Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Nesta linha, reflecte acerca do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> construção política da Europa, o que, face à censura<br />
exercida sobre a comunicação social portuguesa, <strong>de</strong>veria advir da leitura <strong>de</strong> publicações internacionais.<br />
Quando especula sobre a possível vitória dos trabalhistas nas próximas eleições inglesas, que poria fim<br />
à administração “Tory”, o partido inglês <strong>de</strong> tendência conservadora, retira daí consequências para a<br />
política europeia, pois o cenário britânico iria “impulsionar seguramente as „chances‟ <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />
uma Europa unida e integrada sob a égi<strong>de</strong> socialista e, através <strong>de</strong>la, inflectir toda a política mundial.” 169<br />
Ele só não está a par da actualida<strong>de</strong> política europeia e comunitária, como já dispõe <strong>de</strong> bases teóricas<br />
para questionar a evolução do projecto comunitário. Ao citar um estudo publicado pelo Le Mon<strong>de</strong><br />
Diplomatique, que faz uma resenha sobre o nascimento da Europa sob o signo da <strong>de</strong>mocracia cristã,<br />
questiona qual será a orientação política da construção europeia com o <strong>de</strong>senvolvimento do socialismo<br />
em muitos países europeus. “Irá assim a construção europeia fazer-se sob o impulso do socialismo<br />
reformista e com a presença tão necessária da Inglaterra? É uma hipótese que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora, tem sérias<br />
probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vir a realizar-se.” 170<br />
As crónicas Fogo Solto representam também uma tentativa infrutífera <strong>de</strong> trazer a discussão para<br />
Portugal, <strong>de</strong>ixando implícita a simpatia pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> integração futura <strong>de</strong> Portugal na Europa. É<br />
acreditando no futuro do projecto europeu e consciente do início da globalização da política, que Soares<br />
começa a tecer uma concepção <strong>de</strong> política externa para Portugal completamente antagónica à <strong>de</strong><br />
Salazar.<br />
Na base do conceito <strong>de</strong> Europa como mediador político do mundo, edificado sob uma base<br />
doutrinária socialista, Soares irá <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a integração europeia futura <strong>de</strong> Portugal. Nos vários<br />
documentos analisados, essa posição só começa a ser veiculada a partir <strong>de</strong> 1969 - “Que nos temos <strong>de</strong><br />
associar à Europa (ou reintegrar nela) parece-me uma pura evidência.” 171 A necessária transformação<br />
das instituições políticas portuguesas e o fim da Guerra Colonial são duas questões indissociáveis do<br />
tema da integração europeia. Todos os argumentos se conjugam numa lógica discursiva que se aglutina<br />
à i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>mocrática europeia. A assumpção pública da <strong>de</strong>fesa da integração <strong>de</strong> Portugal na Europa<br />
não serve apenas uma mera oposição i<strong>de</strong>ológica ao Estado Novo. Ela acarreta a projecção europeia <strong>de</strong><br />
Soares, com a veiculação <strong>de</strong> um pensamento enquadrado na corrente política dominante na Europa.<br />
Revela-se aos homólogos europeus como um socialista português pensante segundo um quadro político<br />
europeu: “Nós, como <strong>de</strong>mocratas, <strong>de</strong>sejamos juntar-nos à Europa – por ser do nosso interesse, assim<br />
como, do interesse da Europa <strong>de</strong>mocrática.”<br />
Colocando sempre como condição a <strong>de</strong>mocracia, torna o objectivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrube da ditadura<br />
portuguesa subjacente aos próprios preceitos i<strong>de</strong>ológicos europeus: “Porque vocês são os <strong>de</strong>fensores da<br />
liberda<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Por isso, temos a certeza <strong>de</strong> que ao ajudarem Portugal não<br />
169 Mário Soares, “Fogo Solto – Uma iniciativa Oportuna”, crónica para o jornal A República, <strong>de</strong> 13.05.1964, Arquivo Fundação<br />
Mário Soares, pasta 02263 003, imagens 21, 22. (A crónica foi cortada pela censura).<br />
170 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />
171 Mário Soares, “Entrevista”, guião <strong>de</strong> respostas para entrevista à Vida Mundial, Maio <strong>de</strong> 1969, Arquivo Fundação Mário<br />
Soares, pasta 00008 001, imagens 65-69.<br />
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