Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Com a constituição <strong>de</strong> um Estado fe<strong>de</strong>ral, consequente na transferência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res do Estado<br />
nação para o governo fe<strong>de</strong>ral, Soares aconselha precauções nacionais contra a concentração económica<br />
e os interesses capitalistas. “Deve haver sectores da economia que o Estado não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar sair das<br />
suas mãos e, por isso, não <strong>de</strong>vem ser privatizados. Porquê? Porque as privatizações, como se tem visto,<br />
levam, com excessiva frequência, à internacionalização, à venda para o estrangeiro, para as gran<strong>de</strong>s<br />
multinacionais (…).” 639 Esta sua salvaguarda tem, como se conota facilmente no seguimento das suas<br />
palavras, um fim social. Ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a supremacia do po<strong>de</strong>r político sobre o económico, Mário Soares<br />
<strong>de</strong>fine sectores que <strong>de</strong>vem ficar nas mãos do Estado nação, aos quais está subjacente um carácter <strong>de</strong><br />
serviço público. “Gostaria que o Estado português preservasse o maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão possível: a<br />
energia, as águas, a televisão pública, a Caixa <strong>Geral</strong> <strong>de</strong> Depósitos e alguns transportes, como a TAP,<br />
etc.” 640<br />
Mas outra questão se coloca. Todo este mo<strong>de</strong>lo implicaria mais dinheiro. E como o obter?<br />
Sugere a criação <strong>de</strong> um imposto europeu, o que dotaria a União <strong>de</strong> mais recursos próprios, não<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das contribuições nacionais. Isto não implicaria, consoante Soares, um aumento da carga<br />
fiscal dos contribuintes. “Pelo contrário: eventualmente esta nova fórmula permitiria redistribuir com<br />
mais equida<strong>de</strong>, sobretudo para os pequenos países, a carga fiscal.” 641<br />
Concluímos, até agora, que a sua insatisfação com o actual sistema institucional da UE é<br />
coerente com as fundações i<strong>de</strong>ológicas do seu pensamento. Se estamos perante um humanista, que<br />
recupera os i<strong>de</strong>ais base da civilização oci<strong>de</strong>ntal, i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>mocráticas, <strong>de</strong> paz e solidarieda<strong>de</strong> em prol do<br />
bem comum, assente em princípios <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, é natural que se oponha a uma União on<strong>de</strong> reine a<br />
concentração do po<strong>de</strong>r nacionalista no processo <strong>de</strong> tomada das <strong>de</strong>cisões, como acontece no Conselho. 642<br />
Esta é a base da sua proposta da Europa fe<strong>de</strong>ral, baseada numa representativida<strong>de</strong> igualitária dos<br />
Estados nação e um reforço <strong>de</strong>mocrático, através do aumento <strong>de</strong> peso <strong>de</strong>cisório do eleitorado europeu.<br />
É por isso que toda a lógica argumentativa <strong>de</strong> Soares por um mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral recai nesta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a<br />
fe<strong>de</strong>ração é uma necessida<strong>de</strong>, recupera assim o i<strong>de</strong>al dos pais fundadores.<br />
2.4 - Inspiração nos “pais fundadores” – a contraposição à actualida<strong>de</strong><br />
Como viemos constatando até agora, Soares, tanto na sua i<strong>de</strong>ia para Portugal como para a<br />
Europa, é um pensador profundamente inspirado na história, sua eterna referência para conferir um<br />
rumo <strong>de</strong> futuro a Portugal e à Europa. No caso da construção europeia, é, como já referido, notória a<br />
recuperação das antigas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> civilização europeia e dos pais fundadores da Comunida<strong>de</strong>.<br />
639 Mário Soares, “Repensar a Europa”, cit., p. 173.<br />
640 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, pp. 173, 174.<br />
641 I<strong>de</strong>m, “A frase e o contexto”, Diário <strong>de</strong> Notícias, 11.05.1999, in Mário Soares, Português e […] cit., p.39.<br />
642 Apesar <strong>de</strong> algum po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão estar também entregue ao Parlamento Europeu, é o Conselho Europeu, constituído pelos<br />
chefes <strong>de</strong> estado dos países membros, que <strong>de</strong>tém a maior parte das competências <strong>de</strong>cisórias. A questão crucial, que serve os<br />
interesses nacionalista, resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> cada país ter um <strong>de</strong>terminado número <strong>de</strong> votos, consoante o número <strong>de</strong> população,<br />
sendo que apenas os países mais fortes da União Europeia po<strong>de</strong>m, consoante o sistema <strong>de</strong> votação actual, aprovar uma<br />
medida ou recusá-la, pois conseguem reunir a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos necessária.<br />
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