Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
2.1 – Político português – pensador europeu<br />
Humanismo e utopia – novos tempos, antigas armas<br />
Soares é um patriótico, reminiscente da história portuguesa e pedagogo da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, como<br />
base orientadora para o futuro político do país. Mas ele é também, como sempre se consi<strong>de</strong>rou, “um<br />
europeísta” 516 assumido e convicto. Se, como constatámos anteriormente, o seu pensamento é<br />
nitidamente influenciado por autores portugueses, é-o também por europeus que marcaram a história da<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> unificação europeia. Tal como na lógica da sua i<strong>de</strong>ia sobre Portugal, também no seu<br />
pensamento sobre a Europa (da qual não se po<strong>de</strong> dissociar o outro, e vice-versa) o futuro emana do<br />
passado. A germinação da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Europa unida é a sua batuta para o futuro da União Europeia,<br />
reflectindo-se, também, neste aspecto, a historicida<strong>de</strong> do seu pensamento.<br />
Com a assumpção <strong>de</strong> que não estamos perante i<strong>de</strong>ias contraditórias, Mário Soares preconiza um<br />
futuro bastante tradicional para a União Europeia. Entenda-se aqui o conceito <strong>de</strong> tradicional<br />
intimamente ligado à i<strong>de</strong>ia génese <strong>de</strong> uma Europa unida, como caminho para a solidarieda<strong>de</strong> e paz entre<br />
os estados, o i<strong>de</strong>ário precursor da construção europeia. Se o projecto político europeu começou a<br />
esboçar-se <strong>de</strong>pois da II Guerra Mundial, com a eclosão da nova or<strong>de</strong>m mundial bipolarizada, na qual<br />
uma Europa unida seria uma zona estanque aos intentos comunistas, os rabiscos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><br />
europeia começaram séculos antes, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o embrião do pensamento soarista.<br />
Os <strong>de</strong>sígnios europeístas <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, iniciados na Ida<strong>de</strong> Média, com Dante, na sua Divina<br />
Comédia (1306) a propor como solução para a paz uma união na Europa, respeitando “os costumes e as<br />
diversida<strong>de</strong>s culturais entre os povos,” 517 já numa perspectiva fe<strong>de</strong>ralista, encontramo-los ainda hoje no<br />
pensamento <strong>de</strong> Mário Soares, como veremos nos próximos capítulos. Nas centúrias seguintes, Kant,<br />
Mazzini, Vítor Hugo, Lamartini e Proudhon aprofundaram a i<strong>de</strong>ia fe<strong>de</strong>ral europeia sob a batuta do<br />
respeito pelos direitos do homem e <strong>de</strong> valores profundamente <strong>de</strong>mocráticos, através da participação<br />
activa do povo, 518 valores permanentemente reminiscentes no discurso soarista. É numa base<br />
humanista, crendo “que o homem conseguirá, no seu lento caminhar para o progresso, criar uma<br />
socieda<strong>de</strong> humanizada”, que luta contra o fascismo e a <strong>de</strong>scolonização e que continua a pregar às<br />
mentalida<strong>de</strong>s actuais por uma Europa i<strong>de</strong>al, que <strong>de</strong>ve ser construída sobre os valores do “socialismo em<br />
liberda<strong>de</strong> ou, para empregar uma expressão que suscitou tantas esperanças, pelo socialismo <strong>de</strong> rosto<br />
humano.” 519<br />
Não vamos aqui aprofundar a reflexão sobre a sua i<strong>de</strong>ologia socialista, mas é notória que a ela<br />
está subjacente a <strong>de</strong>mocracia e o humanismo, colocando o homem como objecto fruidor da socieda<strong>de</strong> e<br />
promotor da sua mudança, em condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>. A construção <strong>de</strong>ssa Europa ligada<br />
516<br />
Mário Soares, “O <strong>de</strong>stino Europeu <strong>de</strong> Portugal”, discurso proferido em Estrasburgo, em 9.07.1986, no Parlamento Europeu, in<br />
Mário Soares, Intervenções […] cit., p. 125.<br />
517<br />
António Martins da Silva, Portugal e a Europa: distanciamento […] cit., p.17.<br />
518<br />
Dusan Sidjanski, O Futuro Fe<strong>de</strong>ralista da Europa. A Comunida<strong>de</strong> Europeia, das origens ao Tratado <strong>de</strong> Maastricht, Lisboa,<br />
Gradiva, 1996, p. 18.<br />
519 Mário Soares, Portugal […] cit., p. 725.<br />
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