Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
“orgulhosamente sós” <strong>de</strong> Salazar. 235 No discurso na Assembleia <strong>Geral</strong> da ONU, Soares concretiza uma<br />
explícita oposição política entre passado e presente. 236<br />
Com o apelo à receptivida<strong>de</strong> por parte da comunida<strong>de</strong> internacional ao “novo Portugal”,<br />
expressão que <strong>de</strong>nota a mudança e o corte com o passado, Soares dá uma evidência clara <strong>de</strong> abertura do<br />
país à diplomacia mundial e o sinal <strong>de</strong> incontestável quebra com o regime <strong>de</strong> Salazar. Nesta mensagem,<br />
entre os anunciados 14 pontos essenciais da actual política externa portuguesa, está “a participação<br />
activa com a ONU e, em geral, com os organismos <strong>de</strong> cooperação internacional”, e a “intensificação das<br />
relações comerciais e políticas com os países da Comunida<strong>de</strong> Económica Europeia.” 237 Na Assembleia<br />
Consultiva do Conselho da Europa, em 28 <strong>de</strong> Setembro, on<strong>de</strong> já havia estado enquanto opositor à<br />
ditadura portuguesa, continua a evi<strong>de</strong>nciar o contraste passado/presente, expressando também o <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> o “Governo Português” po<strong>de</strong>r “tornar-se membro do Conselho da Europa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se realizem<br />
eleições livres para a Assembleia Constituinte.” Até lá, pe<strong>de</strong> “para Portugal o estatuto <strong>de</strong><br />
observador,” 238 o que parece ser o reiterar <strong>de</strong> um pedido anterior, aquando da visita <strong>de</strong> uma Delegação<br />
do Conselho da Europa a Lisboa para observar o clima <strong>de</strong> reestruturação do país. 239<br />
Porém, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma aproximação à Europa, fica-se pela simplicida<strong>de</strong>. Soares não revela<br />
publicamente tudo o que i<strong>de</strong>aliza, não <strong>de</strong>senvolve os termos em que preconiza tal aproximação. Centra-<br />
se na necessida<strong>de</strong> imediata e prática: a económica. Sabe que, como quando começou na oposição a<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a abertura <strong>de</strong> Portugal à Europa, são as razões económicas que serão melhor entendidas pelo<br />
Governo Provisório e pela socieda<strong>de</strong> portuguesa. Compreen<strong>de</strong>-se assim que seja apenas a proposta da<br />
intensificação <strong>de</strong> relações com o MC, e possível futura integração, a concretização <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
aproximação. É-o <strong>de</strong> facto, por necessida<strong>de</strong>s reais da economia portuguesa. Mas é-o apenas porque<br />
Soares sabe que não é o momento indicado para Portugal, em clima <strong>de</strong> transição política, estar a falar<br />
numa integração política nas Comunida<strong>de</strong>s Europeias.<br />
De modo que, é no incremento <strong>de</strong> relações económicas com os países do MC que Soares vai<br />
incidir a diplomacia portuguesa nesta fase. Fá-lo logo pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter tomado posse como<br />
ministro dos Negócios Estrangeiros no I Governo Provisório. Em Junho <strong>de</strong> 1974 240 , revela já ter<br />
consumado, com o primeiro-ministro, encontros com dirigentes das Comunida<strong>de</strong>s Europeias, com o<br />
intuito <strong>de</strong> aprofundar o acordo comercial com o MC. 241 De Junho a Setembro <strong>de</strong> 74, as relações<br />
235 Mário Soares, “discurso pronunciado na 29ª sessão da Assembleia-<strong>Geral</strong> da ONU”, 23.09.1974, in Mário Soares,<br />
Democratização […] cit., p. 125.<br />
236 “Portugal preten<strong>de</strong> encerrar o triste passado <strong>de</strong> isolacionismo a que estava naturalmente con<strong>de</strong>nado e dispõe-se a uma<br />
colaboração activa com todas as nações do Mundo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos seus regimes políticos e sociais ou <strong>de</strong> preferências<br />
i<strong>de</strong>ológicas. Vem, assim, e pela primeira vez a esta tribuna, com o propósito sincero <strong>de</strong> se integrar <strong>de</strong> pleno na comunida<strong>de</strong><br />
internacional, ocupando o lugar a que tem jus. Apelo, por isso, para que o novo Portugal seja aceite sem reservas pela<br />
comunida<strong>de</strong> das nações, como é <strong>de</strong> justiça. Apelo, ainda, para que o novo Portugal possa, em breve, estabelecer relações<br />
normais com todos os Estados, sem excepção, lembrando neste instante e, como exemplo, a vonta<strong>de</strong>, que julgo ser recíproca,<br />
dos povos português e indiano, em verem reatadas as suas velhas e fecundas relações a todos os níveis, incluindo o<br />
diplomático.” I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 131.<br />
237 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, pp. 132,133.<br />
238 Mário Soares, “discurso na Assembleia Consultiva do Conselho da Europa”, 28.09.1974, in Mário Soares, Democratização<br />
[…] cit., p. 143.<br />
239 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 142.<br />
240 Entrevista a Mário Soares, realizada por Javier Moral, para o jornal espanhol Pueblo, em 28.06.1974, in Mário Soares,<br />
Democratização […] cit., pp. 59,60.<br />
241 “O prof. Palma Carlos e eu tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar com o Presi<strong>de</strong>nte Ortoli, mantivemos conversações com Sir<br />
Christohper Soames, no quadro das Comunida<strong>de</strong>s Europeias, e chegámos à conclusão, aliás corroborada pelos nossos<br />
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