16.04.2013 Views

Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

Contudo, não o esperava uma travessia no <strong>de</strong>serto, mas uma travessia na Europa, acima <strong>de</strong> tudo,<br />

porque já não havia <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Além <strong>de</strong> já saber qual o campo i<strong>de</strong>ário que o guiaria, estava<br />

também convicto da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar a ASP conhecida na Europa. A consciência <strong>de</strong> que se<br />

fechavam os horizontes em Portugal culminava na crença da utilida<strong>de</strong> em projectar a oposição para fora<br />

do país, pois cria que era também o isolamento das forças <strong>de</strong> oposição que contribuía para a<br />

longevida<strong>de</strong> do salazarismo. O impulso para partir para o exílio é-lhe dado pela própria PIDE, quando,<br />

em 1970, vindo <strong>de</strong> Itália, on<strong>de</strong> escrevia Portugal Amordaçado, para o funeral do pai, é confrontado com<br />

uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão, “a qual só não seria executada se abandonasse o país, nesse dia mesmo.” 95<br />

Este contra-senso, <strong>de</strong> perante a existência <strong>de</strong> um mandado <strong>de</strong> captura se dar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fugir, é revelador da consciência que o próprio Governo já tinha da sua notorieda<strong>de</strong> internacional. Ele<br />

emergia como um lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma oposição credível na Europa Oci<strong>de</strong>ntal, que já <strong>de</strong>spertava a atenção dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação internacionais. A nota oficiosa publicada pela PIDE, informando sobre a<br />

abertura do procedimento criminal contra o lí<strong>de</strong>r da ASP, tinha tido eco em vários jornais franceses. 96<br />

Além do mais, a <strong>de</strong>portação para S. Tomé já havia <strong>de</strong>monstrado que Soares não era um anónimo na<br />

Europa. O antigo Secretário-geral da IS faz a mesma interpretação. “O governo encontrou-se perante<br />

um dilema. Por um lado, achava necessário acusá-lo <strong>de</strong> acções conspiratórias no estrangeiro; por outro,<br />

pesadas medidas contra ele tornar-se-iam embaraçosas, porque levariam a tensões com os governos que<br />

colhiam a simpatia <strong>de</strong> Soares.” 97<br />

Se a candidatura da CEUD às eleições <strong>de</strong> 1969 quebrou o isolacionismo dos socialistas<br />

portugueses, o exílio <strong>de</strong> Soares em França torna a logística dos contactos muito mais fácil, com<br />

encontros mais frequentes com as li<strong>de</strong>ranças europeias, a IS, o Conselho da Europa e os vários partidos<br />

e presi<strong>de</strong>ntes da social-<strong>de</strong>mocracia. 98 Dora em diante, a sua atitu<strong>de</strong>, a lógica articulação do seu discurso<br />

na e sobre a Europa, evi<strong>de</strong>nciarão que nada foi feito ao acaso, reflectindo antes uma clara estratégia<br />

executada em várias frentes: <strong>de</strong>sconstruir a imagem que Salazar tinha pintado <strong>de</strong> Portugal no<br />

estrangeiro, assumir a existência da força socialista portuguesa como oposição credível ao regime e<br />

<strong>de</strong>monstrar que ela estava na linha do pensamento europeu.<br />

“Este anos foram também o início do fim do isolamento <strong>de</strong> Portugal no mundo.” 99 Não só<br />

foram o fim do isolamento <strong>de</strong> Portugal, como possibilitaram a Soares a observação, <strong>de</strong> perto e por<br />

<strong>de</strong>ntro, do funcionamento das <strong>de</strong>mocracias, do jogo político em clima <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Assim, ao mesmo<br />

tempo que dava cumprimento à sua estratégia oposicionista ao Estado Novo, o exílio possibilita-lhe<br />

uma auto-formação como político mo<strong>de</strong>rno, que sabe dar importância estratégica ao discurso e à<br />

presença mediática, através da convivência nas mais altas esferas políticas europeias.<br />

95 Mário Soares, “Carta Aos Meus Amigos”, escrita em Agosto <strong>de</strong> 1970 e distribuída, clan<strong>de</strong>stinamente, em Portugal. Foi<br />

publicada na Revista Ibérica, 15.09.1970, e referida pelo Le Mon<strong>de</strong>, 6.8.1970, in Mário Soares, Escritos do Exílio, Amadora,<br />

Bertrand, 1975, pp. 49.54.<br />

96 “Em começos <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1970, vários jornais franceses fizeram eco da nota oficiosa publicada pela Direcção <strong>Geral</strong> <strong>de</strong><br />

Segurança (ex-PIDE), segundo a qual havia sido aberto procedimento criminal contra mim. Em resposta enviei ao Le Mon<strong>de</strong> a<br />

nota que ora reproduzo, e que foi transcrita no número 6 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1970.” Introdução <strong>de</strong> Mário Soares ao documento “Nota<br />

Enviada a Le Mon<strong>de</strong>”, in Mário Soares, Escritos do Exílio, cit., pp. 46,47.<br />

97 Hans Janitschek, cit., p. 29.<br />

98 “A partir <strong>de</strong> 1969, Mário Soares e os seus amigos próximos tornaram-se visitantes frequentes nos encontros da Internacional<br />

Socialista. Soares <strong>de</strong>screve estas aventuras no mundo lá fora, como „uma política <strong>de</strong> risco calculado‟.” I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m pp. 28,29.<br />

99 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.29.<br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!