Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
antes <strong>de</strong> ter saído <strong>de</strong> Portugal para o exílio em França, os discursos <strong>de</strong> Soares já reflectem claramente<br />
uma i<strong>de</strong>ntificação com os padrões europeus, como vamos observar seguidamente.<br />
4.2 – A Europa como referência i<strong>de</strong>ológica – um padrão económico e político.<br />
O início da construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia para Portugal<br />
A década <strong>de</strong> 60 traz para a Europa mudanças políticas que vão sarando as feridas da II Guerra<br />
Mundial e renovando a esperança num futuro próspero, acalentada pelas repercussões do Tratado <strong>de</strong><br />
Roma - com a institucionalização da CEE, que cria a Política Agrícola Comum e abole as pautas<br />
aduaneiras. Por esta altura, começa a evi<strong>de</strong>nciar-se nas manifestações escritas e discursivas <strong>de</strong> Soares,<br />
as suas i<strong>de</strong>ias acerca do projecto europeu, vendo na Europa padrões <strong>de</strong> vida aplicáveis e exemplares<br />
para Portugal, o que se converterá num dos seus argumentos fortes contra o regime.<br />
O nível <strong>de</strong> vida europeu é o fundamento mais objectivo, frequentemente invocado como<br />
referência e a título <strong>de</strong> contraposição com Portugal. O grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico da Europa é<br />
referido em vários documentos analisados, como comparativo positivo, oposto à situação proporcionada<br />
pelo Estado Novo. A influência das instituições europeias faz-se sentir, na fonte <strong>de</strong> dados estatísticos<br />
para sustentar a sua crítica ao baixo nível <strong>de</strong> vida português, referindo dados do “L‟Observateur <strong>de</strong><br />
l‟OCDE” e o estudo, „Portugal em face dos níveis sociais europeus‟, no qual o país “apresenta a taxa <strong>de</strong><br />
mortalida<strong>de</strong> infantil mais elevada da Europa „(…).” 74 Soares responsabiliza o Estado Novo pelo nível<br />
<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Portugal, “dos mais baixos da Europa (…).” 75<br />
O advento da nova Europa económica evi<strong>de</strong>nciaria ainda mais o atraso da indústria portuguesa. 76<br />
Neste aspecto, a sua argumentação é totalmente baseada em dados objectivos, os económicos,<br />
utilizando a Europa como uma bitola para medir a situação económica nacional. Esta perspectiva<br />
revela-se um argumento po<strong>de</strong>roso com a sucessão <strong>de</strong> Salazar. Para sustentar a crítica à permanência <strong>de</strong><br />
valores governamentais, Soares alu<strong>de</strong> às “dificulda<strong>de</strong>s económicas, tradicionais num país<br />
sub<strong>de</strong>senvolvido (com o mais baixo nível <strong>de</strong> vida da Europa)”, que “parecem estar a avolumar-se por<br />
forma alarmante”, sendo que as esperanças, nascidas com a substituição <strong>de</strong> Salazar, revelam-se<br />
“meramente ilusórias.” 77 No manifesto “À Nação”, volta a <strong>de</strong>nunciar, sobre Portugal, o “vexatório<br />
sub<strong>de</strong>senvolvimento, com os mais baixos índices <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> vida da Europa.” 78 No ano seguinte, na<br />
comemoração do 31 <strong>de</strong> Janeiro, no Coliseu do Porto, volta à carga. 79<br />
74 “Nos 40 Anos do Estado Novo – Um Projecto”, abaixo-assinado dirigido ao Presi<strong>de</strong>nte da República, em 1966, redigido por<br />
Mário Soares, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00002 00, imagens 71-97.<br />
75 “Uma Entrevista que não foi publicada”, entrevista <strong>de</strong> Raul Rego a Mário Soares, 1968, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta<br />
00003100, imagens 66-80. Foi a primeira tomada <strong>de</strong> posição oficial <strong>de</strong> Soares, <strong>de</strong>pois do regresso <strong>de</strong> S. Tomé.<br />
76 Mário Soares, “A Oposição e o Governo em Portugal”, 11.06.1967 (artigo sem referência <strong>de</strong> publicação ou situação <strong>de</strong><br />
discurso), Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00002 00, imagens 113-117.<br />
77 Mário Soares, “As Eleições <strong>de</strong> Outubro e o Futuro Incerto <strong>de</strong> Portugal”, 27.12.1969, (artigo sem referência <strong>de</strong> publicação ou<br />
situação <strong>de</strong> discurso), Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00006 001, imagens 200-205.<br />
78 “À Nação”, redigido por Mário Soares e subscrito por vários socialistas, in Mário Soares, Escritos Políticos, cit., pp. 209-228.<br />
79 “(…) e o nosso País, com os mais baixos índices <strong>de</strong> vida da Europa, precisa urgentemente <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento!” Mário Soares, “O 31 <strong>de</strong> Janeiro”, in Mário Soares, Escritos Políticos, cit., pp. 131-143.<br />
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