Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
equilíbrio bipolar <strong>de</strong> forças – que vem contribuir, <strong>de</strong>finitivamente, para quebrar com o velho dilema<br />
português, que bloqueava o futuro do país in<strong>de</strong>ciso entre as vertentes continental e atlântica.<br />
É após a Revolução que Soares tem a <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir politica e<br />
partidariamente a sua <strong>de</strong>fesa pela integração europeia <strong>de</strong> Portugal, i<strong>de</strong>ia que, embora tenha suscitado<br />
discórdias iniciais, marcou <strong>de</strong>finitivamente o país actual. À excepção <strong>de</strong> algumas contestações movidas<br />
pela oposição partidária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986 todos os governos portugueses têm sido consensuais na<br />
europeização do país. Atribuímos a Soares a responsabilida<strong>de</strong> pela ruptura histórica do país, que<br />
politicamente enterrou o velho dilema. Não só porque ele tomou uma opção <strong>de</strong> fundo, estrutural, que<br />
não foi uma mera resposta conjuntural, <strong>de</strong> opção política pela Europa, como também porque ele marcou<br />
o início <strong>de</strong> uma consciencialização europeia da política e cidadania portuguesas. Por acréscimo,<br />
também na consciência i<strong>de</strong>ológica do cidadão português, Soares marcou a ruptura. Sem o exílio, nada<br />
disto teria sido possível. Por isso consi<strong>de</strong>ramos que o exílio foi, em Soares, o momento mais marcante,<br />
tanto para a sua formação pessoal e política, como para o Portugal <strong>de</strong> hoje.<br />
Constatamos, também, que o discurso <strong>de</strong> Soares, pelo fascínio que a Europa exerce sobre o seu<br />
pensamento, a coloca num posicionamento superior, como que utópico e quase mítico. A Europa foi, e<br />
continua a ser, um refúgio, assumindo uma posição <strong>de</strong> salvadora, tanto ao nível <strong>de</strong> relacionamento<br />
político como i<strong>de</strong>ológico. Foi um refúgio quando Soares percebeu a inutilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar a fazer<br />
oposição a Salazar em Portugal. Ao interessar-se pela vida política europeia, vai percebendo que aí<br />
estará a garantia <strong>de</strong> efectivida<strong>de</strong> da sua oposição, à medida que vai concebendo i<strong>de</strong>ologicamente o<br />
mo<strong>de</strong>lo sociopolítico europeu para o futuro <strong>de</strong> Portugal. A Europa foi não só um refúgio político<br />
(pragmático) - enquanto guarida e viabilida<strong>de</strong> para o exercício <strong>de</strong> uma oposição efectiva - como<br />
i<strong>de</strong>ológico. A social-<strong>de</strong>mocracia e o projecto comunitário europeu foram o seu amparo i<strong>de</strong>ológico<br />
quando atravessava o “<strong>de</strong>serto”, após o corte com o PCP, quando não se i<strong>de</strong>ntificava com qualquer um<br />
dos grupos <strong>de</strong> oposição que em Portugal iam resistindo. Foi na Europa que Soares encontrou o mo<strong>de</strong>lo<br />
sociopolítico que concebeu para Portugal e a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma oposição mais efectiva e com<br />
impacto para o Estado Novo.<br />
Neste sentido, a Europa foi uma salvação para a estratégia oposicionista <strong>de</strong> Soares, sendo, por<br />
inerência, vista como uma salvação para o futuro <strong>de</strong> Portugal. Uma salvação presente e futura. Presente,<br />
pela relação pragmática que Soares teve com ela durante o exílio e durante o PREC. Foi o apoio dos<br />
lí<strong>de</strong>res e instâncias políticas europeias que lhe permitiram viabilizar uma estratégia <strong>de</strong> oposição à<br />
ditadura, que em Portugal não teria tido as mesmas repercussões. Foi o mesmo apoio que influenciou o<br />
<strong>de</strong>sfecho do PREC - através das ajudas financeiras ao PS e das pressões diplomáticas europeias sobre a<br />
URSS e os EUA - com o triunfo da ala mo<strong>de</strong>rada. Por outro lado, a Europa, enquanto fim, objectivo, ao<br />
nível do relacionamento i<strong>de</strong>ológico com Soares, esteve sempre, e continua a estar, posicionada como<br />
horizonte futuro <strong>de</strong> salvação. Durante a ditadura, a Europa era vista como um padrão, um mo<strong>de</strong>lo<br />
político regulador, o exemplo para Portugal se libertar das suas arcaicas estruturas políticas e<br />
socioeconómicas, <strong>de</strong> terminar com o colonialismo, <strong>de</strong> conseguir ajudas financeiras para a mo<strong>de</strong>rnização<br />
económica do país e a consolidação da <strong>de</strong>mocracia. Era um horizonte a atingir.<br />
146