Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
mundo dividido e que os dois super gran<strong>de</strong>s cada vez menos controlam.” 568 Negando a bipolarização<br />
geopolítica do mundo, assim como o domínio <strong>de</strong> qualquer uma das duas i<strong>de</strong>ologias, Soares, pouco<br />
tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter abandonado <strong>de</strong>finitivamente o PCP e enveredar pela social-<strong>de</strong>mocracia europeia, já<br />
projecta uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Europa como pólo imprescindível para o alcance <strong>de</strong> um equilíbrio <strong>de</strong> forças<br />
políticas e como alternativa aos dois esquemas i<strong>de</strong>ológicos dominantes. Ao ver na cisão do mundo<br />
comunista a facilitação <strong>de</strong> “novas iniciativas diplomáticas” 569 e ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, como já abordámos, a<br />
abertura da Europa às novas <strong>de</strong>mocracias do Leste, surgidas após o <strong>de</strong>smembramento da União<br />
Soviética, o socialista português já supõe uma Europa que possa, através da integração, contribuir para<br />
o fim da cisão política Oci<strong>de</strong>nte/Oriente, conferindo-lhe um papel atenuante do po<strong>de</strong>rio absoluto das<br />
superpotências.<br />
Ante os indícios <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração da União Soviética, já se torna perceptível que a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
Europa como balança da geopolítica mundial não é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> contextos históricos, mas sim<br />
estruturante para a sua concepção do papel da União Europeia, baseada na acepção <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r. Ao ser confrontado com o possível <strong>de</strong>smembramento da URSS, perante a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />
mundo ficar à mercê <strong>de</strong> uma única superpotência, os EUA, Soares reconhece-se preocupado, atribuindo<br />
à CEE um papel mais do que económico, para que “seja capaz <strong>de</strong> ser um pólo <strong>de</strong> irradiação <strong>de</strong> valores<br />
(…).” 570 Esta noção <strong>de</strong> Europa como <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> um quadro valorativo necessário ao equilíbrio<br />
mundial, será uma linha condutora <strong>de</strong> todo o seu pensamento, como já <strong>de</strong>ixava claro em 1975: “(…)<br />
não mais per<strong>de</strong>remos <strong>de</strong> vista a dimensão e o peso internacional do conjunto europeu que intervém<br />
como um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> equilíbrio entre as duas superpotências.” 571<br />
Essa visão <strong>de</strong> “peso internacional” para a Europa, não só não se per<strong>de</strong>rá, como se reforçará.<br />
Após a consolidação do fim da Guerra Fria, com a galopante afirmação do imperialismo <strong>de</strong><br />
Washington, Soares reforça a função política da Europa. Retomando a concepção humanista da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> histórica europeia, como engrenagem <strong>de</strong> acção direccionada para a assumpção <strong>de</strong> um papel<br />
prepon<strong>de</strong>rante no equilíbrio mundial, com o avanço dos anos 90, cresce a negação ao unilateralismo<br />
norte-americano. Por isso, o discurso da necessida<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> uma Europa unida, solidária e<br />
promotora <strong>de</strong> equilíbrio sobe <strong>de</strong> tom com a entrada no milénio. Esta i<strong>de</strong>ia, implícita no seu discurso, é<br />
induzida pela resposta europeia que Soares sugere às alterações <strong>de</strong> um novo mundo globalizado.<br />
A hegemonização progressiva dos EUA, após a Guerra Fria, que confluiu no seu domínio<br />
mundial e na prática <strong>de</strong> uma política unilateral, é parte do fundamento da sua preocupação com “um<br />
mo<strong>de</strong>lo único, imperial, segundo parâmetros <strong>de</strong>finidos pela América, <strong>de</strong> acordo com os interesses<br />
americanos – espécie <strong>de</strong> «pensamento único» (…).” 572 O cenário piora com a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcance<br />
568 Mário Soares, “Fogo Solto – Direitos do Homem”, crónica <strong>de</strong> Mário Soares, para o jornal A República, <strong>de</strong> 26.02.1964. A<br />
crónica foi cortada pela censura, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02263 002, imagem 42,43.<br />
569 Mário Soares, “Fogo Solto – Estados Unidos da Europa”, crónica <strong>de</strong> Mário Soares para o jornal A República, <strong>de</strong> 9.06.1964. A<br />
crónica foi cortada pela censura, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 02263 003, imagens 116,117.<br />
570 Entrevista concedida por Mário Soares ao Diário <strong>de</strong> Notícias, em 6.11.1990, in Mário Soares, Intervenções 5 […] cit., p. 539.<br />
571 In “Uma Política <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência Nacional”, entrevista concedida por Mário Soares a Mário Mesquita, para o diário<br />
República, 31.01.1975, in Mário Soares, Democratização […] cit., p. 270.<br />
572 “Repensar a Europa”, entrevista a Mário Soares, publicada no Diário <strong>de</strong> Notícias, 9 e 11 <strong>de</strong> Maio, 2002, conduzida por<br />
Fernando <strong>de</strong> Sousa, in Mário Soares, Um Mundo […] cit., p. 176.<br />
128