Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
2.3 – Fe<strong>de</strong>ração – nem escolha, nem imposição – é necessida<strong>de</strong>!<br />
“Sempre me manifestei como europeísta, na acepção fe<strong>de</strong>ralista do termo.” 620 “Como se sabe,<br />
sou fe<strong>de</strong>ralista. Tenho-o sempre afirmado.” 621 Declarações como estas são abundantes no discurso<br />
recente <strong>de</strong> Soares, mas mesmo que dispensasse estas autocaracterizações, a sua veia fe<strong>de</strong>ralista torna-se<br />
óbvia ao analisarmos o mo<strong>de</strong>lo político que concebe para o futuro da UE e as críticas que tece aos<br />
recentes tratados. A assumpção fe<strong>de</strong>ralista da sua i<strong>de</strong>ia para a Europa do futuro já se insinuara enquanto<br />
fazia oposição a Salazar. Após o 25 <strong>de</strong> Abril, o seu discurso é parco em referências ao tema fe<strong>de</strong>rativo,<br />
tais são as cautelas necessárias num momento conturbado da soberania nacional. Pelos textos<br />
analisados, concluímos que é enquanto Presi<strong>de</strong>nte da República, principalmente nos últimos anos <strong>de</strong><br />
mandato, que o tema da fe<strong>de</strong>ração europeia começa a ser frequente no seu discurso, apo<strong>de</strong>rando-se <strong>de</strong>le<br />
após a sua retirada da vida política activa.<br />
Como já vimos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ração aparece como uma emergência das bases para o topo, o<br />
que confere um certo sentido utópico à política soarista, que concebe uma futura Europa fe<strong>de</strong>ral que,<br />
não se construindo pela vonta<strong>de</strong> dos lí<strong>de</strong>res políticos, seria exigida pelas pressões da opinião pública<br />
esclarecida. “A seiva da Europa e o impulso maior para o seu avanço <strong>de</strong>vem vir dos cidadãos, da sua<br />
participação nas instituições europeias. É o tal défice <strong>de</strong>mocrático, <strong>de</strong> que tanto se fala, que é necessário<br />
suprir.” 622 Também no funcionamento da orgânica institucional da UE resi<strong>de</strong> um défice <strong>de</strong>mocrático,<br />
que justifica a ânsia por um mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral. Aqui se constrói a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s da fe<strong>de</strong>ração<br />
europeia. Se a Europa não atinge os propósitos humanistas da sua i<strong>de</strong>ia génese, é por falta <strong>de</strong> um pleno<br />
sistema <strong>de</strong>mocrático, pois o actual sistema <strong>de</strong> governação já provou ser parco em atingir tais objectivos.<br />
Logo, se o cidadão compreen<strong>de</strong>r isto, ele exigirá a fe<strong>de</strong>ração.<br />
A questão prioritária, que está na base do i<strong>de</strong>ário fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Soares, é prática e resi<strong>de</strong> no facto<br />
<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que o mo<strong>de</strong>lo da intergovernamentalida<strong>de</strong> está esgotado numa UE que já manifestou<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> avançar para uma unida<strong>de</strong> política e que já tem o objectivo consignado em tratado. Ou seja,<br />
através do sistema institucional existente é praticamente impossível atingir o fim. E, para Soares, o<br />
problema da intergovernamentalida<strong>de</strong> está no excessivo peso nacionalista, emanado da gran<strong>de</strong><br />
concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório do Conselho Europeu, “que está como é óbvio sujeito aos interesses<br />
eventualmente divergentes (porque egoístas) e nacionalistas <strong>de</strong> cada Estado,” 623 o que será sempre um<br />
620<br />
Mário Soares, “Europa Fe<strong>de</strong>ral ou União <strong>de</strong> Estados Nacionais?” Publicado no Anuário El Mundo, em Janeiro <strong>de</strong> 2003, in<br />
Mário Soares, Um Mundo […] cit., p. 319.<br />
621<br />
I<strong>de</strong>m, “Repensar a Europa”, entrevista publicada no Diário <strong>de</strong> Notícias, em 9 e 11 <strong>de</strong> Maio, 2002, in Mário Soares, Um Mundo<br />
[…] cit., p.173. A assumpção fe<strong>de</strong>ralista <strong>de</strong> Soares é frequente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que assume a Presidência da República. “Sou partidário,<br />
como meta, que, evi<strong>de</strong>ntemente, (…) à distância, a longo prazo, <strong>de</strong> caminharmos para uma Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Estados Europeus.”<br />
Entrevista a Mário Soares, concedida ao Diário <strong>de</strong> Notícias, em 6.11.1990, in Mário Soares, Intervenções 5, […] cit., p. 533;<br />
“Aliás, a palavra fe<strong>de</strong>ralista e fe<strong>de</strong>ralismo, criam ainda uma certa alergia em alguns meios políticos, embora não a mim. Sempre<br />
fui partidário do movimento fe<strong>de</strong>ralista europeu, dos chamados Estados Unidos da Europa.”, Mário Soares, “Um Olhar pelo<br />
Mundo”, conferência proferida <strong>de</strong> improviso no colóquio do Instituto <strong>de</strong> <strong>Estudo</strong>s Estratégicos e Internacionais, em 25.05.1992, in<br />
Mário Soares, Intervenções 8, […] cit., p. 258.<br />
622<br />
In Mário Soares, Sérgio Sousa Pinto, cit., p. 161.<br />
623<br />
Mário Soares, “A Convenção Europeia”, artigo publicado no Expresso, 8.06.2002, in Mário Soares, Um Mundo […] cit., p.195.<br />
138