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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

Sem pudor <strong>de</strong> ofensa e porque o momento o exigia, os socialistas portugueses consi<strong>de</strong>ram que<br />

os lí<strong>de</strong>res da CEE “não <strong>de</strong>vem nem po<strong>de</strong>m tolerar nas suas fileiras um governo como o <strong>de</strong> Portugal”,<br />

sem quaisquer eufemismos em afirmar que, caso contrário, estaria também em causa a conduta<br />

<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>sses países. “Se uma ditadura po<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>terminadas condições, parecer outra coisa,<br />

pelo facto <strong>de</strong> as Democracias a aceitarem na sua Socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos inferir o inverso: as Democracias<br />

po<strong>de</strong>m, reciprocamente, parecer outra coisa diferente, ao aceitarem como parceiro um governo<br />

colonialista e fascista.” 217<br />

Como se vê, a <strong>de</strong>fesa da integração portuguesa na Europa não é cega e sem pressupostos. Como<br />

transparece na mensagem <strong>de</strong>ste grupo socialista, e em todo o discurso <strong>de</strong> Mário Soares em particular, a<br />

<strong>de</strong>mocracia e liberda<strong>de</strong>, a par dos valores socialistas, são sempre a condição para a integração e para a<br />

construção <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> europeia. É assente numa clara <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>stes princípios que a oposição à<br />

iniciativa <strong>de</strong> governo português para a<strong>de</strong>rir ao MC não entra em contradição com as i<strong>de</strong>ias anteriores <strong>de</strong><br />

Soares, pela integração <strong>de</strong> Portugal na Europa. Pelo contrário, esta posição, veementemente<br />

manifestada nos anos finais da ditadura portuguesa, era imprescindível para concretizar a sua estratégia<br />

e só po<strong>de</strong> ser entendida como coerente com os valores basilares do seu pensamento: <strong>de</strong>mocracia e<br />

liberda<strong>de</strong>. Por outro lado, o fecho <strong>de</strong> portas da Europa a Lisboa contribuiria como elemento persuasor<br />

da população portuguesa contra a ditadura. “(…) É o facto <strong>de</strong> a Europa permanecer fechada para nós<br />

enquanto subsistirem as actuais estruturas, que po<strong>de</strong>rá contribuir para esclarecer a opinião portuguesa<br />

<strong>de</strong> que é imperativo <strong>de</strong> salvação nacional, para Portugal, <strong>de</strong>sembaraçar-se do actual regime.” 218<br />

Apesar <strong>de</strong>, na década <strong>de</strong> 60, Soares não se coibir <strong>de</strong> responsabilizar lí<strong>de</strong>res oci<strong>de</strong>ntais pela<br />

cumplicida<strong>de</strong> ao regime <strong>de</strong> Salazar no pós-guerra, é a partir <strong>de</strong> 1971 que agudiza as suas críticas à<br />

conduta europeia, perante a pon<strong>de</strong>ração para um acordo <strong>de</strong> Portugal com o MC. É a expressão <strong>de</strong> uma<br />

revolta contra esta conduta europeia, mas, respon<strong>de</strong>ndo à pergunta inicial <strong>de</strong>ste subcapítulo, não é uma<br />

manifestação contra a Europa, no sentido <strong>de</strong> uma mudança na sua posição em conceber a CEE como<br />

alternativa futura para Portugal. Pelo contrário. Esta manifestação revoltosa é necessária à<br />

concretização do projecto <strong>de</strong> Soares para Portugal, que preconizava uma futura <strong>de</strong>mocratização do país<br />

e a integração europeia no seu plano <strong>de</strong> oposição, que passava pela mobilização internacional para a<br />

con<strong>de</strong>nação e isolamento do Governo português. Soares manifesta-se contra a Europa apenas porque<br />

está em causa um valor maior do que a imediata integração: o da <strong>de</strong>mocracia, que o leva a consi<strong>de</strong>rar<br />

inconcebível a aceitação <strong>de</strong> um país ditatorial nas fileiras dos países <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Ora, e isto <strong>de</strong>itaria por terra todo o esforço <strong>de</strong> europeização que a oposição socialista vinha a<br />

fazer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 60, intensificada com o seu exílio. A campanha <strong>de</strong> Soares não só tinha<br />

repercussão nos meios políticos congéneres à ASP, como também em instâncias ligadas ao projecto <strong>de</strong><br />

construção europeia. A partir do momento em que se <strong>de</strong>sliga completamente do PCP e começa a tomar<br />

contacto com França e a viajar, nomeadamente <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Humberto Delgado, Soares começa a<br />

217 Ibi<strong>de</strong>m.<br />

218 “Portugal 73”, entrevista <strong>de</strong> Avelino Rodrigues a Mário Soares, Outubro <strong>de</strong> 1973, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta<br />

00517 001, imagens 185-198.<br />

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