Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Tais cautelas estão intimamente ligadas à sua expressão socialista e à influência dos seus<br />
contactos com a IS, o ME e o MFE, que concebiam, precisamente, a assumpção <strong>de</strong> uma Europa com<br />
preocupações igualitárias e sociais. Apesar <strong>de</strong> conceber que o “futuro <strong>de</strong> Portugal está na integração<br />
europeia”, consi<strong>de</strong>ra essa integração “como um alvo a atingir a uma certa distância no tempo”, pois,<br />
como socialista, vê “os perigos <strong>de</strong> uma Europa integrada e super-capitalista”, por isso se bate “por uma<br />
Europa dos trabalhadores.” 193<br />
Com a entrada na década <strong>de</strong> 70, Soares per<strong>de</strong> qualquer temor, que pu<strong>de</strong>sse advir do julgamento<br />
<strong>de</strong> um exacerbado tradicionalismo da socieda<strong>de</strong> portuguesa, 194 em se assumir como europeísta convicto<br />
e em manifestar que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma Europa mais do que económica, política. A divulgação da sua i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> Europa assume uma importância estratégica na sua oposição, tanto em terreno externo, como interno.<br />
Ao fazê-lo nos locais e meios <strong>de</strong> comunicação social europeus está a revelar uma i<strong>de</strong>ntificação com as<br />
i<strong>de</strong>ias europeias, a sua base <strong>de</strong> apoio político, e nos meios portugueses, está a apelar à simpatia dos<br />
militantes <strong>de</strong> esquerda para o PS, numa tentativa <strong>de</strong> conquista <strong>de</strong> terreno ao PCP. “Sou, portanto, um<br />
europeísta, mas sou pela Europa dos trabalhadores e não pela Europa dos trusts. Aceito e subscrevo<br />
muitas críticas da esquerda europeia à Europa super-capitalista que se está a construir (…),” 195 assume<br />
Soares em entrevista.<br />
Aos cépticos militantes da esquerda comunista, anti-europeístas, <strong>de</strong>ixava um argumento <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m prática para acreditarem na Europa e se envolverem na sua construção: “Penso que a atitu<strong>de</strong><br />
correcta dos países <strong>de</strong> esquerda é a <strong>de</strong> se integrarem na construção da Europa, transformando-se no<br />
sentido do socialismo e das reivindicações dos trabalhadores.” 196 Repare-se que Soares quebra aqui o<br />
discurso típico anti-europeu da esquerda comunista, buscando na essência da sua crítica um argumento -<br />
o objectivo social - para o seu envolvimento na luta pela unificação da Europa.<br />
Realça-se aqui a coerência i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> Soares com o discurso <strong>de</strong> oposição que vem<br />
materializando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os inícios <strong>de</strong> 60, mantendo-se categórico quanto aos princípios basilares que<br />
<strong>de</strong>vem reger a concretização da sua estratégia para o futuro <strong>de</strong> Portugal. Liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mocracia e justiça<br />
social são valores dos quais jamais abdica, pilares <strong>de</strong> todo o seu discurso relativamente a Portugal e<br />
Europa. É à luz da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>stes princípios e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicação da imprescindibilida<strong>de</strong> da<br />
transição <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> Portugal para a integração Europeia que se enten<strong>de</strong> a perda <strong>de</strong> pudor em<br />
assumir, perante um órgão <strong>de</strong> imprensa português, que a Europa se preten<strong>de</strong> uma organização<br />
supranacional. “Enquanto Portugal não for dotado <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong>mocráticas não lhe será consentido<br />
associar-se à Comunida<strong>de</strong> Europeia, como um parceiro <strong>de</strong> direitos iguais. A Comunida<strong>de</strong> Europeia não<br />
é apenas uma associação <strong>de</strong> integração económica; é, também, uma associação política, que visa fins<br />
193<br />
“Entrevista <strong>de</strong> Mário Soares ao Daghla<strong>de</strong>t, <strong>de</strong> Oslo, Noruega”, s.d., prevendo-se ser do ano <strong>de</strong> 1972, Arquivo Fundação Mário<br />
Soares, pasta 00008 002, imagens 38-45.<br />
194<br />
“Aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m para Portugal soluções baseadas no socialismo <strong>de</strong>mocrático e europeu encontrarão na obra <strong>de</strong> Mário<br />
Soares contributo para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma via política que ultrapassa, simultaneamente, o comunismo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo russo e a<br />
social-<strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> tipo alemão. Mário Soares representa em Portugal uma opção incómoda e uma herança difícil –<br />
<strong>de</strong>masiado europeu para ser aceite pacificamente por alguns, excessivamente ligado a uma tradição <strong>de</strong>mocrática para<br />
<strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> „Oposição <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>‟.” Introdução do jornalista à entrevista “Sou pela Europa dos<br />
Trabalhadores e não pela Europa dos Trusts, <strong>de</strong>clarou Mário Soares à República”, provas tipográficas da entrevista a Mário<br />
Soares, cortada pela censura, 30.04.1972, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00007 001, imagens 21-25.<br />
195<br />
In ibi<strong>de</strong>m.<br />
196 In ibi<strong>de</strong>m.<br />
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