Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
<strong>de</strong>stes valores não transparece numa atitu<strong>de</strong> estanque no passado, mas sim, tal como na lógica da sua<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pátria, são a recarga <strong>de</strong> um ímpeto renovador e proactivo para a Europa do futuro, que<br />
encontrará respostas às gran<strong>de</strong>s questões que se colocam no Mundo, “na fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> aos gran<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais<br />
do humanismo que os melhores europeus – <strong>de</strong> Dante a Shakeaspeare, <strong>de</strong> Cervantes a Beethoven, <strong>de</strong><br />
Erasmo a Descartes, a Camões ou a Kant – souberam erguer ao longo dos séculos.” 527 Tal como na sua<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pátria, em que busca os vultos clássicos da literatura e história portuguesas, também no seu<br />
pensamento sobre a Europa, Soares é fortemente influenciado por figuras que marcaram a filosofia<br />
europeia.<br />
Se é verda<strong>de</strong> que a União Europeia se <strong>de</strong>para com uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nações, línguas e<br />
culturas, o pensamento soarista combate a aparente adversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa diferença, concebendo o futuro<br />
da Europa unida alicerçado num passado histórico-filosófico e político, <strong>de</strong> uma “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia,<br />
baseada em valores <strong>de</strong> civilização que são comuns a todos os europeus”, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> emanou “uma certa<br />
cultura <strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong> convivência <strong>de</strong> paz.” 528 A civilização europeia, que se entranha no seu<br />
pensamento com alguma inspiração francófona, “não po<strong>de</strong> pôr <strong>de</strong> lado aquilo que foram os gran<strong>de</strong>s<br />
valores que inspiraram a chamada civilização oci<strong>de</strong>ntal,” como o “Humanismo,” o “Iluminismo,” “o<br />
culto da Razão,” “o Laicismo, nem aos valores éticos da Justiça, da Liberda<strong>de</strong>, da Igualda<strong>de</strong> e da<br />
Solidarieda<strong>de</strong>.” 529 Um quadro valorativo que apelida <strong>de</strong> “Velha Europa.” 530<br />
Transparece, também, nas suas palavras mais recentes, um certo saudosismo do passado, não só<br />
dos episódios <strong>de</strong> sucessos e avanços da UE, como também <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s políticas, como “Willy<br />
Brandt, Olof Palme, François Mitterrand e até mesmo Helmut Kohl”, que “não tiveram sucessores à<br />
altura.” 531 Frequente é também a evocação <strong>de</strong> Jean Monnet, Robert Schuman e Churchill. 532 Esta<br />
reminiscência recai num certo <strong>de</strong>sencanto com a actualida<strong>de</strong>, pela falta <strong>de</strong> “políticos com visão a médio<br />
e longo prazo e com <strong>de</strong>sígnio europeu que transcenda o seu próprio eleitorado.” 533 Mas o <strong>de</strong>sencanto<br />
não se traduz em <strong>de</strong>salento, pois o conhecimento profundo da cultura filosófica europeia, revela um<br />
homem apaixonado pelas letras, fascinado pelas utopias, diria até com um certo romantismo político,<br />
crente na força do sonho como impulsionador da realida<strong>de</strong> e consciente disso - “Acredito nas utopias<br />
para fazer com que o impossível hoje se torne possível amanhã.” 534 Eterno combatente. É a postura <strong>de</strong><br />
Soares, em consonância com a reacção mais frutuosa que Eduardo Lourenço encontra para o confronto<br />
<strong>de</strong> um sentimento europeísta com uma actualida<strong>de</strong> castradora <strong>de</strong> ímpetos europeus. “Só para quem<br />
527<br />
Mário Soares, “O <strong>de</strong>sígnio humanista da Europa”, conferência proferida em Bruxelas, em 15.03.1993, a convite das Gran<strong>de</strong>s<br />
Conferências Católicas”, in Mário Soares, Intervenções 7 […] cit., p. 107.<br />
528<br />
Mário Soares, “Português e Europeu: breve reflexão no começo do século XXI”, in Português e […] cit., p.12.<br />
529<br />
In Mário Soares, Fre<strong>de</strong>rico Mayor Zaragoza, Um Diálogo Ibérico no Contexto Europeu e Mundial, Lisboa, Temas e Debates,<br />
2006, p. 63.<br />
530<br />
Termo usado em algumas das suas crónicas para se referir à Europa dos valores <strong>de</strong>mocráticos, humanos e sociais, em<br />
contraposição à orientação política dos lí<strong>de</strong>res europeus da actualida<strong>de</strong>. Ver Mário Soares, Fre<strong>de</strong>rico Mayor Zaragoza, cit., p.<br />
157.<br />
531<br />
In Dominique Pouchin, cit., p. 222.<br />
532<br />
Encontram-se várias evocações a estes nomes, como: “A verda<strong>de</strong> é que a União Europeia tem estado insuportavelmente<br />
omissa e silenciosa, concentrada no seu próprio umbigo. Por falta <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res à altura, como no tempo dos pais fundadores?”<br />
Mário Soares, “A Europa em Tormenta”, artigo publicado no Expresso, em 26.10.2002, in Mário Soares, Um Mundo […] cit., p.<br />
211.<br />
533<br />
Mário Soares, “Uma Cimeira <strong>de</strong> Vistas Curtas”, artigo publicado no Expresso, em 16.12.2000, in Mário Soares, Português e<br />
[…] cit., p. 246.<br />
534<br />
In Mário Soares, Fre<strong>de</strong>rico Mayor Zaragoza, cit., p. 155.<br />
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