que consi<strong>de</strong>ra “uma sobrevivência do passado”, que foi<br />
criada “ao redor <strong>de</strong> um perigo <strong>de</strong> guerra hoje inexistente” 257 , parece ser a resposta <strong>de</strong> Soares contra o<br />
advento <strong>de</strong> um domínio norte-americano. Os meios políticos que frequentou durante o exílio foram uma<br />
influência para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia, como a convenção socialista <strong>de</strong> Suresnes, na qual se<br />
aprovou uma moção com o objectivo <strong>de</strong> realizar “uma conferência internacional dos países da Europa,<br />
da URSS e dos Estados Unidos, cujo objectivo será restabelecer um pacto <strong>de</strong> segurança colectiva, que<br />
implique a dissolução simultânea dos Pactos do Atlântico e <strong>de</strong> Varsóvia (…).” 258<br />
Começando a veicular estas i<strong>de</strong>ias em Portugal na década <strong>de</strong> 60, Soares terá ido bebê-las,<br />
precisamente, à cultura europeia, com a influência do France Observateur, que lhe <strong>de</strong>svenda a tal linha<br />
neutralista, uma alternativa aos mo<strong>de</strong>los teóricos até então dominantes na geopolítica mundial.<br />
Paralelamente, Soares <strong>de</strong>scobre o potencial do papel mediador da Europa, uma i<strong>de</strong>ia que vai<br />
<strong>de</strong>senvolvendo a partir daí, particularmente no exílio. O seu envolvimento com o MFE foi fonte on<strong>de</strong><br />
bebia <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias. Este grupo é crítico <strong>de</strong> uma Europa meramente económica, vendo numa fe<strong>de</strong>ração<br />
europeia a via <strong>de</strong> dissolução do Pacto do Atlântico e do <strong>de</strong> Varsóvia. 259<br />
254<br />
In Mário Bettencourt Resen<strong>de</strong>s, A Incerteza dos Tempos, entrevista a Mário Soares, Lisboa, Editorial Notícias, 2003, p. 65.<br />
255<br />
Mário Soares, “Fogo Solto – O Cinquentenário do Integralismo”, crónica para o jornal A República, que não chegou a ser<br />
publicada. 7.05.1964, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02263 003, imagens 2-3.<br />
256<br />
Ver António Martins da Silva, História da Unificação Europeia. […] cit., pp. 71-80. Cf. Pascal Fontaine, A Construção<br />
Europeia, <strong>de</strong> 1945 aos nossos dias, Lisboa, Gradiva, 1998, pp. 15-17.<br />
257<br />
Mário Soares, “Fogo Solto – O Cinquentenário do Integralismo”, crónica para o jornal A República, que não chegou a ser<br />
publicada. 7.05.1964, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02263 003, imagens 2-3.<br />
258<br />
Mário Soares, “A Convenção Socialista <strong>de</strong> Suresnes”, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 000034 002, imagens 153-160.<br />
Desconhece-se a que órgão era <strong>de</strong>stinado este artigo.<br />
259<br />
“O MFE afirma que a única unida<strong>de</strong> europeia digna <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver é a unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral. É apenas com uma fe<strong>de</strong>ração que<br />
po<strong>de</strong>mos confiar ao povo europeu o controlo político, social e económico da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. É apenas com uma fe<strong>de</strong>ração,<br />
isto é, com um sistema constitucional aberto, ao qual qualquer estado po<strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r, sem ser alvo <strong>de</strong> hegemonias e no qual<br />
po<strong>de</strong>m coexistir estados membros <strong>de</strong> regimes económicos diferentes, que po<strong>de</strong>mos criar a condição prévia indispensável à<br />
longa luta para reunir a Europa Oci<strong>de</strong>ntal e Oriental e dissolver simultaneamente o Pacto Atlântico e o Pacto <strong>de</strong> Varsóvia.”<br />
Declaração do Congresso do Movimento Fe<strong>de</strong>ralista Europeu, realizado <strong>de</strong> 7 a 9 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1972, enviada a Mário Soares, no<br />
qual esteve presente, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02518 001, imagens 28-33.<br />
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