Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
manteve Soares cerca <strong>de</strong> oito anos ligado ao PCP. Se as suas hesitações i<strong>de</strong>ológicas cresciam, também<br />
as do partido relativamente a ele, perante os seus ímpetos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> acção, nomeadamente<br />
<strong>de</strong>pois das divergências acerca do MUD Juvenil. Em 1951, a expulsão <strong>de</strong> Mário Soares do PCP fica<br />
evi<strong>de</strong>nte, com a publicação <strong>de</strong> um artigo no Avante, apelidando-o <strong>de</strong> “oportunista” e “traidor” 30 .<br />
A iniciativa do partido comunista estimulou a resolução das dúvidas interiores que<br />
constantemente assolavam a mente do jovem Soares. Enquanto ligado ao PCP, e com os efeitos da<br />
Guerra Fria, tinha tido conhecimento da literatura que <strong>de</strong>nunciava os crimes <strong>de</strong> Staline, como o livro O<br />
Zero e o Infinito, <strong>de</strong> Arthur Koestler 31 , assim como as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> Rousset 32 e Camus, mas também<br />
lera, “linha por linha, A Gran<strong>de</strong> Conspiração contra a URSS, na qual se justificava toda a rigi<strong>de</strong>z da<br />
política staliniana pela existência do cerco capitalista.” 33 Procurava um “terceiro caminho”, mas quando<br />
partilhava as dúvidas com os amigos, a alternativa oferecida era a do imperialismo. “Dividido por<br />
opções inelutáveis”, o seu “<strong>de</strong>sejo seria não ter <strong>de</strong> escolher ou, pelo menos, po<strong>de</strong>r adiar essa escolha<br />
inevitável.” 34<br />
A opção vislumbra-se com a sua primeira viagem a Paris, quando se tornou assinante do Nouvel<br />
Observateur, que lhe aponta, afinal, um terceiro caminho, o “neutralismo”. 35 Inicia-se assim uma nova<br />
era na sua vida intelectual e política. A primeira viagem a Paris marca o início <strong>de</strong> uma intensa vivência<br />
francófona, representando o início da europeização do seu pensamento e <strong>de</strong> uma nova via oposicionista<br />
em Portugal. Assinala o começo <strong>de</strong> uma formação político-i<strong>de</strong>ológica do homem que será o rosto <strong>de</strong><br />
uma oposição nova ao Estado Novo, que oferecerá uma alternativa renovadora da política externa<br />
portuguesa e um esboço <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> futuro para o país.<br />
Depois do corte com o PCP, Soares regressa à universida<strong>de</strong> para estudar Direito, iniciando um<br />
período <strong>de</strong> introspecção. Faz a “travessia no <strong>de</strong>serto”, como <strong>de</strong>signa Teresa <strong>de</strong> Sousa 36 a época em que<br />
procurava internamente uma ala política à qual se agregar, tentando aproximações com alguns grupos<br />
partidários, buscando uma clarificação i<strong>de</strong>ológica.<br />
30 Teresa <strong>de</strong> Sousa, cit., p. 35.<br />
31 A obra retrata a experiência e os pensamentos <strong>de</strong> Rubachov, um homem aprisionado no prosseguimento dos Processos <strong>de</strong><br />
Moscovo, que pretendiam aniquilar qualquer opositor <strong>de</strong> Staline, alegando conspiração com os po<strong>de</strong>res oci<strong>de</strong>ntais para planear<br />
o assassinato do lí<strong>de</strong>r e instaurar o capitalismo. Os Processos <strong>de</strong> Moscovo terminaram com a execução <strong>de</strong> praticamente todos<br />
os membros do partido bolchevique. Ver Arthur Koestler, O Zero e o Infinito, Portalegre, Brasil, CELIDIS, Companhia Editora <strong>de</strong><br />
Livros e Discos, 1961.<br />
32 David Rousset foi um escritor e activista político francês (1912-1997), <strong>de</strong>portado pelos Nazis na II Guerra Mundial, que<br />
escreveu testemunhos essenciais sobre os campos <strong>de</strong> concentração nazi e soviéticos, como “L‟Univers concentrationnaire”,<br />
1945, e “Le Jours <strong>de</strong> notre mort”, (1990), Ver Le Petit Robert <strong>de</strong> Noms Propres, Dictionnaire illustré, Paris, Dictionaire Le Robert,<br />
2ª ed. revista, 1994, 2001.<br />
33 Mário Soares, Portugal […] cit., p. 168.<br />
34 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />
35 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />
36 Teresa <strong>de</strong> Sousa, cit., pp. 37-52.<br />
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