Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
4 – Na Companhia da Europa - crescimento político e construção <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong><br />
oposição<br />
4.1 – A ASP e o trampolim para os palcos europeus<br />
A sete <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1964, num hotel em Genebra, reúnem-se Ramos da Costa, Tito <strong>de</strong> Morais,<br />
Piteira Santos e Mário Soares para constituir a ASP – Acção Socialista Portuguesa - que emana da<br />
Resistência Republicana e Socialista. Por ter <strong>de</strong> se posicionar com um pé em cada lado, a organização<br />
nasceu sem uma <strong>de</strong>finição programática e i<strong>de</strong>ológica clara. Por um lado, era preciso fazer a <strong>de</strong>marcação<br />
do PCP, para <strong>de</strong>finir uma estratégia autónoma, capaz <strong>de</strong> convencer os apoios internacionais, por outro, a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acção no interior levava-os a continuar a apoiar a Frente Patriótica <strong>de</strong> Libertação<br />
Nacional, praticamente dominada pelo PCP.<br />
Assim, a ASP situava-se entre simpatias pelo socialismo <strong>de</strong>mocrático e louvores à “revolução<br />
socialista soviética como um marco fundamental na história da humanida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo um<br />
socialismo humanista e repudiando “os movimentos que dizendo-se socialistas ou social-<strong>de</strong>mocratas<br />
acabam por servir, <strong>de</strong>liberadamente ou <strong>de</strong> facto, os interesses do capitalismo internacional e do<br />
imperialismo. 53 Servia-se assim a estratégia <strong>de</strong> Soares, <strong>de</strong> „piscar o olho‟ à social-<strong>de</strong>mocracia europeia,<br />
sem dar trunfos <strong>de</strong> crítica ao PCP. “Pense que os comunistas nos queriam „arrumar‟ pura e<br />
simplesmente à direita, para nos tirar qualquer po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> atracção sobre a juventu<strong>de</strong>, que era então<br />
contestatária e esquerdista.” 54 Principal <strong>de</strong>fensor 55 <strong>de</strong> uma não clarificação i<strong>de</strong>ológica pela social-<br />
<strong>de</strong>mocracia, Soares podia assim aglutinar várias correntes socialistas do interior, conquistando terreno<br />
ao PCP.<br />
A opção pela ambiguida<strong>de</strong> parece revelar também uma certa dúvida relativamente à plena<br />
incorporação i<strong>de</strong>ológica da social-<strong>de</strong>mocracia no pensamento soarista. Não obstante intitular-se como<br />
socialista “que tomava como referência as posições <strong>de</strong> Brandt, <strong>de</strong> Palme e <strong>de</strong> Nenni” e ainda Aneurin<br />
Bevan e Mendès France, não estava totalmente rendido à corrente política. “Nenhuma <strong>de</strong>las me<br />
satisfazia totalmente. Mas apontavam um caminho – uma direcção – por on<strong>de</strong> entendia que Portugal,<br />
reconquistada a liberda<strong>de</strong> perdida, <strong>de</strong>veria seguir, com os inevitáveis reajustamentos que se<br />
impusessem. A tradição portuguesa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX, não era trabalhista nem social-<strong>de</strong>mocrata. Por<br />
isso, nos reclamávamos do socialismo <strong>de</strong>mocrático ou humanista, como dizia León Blum.” 56 Daí que,<br />
em vez <strong>de</strong> social-<strong>de</strong>mocracia, Soares sempre tenha adoptado o termo socialismo <strong>de</strong>mocrático.<br />
Apesar das dificulda<strong>de</strong>s que o conflito entre as questões pragmática e i<strong>de</strong>ológica acarretaram, foi<br />
pela insistência <strong>de</strong> Mário Soares, já convicto do inconveniente <strong>de</strong> andar a reboque dos comunistas e da<br />
53 “Declaração <strong>de</strong> Princípios da ASP”, in Para Uma Democracia Socialista em Portugal, Textos ASP, 1970, Centro <strong>de</strong><br />
Documentação 25 <strong>de</strong> Abril, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong>, 329 (469) “1960/1970” ACC, pp. 5-10.<br />
54 Maria João Avillez, Soares, Ditadura […] cit., p. 139,140.<br />
55 Susana Martins, cit., p. 97.<br />
56 In Maria João Avillez, Soares […] cit., pp. 139,140.<br />
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