Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
linha <strong>de</strong> política externa do Governo Provisório com o que Soares já vinha preconizando é mais do que<br />
mera coincidência. É a evidência <strong>de</strong> um espaço vazio político do Governo Provisório, que Soares pô<strong>de</strong><br />
ocupar, assumindo o cargo político certo. O facto <strong>de</strong> ter sido o próprio Soares a propor-se como<br />
Ministro dos Negócios Estrangeiros a Spínola também induz a essa conclusão.<br />
Como veremos <strong>de</strong> seguida, nas suas intervenções, nas visitas que fez a outros países e<br />
entrevistas que <strong>de</strong>u à imprensa estrangeira e portuguesa, concentrou-se em passar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong><br />
Portugal à Europa e a inserção da política portuguesa no quadro <strong>de</strong> valores da <strong>de</strong>mocracia oci<strong>de</strong>ntal.<br />
Até 26 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1975, data em que termina a vigência do III Governo Provisório, Soares <strong>de</strong>sdobra-<br />
se em visitas diplomáticas, entrevistas e intervenções, das quais se <strong>de</strong>stacam as no Conselho da Europa<br />
e na Assembleia <strong>Geral</strong> da ONU.<br />
A par com o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização que levou a cabo, o então Ministro dos Negócios<br />
Estrangeiros foi tecendo uma política <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> Portugal à Europa, como é notório pelas visitas que<br />
fez ao estrangeiro e entrevistas que <strong>de</strong>u. A sua preocupação era, sobretudo, a <strong>de</strong> passar a mensagem <strong>de</strong><br />
abertura política, <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> pensamento, continuando o seu discurso a ser dirigido essencialmente<br />
ao mundo oci<strong>de</strong>ntal, com a intenção <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a nova política externa sustentada numa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
abertura e quebra com o passado. Três i<strong>de</strong>ias são vectores do seu discurso após a Revolução:<br />
<strong>de</strong>scolonização, <strong>de</strong>mocratização e Europa, implicando esta uma teia <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> Portugal com o<br />
mundo.<br />
Além <strong>de</strong> Mário Soares ter protagonizado o início do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização portuguesa,<br />
teve a preocupação adicional <strong>de</strong> veicular a mensagem e o seu pensamento sobre a questão colonial, pois<br />
a efectivida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>scolonização era essencial para transparecer coerência com o que vinha <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
no exílio e manter a sua credibilida<strong>de</strong> socialista na Europa. Ainda antes <strong>de</strong> ser empossado como<br />
Ministro dos Negócios Estrangeiros, no I Governo Provisório, a 16 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1974, já acenava à<br />
imprensa com a sua intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização. “Devemos começar a trabalhar imediatamente para um<br />
acordo com os guerrilheiros. Não po<strong>de</strong>mos esperar doze meses para que um governo eleito trate<br />
disso,” 226 diz, sem pejo <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar alguma <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> 227 com Spínola, cuja opinião se tornava<br />
ambígua relativamente à auto-<strong>de</strong>terminação e in<strong>de</strong>pendência das colónias, o que levou, o próprio MFA<br />
a andar à <strong>de</strong>riva sem mencionar a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização no seu programa. A intenção clara <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scolonizar, com a menção à “auto-<strong>de</strong>termintação”, aparece só no programa dos governos<br />
provisórios. 228 Sabendo que a permanência da sua credibilida<strong>de</strong> política <strong>de</strong>pendia da sua coerência<br />
i<strong>de</strong>ológica, concretiza não só a condução do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização português, como também<br />
continua a <strong>de</strong>fendê-lo e teorizá-lo, para o “publicitar”, pois a continuação <strong>de</strong>ssa linha política era factor<br />
chave para a nova imagem <strong>de</strong> Portugal. Em entrevista ao Der Spiegel, 229 reafirma a sua política <strong>de</strong><br />
226<br />
Entrevista concedida por Mário Soares, ao semanário americano Newsweek, a 13.05.1974, in Mário Soares, Democratização<br />
[…] cit., pp.37-41.<br />
227<br />
Soares não escon<strong>de</strong> essa divergência na confrontação da entrevista à Newsweek: Jornalista: “O general Spínola disse que<br />
auto<strong>de</strong>terminação para as colónias não significa in<strong>de</strong>pendência. Não é esta uma linha muito diferente da seguida pelo Partido<br />
Socialista?” Mário Soares: “O general Spínola conhece a nossa posição. É a in<strong>de</strong>pendência pura e simples.” Excerto da<br />
entrevista concedida ao semanário americano Newsweek, 13.05.1974, in Mário Soares, Democratização […] cit., pp. 37-41.<br />
228<br />
Ver Eduardo Freitas da Costa, Spínola, o anti-general, Lisboa, Edições FP, 1979, pp. 157-169.<br />
229<br />
Entrevista concedida ao semanário alemão Der Spiegel, 19.08.1974, in Mário Soares, Democratização […] cit. pp. 75-84.<br />
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