Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprofundamento institucional que <strong>de</strong>veria prece<strong>de</strong>r o alargamento a Leste. Perante esta<br />
incapacida<strong>de</strong>, Nice representou “uma fuga para a frente,” ao adiar a reforma necessária, por falta <strong>de</strong><br />
acordo dos Estados-membros, “para as calendas <strong>de</strong> 2004, com a promessa <strong>de</strong> uma nova CIG<br />
(Conferência Intergovernamental). 609 Uma vez <strong>de</strong>cidido o alargamento a Leste, tornou-se premente<br />
encetar uma reforma institucional que prece<strong>de</strong>sse a entrada <strong>de</strong> novos países, <strong>de</strong> modo a, por um lado,<br />
tornar a UE mais igualitária e funcional nos seus processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e, por outro, aplicar medidas para<br />
a construção <strong>de</strong> uma política comum. No entanto, esse projecto ficou adiado para uma nova CIG, a<br />
realizar-se em 2004, que <strong>de</strong>u origem ao Tratado da União Europeia.<br />
O que estava em causa em Nice era o paradigma espaço económico/união política, ou seja,<br />
<strong>de</strong>cidir dar um rumo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> política à UE, suplantando o seu carácter económico para progredir<br />
para uma política comum. Sem acordo entre os lí<strong>de</strong>res europeus na cedência <strong>de</strong> soberania política<br />
nacional, os avanços foram zero, além <strong>de</strong> algumas alterações formais ao modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão na PESC, que<br />
poucas consequências práticas tiveram.<br />
Perante esta machadada na Europa política, a segunda, após o Tratado <strong>de</strong> Amesterdão, Soares<br />
apela a um regresso ao sentimento <strong>de</strong> Maastricht: “Se a União se mantiver como um acordo <strong>de</strong><br />
interessados e não for capaz <strong>de</strong> se transformar numa verda<strong>de</strong>ira comunida<strong>de</strong> supranacional (fe<strong>de</strong>ração,<br />
quase-fe<strong>de</strong>ração ou, simplesmente, união, como se queira), dotada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e competências<br />
supranacionais (…), nunca alcançará o objectivo visado em Maastricht: ser uma entida<strong>de</strong> política<br />
autónoma, com vonta<strong>de</strong> e voz própria no concerto internacional.” 610 Para o europeísta convicto, a causa<br />
do impasse político está na prevalência dos interesses nacionalistas, do “egoísmo” e <strong>de</strong> “um certo<br />
espírito paroquial nefasto” que pairou em Nice, cujo tratado consi<strong>de</strong>ra “o adiamento <strong>de</strong> uma crise e uma<br />
certa marginalização dos cidadãos europeus (…).” 611<br />
De facto, as suas previsões <strong>de</strong> crise concretizaram-se, com a negação dos referendos holandês e<br />
francês ao Tratado Constitucional, que apesar <strong>de</strong> ter ficado aquém das expectativas <strong>de</strong> Soares, é-lhe<br />
preferível a Nice. Foi mesmo partidário do sim 612 no referendo, por consi<strong>de</strong>rar o projecto mais<br />
contun<strong>de</strong>nte com os seus <strong>de</strong>sígnios europeus, consignando uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia pela paz através do<br />
diálogo, <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo social europeu, do objectivo <strong>de</strong> uma PESC e uma PESD, roçando o intento <strong>de</strong><br />
união política. Contendo referência aos valores sociais e humanistas tão intrínsecos a Soares, é coerente<br />
que consi<strong>de</strong>re que “embora não sendo perfeito (o projecto <strong>de</strong> Constituição), representa um passo em<br />
aos cidadãos da União, como o <strong>de</strong> eleger e ser eleito nas eleições municipais, num país estrangeiro da União, o direito <strong>de</strong><br />
protecção diplomática, <strong>de</strong> petição ao Parlamento Europeu e <strong>de</strong> recorrer ao Provedor <strong>de</strong> Justiça Europeu, assim como o direito<br />
<strong>de</strong> livre circulação, o gran<strong>de</strong> passo foi o do início <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma Política Externa Comum, que incluiria, a prazo o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> uma Política Europeia <strong>de</strong> Segurança e Defesa, dotando a UE <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> única na cena<br />
internacional. Apesar <strong>de</strong> o sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão institucional para a PESC ser o seu maior obstáculo, o facto é que as bases <strong>de</strong><br />
uma unida<strong>de</strong> política estavam lançadas, esperando-se que os tratados seguintes reforçassem a medida.<br />
609<br />
Mário Soares, “A nova conjuntura europeia”, artigo publicado no Expresso, 02.06.2001, in Mário Soares, Um Mundo […] cit.,<br />
p. 156.<br />
610<br />
I<strong>de</strong>m, “Português e Europeu: breve reflexão no começo do século XXI”, pref. in Mário Soares, Português e […] cit., p. 17.<br />
611<br />
I<strong>de</strong>m, “A Europa em Tormenta”, artigo publicado no Expresso, 26.10.2002, in Mário Soares, Um Mundo […] cit., p. 209.<br />
612<br />
As suas manifestações pelo sim são comuns em artigos <strong>de</strong> várias temáticas europeias, especialmente <strong>de</strong>dicados ao Tratado<br />
Constitucional, como “Sim à Constituição”, Nouvel Observateur, 27.04.2005 - http://www.fundacao-mariosoares.pt/mario_soares/textos_ms/002/37.pdf<br />
, acedido em 15.09.2010; “Reflexion Européenne”, Le Fígaro, 26 <strong>de</strong> Maio, 2005 -<br />
http://www.fundacao-mario-soares.pt/mario_soares/textos_ms/002/34.pdf , acedido em 15.09.2010.<br />
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