Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
norte-americano, cujo domínio já não é só militar, mas também económico, tecnológico, científico e<br />
mediático. “Estamos perante uma nova forma <strong>de</strong> dominação mundial: um império omnipresente, cujo<br />
po<strong>de</strong>rio não tem paralelo na história.” 573 Para travar o domínio <strong>de</strong>sse pensamento único, proclama<br />
então a necessida<strong>de</strong> da UE como um “espaço político próprio, contraponto do americano.” 574<br />
2.2.2.1 – Um Atlantismo sem subalternida<strong>de</strong>s da Europa<br />
A necessária contraposição política aos EUA não <strong>de</strong>ve, contudo, ser entendida como rivalida<strong>de</strong>,<br />
mas sim numa atitu<strong>de</strong> cooperante e <strong>de</strong> diálogo, uma posição fiel às fundações históricas do seu<br />
pensamento - “Os laços estabelecidos entre os dois lados do Atlântico são fortes, vêm do século<br />
passado.” 575 Há que continuar a cultivar tais relações, mas sem qualquer subalternida<strong>de</strong> europeia, antes<br />
sim “como uma verda<strong>de</strong>ira parceria entre iguais,” 576 que proporcione uma partilha <strong>de</strong> opiniões e<br />
<strong>de</strong>cisões, <strong>de</strong> modo a permitir à Europa o exercício da sua função <strong>de</strong> equilíbrio geopolítico. “A Europa<br />
não <strong>de</strong>ve ser um lacaio dos Estados Unidos, <strong>de</strong>ve ser não só sua aliada e amiga, mas também um<br />
parceiro em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.” 577 Essa igualda<strong>de</strong> pressupõe que a UE tenha a mesma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
intervenção internacional que os EUA, para po<strong>de</strong>r ser um contraponto à potência dominante. Mas, se<br />
um dos objectivos <strong>de</strong> uma Europa forte é po<strong>de</strong>r ser um contrapeso, não se contraria aqui a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
parceria e por conseguinte a sua assumpção atlantista?<br />
Na verda<strong>de</strong>, e concretamente durante a era Bush, i<strong>de</strong>ologicamente, Mário Soares abre um fosso<br />
entre a Europa e a América, on<strong>de</strong> não há lugar a uma i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> práticas que possam levar à<br />
parceria euro-atlântica. “A doutrina da guerra preventiva, em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses vitais dos Estados<br />
Unidos, é inaceitável.” 578 É constante a crítica à estratégia internacional <strong>de</strong> George W. Bush: “O chefe<br />
<strong>de</strong> estado do país mais po<strong>de</strong>roso do mundo <strong>de</strong>ve saber, seja em que circunstâncias forem, colocar a<br />
justiça à frente da força.” 579 Por estas consi<strong>de</strong>rações se conclui que a Europa humanista do socialista,<br />
que presa a paz através do diálogo, para quem o terrorismo se combate “conhecendo em profundida<strong>de</strong><br />
as suas origens”, através da “promoção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> paz, espalhando a aplicação dos Direitos do<br />
Homem, reforçando o sentimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stino comum da humanida<strong>de</strong>, pelo progresso <strong>de</strong> diálogo<br />
entre as religiões” 580 é incompatível com a política americana. 581<br />
573<br />
Ibi<strong>de</strong>m.<br />
574<br />
Ibi<strong>de</strong>m.<br />
575<br />
Ibi<strong>de</strong>m, p. 177.<br />
576<br />
Mário Soares, “A Conferência Suspensa”, artigo publicado no Expresso, 01.12.2000, in, Mário Soares, Português e […] cit., p.<br />
242.<br />
577<br />
In Dominique Pouchin, cit., p. 193.<br />
578<br />
In Mário Bettencourt Resen<strong>de</strong>s, cit., p. 92.<br />
579<br />
In Dominique Pouchin, cit., p. 206.<br />
580<br />
In I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 204.<br />
581<br />
“(…)quando hoje ouvimos a teoria da «guerra preventiva» <strong>de</strong> Bush, ao arrepio do Direito Internacional, ou sabemos como<br />
estão a ser tratados os prisioneiros preventivos, e não julgados, <strong>de</strong> Guantánamo, privados <strong>de</strong> quaisquer direitos como se fossem<br />
coisas e não pessoas, ocorre-nos que com essa América não po<strong>de</strong>mos transigir – porque é imoral que o façamos – como não<br />
po<strong>de</strong>mos aceitar nem compreen<strong>de</strong>r a razão pela qual se recusa a subscrever o Protocolo <strong>de</strong> Quioto, não se dispõe a interditar<br />
a venda <strong>de</strong> minas anti-pessoais e tenta paralisar o funcionamento do Tribunal Penal Internacional. Com esse comportamento<br />
(…) os verda<strong>de</strong>iros amigos da América não po<strong>de</strong>m pactuar.” In Mário Bettencourt Resen<strong>de</strong>s, cit., p.95.<br />
129