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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

cumplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma parte da Europa Oci<strong>de</strong>ntal, <strong>de</strong>ntro do quadro <strong>de</strong> uma estratégia imperialista que<br />

procura fazer <strong>de</strong> toda a África austral um gran<strong>de</strong> bastião do po<strong>de</strong>r branco (…).” 206 A retórica soarista<br />

assenta no facto <strong>de</strong> a um país integrante do sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da <strong>de</strong>mocracia e liberda<strong>de</strong> ser consentida<br />

a continuação <strong>de</strong> uma guerra castradora <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s. “Porém, o que não po<strong>de</strong>mos aceitar é a tolerância<br />

culposa com que certas <strong>de</strong>mocracias tratam e aceitam no seu seio os ditadores europeus – a ajuda<br />

internacional objectiva que os fascismos europeus têm encontrado, da parte dos países <strong>de</strong>mocráticos e<br />

algumas vezes dos próprios países comunistas, para continuarem a oprimir os seus povos.” 207<br />

A esta revolta junta-se outra inquietação, mais presente no final do regime português, com o<br />

sinal <strong>de</strong> Caetano em querer abrir Portugal ao MC e no que parece ser a pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> alguns países da<br />

Comunida<strong>de</strong> Europeia em aceitar uma integração mais abrangente. Se, até ao fim do governo <strong>de</strong><br />

Salazar, Portugal esteve <strong>de</strong> portas fechadas a qualquer iniciativa <strong>de</strong> associação à Europa, com Marcelo<br />

Caetano dá-se alguma abertura. Não só <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada pela necessida<strong>de</strong> económica, <strong>de</strong>terminada pela<br />

a<strong>de</strong>são do Reino Unido à CEE e a eminência da <strong>de</strong>cadência da EFTA, como também por algumas<br />

ambições <strong>de</strong> uma associação mais lata, que emergiram no seio político da ditadura e que chegaram a<br />

suscitar discussões na Assembleia Nacional. 208<br />

Atento à evolução política do seu país e <strong>de</strong>vido a uma pertinaz consciência histórica, Soares<br />

sabe interpretar as oscilações e divergências no âmago do governo português, como o faz em “Para<br />

Uma Democracia Socialista,” 209 consi<strong>de</strong>rando a manifestação <strong>de</strong> posições <strong>de</strong> abertura à Europa uma<br />

contradição da sua própria política externa, com a coexistência da política colonial. Perante isto, Soares<br />

teve um <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>licado: o <strong>de</strong> contra-argumentar o pedido do governo português pela a<strong>de</strong>são ao MC,<br />

<strong>de</strong>smontando o discurso <strong>de</strong> aparente abertura <strong>de</strong> Caetano, sem, ao mesmo tempo, negar a sua própria<br />

(<strong>de</strong> Soares) perspectiva futura <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> Portugal na Europa.<br />

Soares precisa <strong>de</strong> iniciar uma retórica que evi<strong>de</strong>nciasse aos lí<strong>de</strong>res europeus a sua contradição<br />

em aceitar o regime português no MC. “Estarão os futuros parceiros <strong>de</strong> Portugal no Mercado Comum<br />

dispostos a aceitar um novo associado que, entre outras dificulda<strong>de</strong>s, lhes traria, com a sua presença,<br />

um presente envenenado dos seus problemas coloniais?” 210 E a propósito <strong>de</strong> política colonial, questiona<br />

directamente a posição francesa sobre o assunto, aludindo à política <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização <strong>de</strong> De Gaulle.<br />

“Qual será, a este respeito, a posição da França que soube passar à fase da <strong>de</strong>scolonização, com<br />

inteligência, o que lhe assegura hoje uma situação privilegiada na África in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte?” 211 Ora, este<br />

questionamento pela posição <strong>de</strong> Paris não parece ter sido feito apenas à luz do exemplo da sua política<br />

206 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

207 Mário Soares, “Na Internacional Socialista”, discurso pronunciado no XII Congresso da Internacional Socialista, realizado em<br />

Viena <strong>de</strong> Áustria, 28.06.1972, in Mário Soares, Escritos do Exílio, cit., pp. 154-158.<br />

208 Ver António Martins da Silva, “Portugal e a I<strong>de</strong>ia Fe<strong>de</strong>ral Europeia – da República ao Fim do Estado Novo”, in Maria Manuela<br />

Tavares Ribeiro, António <strong>de</strong> Melo e Manuel Lopes Porto (Org.), Portugal e a Construção Europeia, <strong>Coimbra</strong>, Almedina, 2003, pp.<br />

69-99.<br />

209 No capítulo sobre a situação económica portuguesa, Soares tece uma análise sobre os recentes dilemas e contradições que<br />

surgem nos parlamentares e governo, entre uns que consi<strong>de</strong>ram a guerra colonial como um facto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

económico e outros que já não se revêem numa política colonial, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a abertura <strong>de</strong> Portugal à Europa. Ver “Para Uma<br />

Democracia Socialista em Portugal – Textos ASP, 1970”, Centro <strong>de</strong> Documentação 25 <strong>de</strong> Abril, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong>, 329<br />

(469) “1960/1970” ACC.<br />

210 Mário Soares, “Portugal e a Europa”, artigo publicado na “Tribuna Internacional”, Le Mon<strong>de</strong>, 03.03.1971, Arquivo Fundação<br />

Mário Soares, pasta 000032 000, imagens 100-103.<br />

211 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

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