Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
<strong>de</strong>scolonizadora, mas também parece assumir a forma <strong>de</strong> uma mensagem indirecta ao governo francês,<br />
eventual entusiasta da i<strong>de</strong>ia da entrada <strong>de</strong> Portugal no MC. Na reunião do MFE, Soares <strong>de</strong>nuncia a<br />
existência <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> uma congregação <strong>de</strong> países, que veriam na abertura a Portugal uma maior<br />
afirmação do bloco oci<strong>de</strong>ntal, para a prossecução do sistema geopolítico da Guerra Fria.<br />
“Não estou convencido <strong>de</strong> que os governos que fazem parte do Mercado Comum estão apenas<br />
interessados em fechar a porta a Portugal e Espanha por causa dos seus regimes totalitários. Eles sabem<br />
muito bem que nós temos regimes totalitários, mas não ligam nada a isso. E eu sei que existem governos<br />
<strong>de</strong> países muito importantes no Mercado Comum, como, por exemplo, a França, cujos dirigentes fizeram<br />
saber que estão muito interessados numa associação <strong>de</strong>sta parte da Europa Oci<strong>de</strong>ntal com o Mercado<br />
Comum (é uma palavra empregada recentemente por M. Pompidou), porque é necessário fazer um<br />
contra-po<strong>de</strong>r à Europa <strong>de</strong> Leste. Existem forças que estão interessadas, não apenas em França, mas em<br />
Itália, Alemanha e Inglaterra, que estão interessadas em fazer entrar, em associar estes países – Portugal e<br />
Espanha – ao Mercado Comum. Mas quando contactámos os partidos socialistas europeus, numa reunião<br />
que teve lugar em Bruxelas, em Julho passado, obtivemos uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> todos os partidos,<br />
manifestando oposição a qualquer tipo <strong>de</strong> associação com os países que não têm instituições<br />
<strong>de</strong>mocráticas. Portugal, Espanha e Grécia estão nessa situação.” 212<br />
A existência <strong>de</strong>ste concerto dos estados integrantes da CEE significaria a garantia da<br />
continuida<strong>de</strong> da ditadura portuguesa por muito mais tempo. Esta política dúplice e contraditória aos<br />
valores <strong>de</strong>mocráticos da Europa Oci<strong>de</strong>ntal insere-se no paradigma da Guerra Fria e numa intenção<br />
puramente geopolítica, que apartava i<strong>de</strong>ologias e estratégia política – tratava-se apenas <strong>de</strong> garantir um<br />
alargamento da base territorial para o bloco oci<strong>de</strong>ntal, que acarretasse mais manobra geo-militar. No<br />
fundo, esta pon<strong>de</strong>ração dos países europeus para a entrada <strong>de</strong> Portugal no MC seria o reforço da<br />
tendência do bloco oci<strong>de</strong>ntal do pós-guerra, representando o extremar <strong>de</strong>ssa cumplicida<strong>de</strong> para com<br />
Salazar.<br />
Contudo, numa altura em que se seguiam con<strong>de</strong>nações na ONU à política colonial portuguesa,<br />
esta posição dos governos europeus não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> constituir uma surpresa, perante a reprovação que a<br />
própria opinião pública internacional tendia a fazer à política colonial do Estado Novo. Po<strong>de</strong>rá esta<br />
posição dos países europeus da CEE integrar-se numa intenção <strong>de</strong> autonomizar a Europa em termos<br />
geoestratégicos e militares dos EUA e da NATO, já que essa era a posição francesa? Nesse aspecto, a<br />
eventual inserção <strong>de</strong> Portugal no concerto da comunida<strong>de</strong> europeia seria importante para a eventual<br />
autonomização da política externa e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa europeia. Por outro lado, para esta posição <strong>de</strong> abertura da<br />
CEE à ditadura, continuava a pesar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ser preferível um governo forte ditatorial a um governo<br />
fraco, possível embrião <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> política que tornasse o país susceptível às forças políticas <strong>de</strong><br />
leste.<br />
212 Discurso <strong>de</strong> Mário Soares, na reunião do Comité Central do Movimento Fe<strong>de</strong>ralista Europeu, anexo a carta enviada a Mário<br />
Soares, por Massimo Malcovati, em nome da “Le Fe<strong>de</strong>ralista, revue <strong>de</strong> politique”, em Novembro <strong>de</strong> 1971, Arquivo Fundação<br />
Mário Soares, pasta 02518 002, imagens 4-14.<br />
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