Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
1.2.2.1- Portugal – o centro nevrálgico do triângulo Europa/África/América Latina<br />
É então através <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>, conferindo ao país um papel conector<br />
entre a Europa e as ex-colónias, que Soares quebra assim o dilema existente na socieda<strong>de</strong> portuguesa.<br />
“(…) O meu país po<strong>de</strong>rá regressar à vocação <strong>de</strong> lugar <strong>de</strong> encontro entre dois mundos e constituir um<br />
traço <strong>de</strong> união exemplar entre a Europa e a África.” 475 Neste discurso na ONU, após o 25 <strong>de</strong> Abril,<br />
Soares <strong>de</strong>sbravava assim uma certeza pelo caminho das incógnitas do pensamento português, tímido em<br />
perspectivar soluções para o país após o <strong>de</strong>rrube <strong>de</strong> uma ditadura <strong>de</strong> quase cinquenta anos, contrariando<br />
os que não se entusiasmavam com a entrada na Europa, “que não se coadunava com a condição<br />
atlântica e a vocação universalista do povo português.” 476 Soares via na conjugação das duas vertentes<br />
da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> portuguesa um futuro para o país, que “pela sua própria posição e vocação histórica tem<br />
condições <strong>de</strong> vir a ser um traço <strong>de</strong> união muito forte entre a África e a Europa.” 477 A concepção <strong>de</strong> uma<br />
“nação euro-atlântica” vai sendo aprofundada ao longo da sua carreira política e, insistentemente,<br />
<strong>de</strong>fendida enquanto Presi<strong>de</strong>nte da República. “Unida<strong>de</strong> nacional, coesão europeia, solidarieda<strong>de</strong><br />
atlântica e cooperação com África – <strong>de</strong>signadamente a que fala português – são linhas da nossa política<br />
externa (…).” 478<br />
A par com África, o Brasil ocupa, também, uma preocupação central no pensamento soarista,<br />
como cumprimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> geográfica e histórica da Pátria. É através da Europa que Portugal<br />
potencia a sua dimensão atlântica, nomeadamente pelo reforço e renovação <strong>de</strong> relações com África e<br />
Brasil. “Queremos que o Brasil esteja presente nesta evolução (<strong>de</strong> Portugal na CEE). A nossa a<strong>de</strong>são à<br />
Comunida<strong>de</strong> Europeia não representa uma opção eurocêntrica, uma ruptura com os laços seculares que<br />
nos unem ao mundo atlântico e em particular às novas Nações nascidas da epopeia <strong>de</strong> Quinhentos<br />
(…).” 479 Inserido num novo contexto geopolítico, o carácter histórico das relações portuguesas com as<br />
ex-colónias será potenciado e renovado, <strong>de</strong>spertando interesses bilaterais em vários sectores. Integrado<br />
na CEE, “num mercado <strong>de</strong> 320 milhões <strong>de</strong> seres humanos,” 480 Portugal aumentará a sua importância<br />
para os territórios além-mar. Com esta dimensão euro-atlântica, o país sairá valorizado cultural,<br />
económica e politicamente no mundo. Trata-se <strong>de</strong> uma “complementarida<strong>de</strong> que existe entre a nossa<br />
participação activa na construção europeia e os interesses permanentes que temos – não só históricos ou<br />
linguísticos – no Atlântico (Cabo Ver<strong>de</strong>, Brasil, África).” 481<br />
475<br />
Mário Soares, “Discurso pronunciado na 29ª sessão da Assembleia-geral da ONU”, em 23.11.1974, in Mário Soares,<br />
Democratização […] cit., p. 130.<br />
476<br />
António Martins da Silva, “Portugal no Caminho da Europa: atitu<strong>de</strong>s e posicionamento perante a opção e o mo<strong>de</strong>lo<br />
institucional europeus no pós 25 <strong>de</strong> Abril (1974-2004), in Norberto Cunha (coord), Europa […] cit., pp. 130, 131.<br />
477<br />
Entrevista a Mário Soares, realizada por Manuel Dias, para o Jornal <strong>de</strong> Notícias, do Porto, publicada em 18.02.1975, in Mário<br />
Soares, Democratização […] cit., p. 276.<br />
478<br />
Mário Soares, “Forças Armadas Mo<strong>de</strong>rnas”, discurso proferido em 10.05.1988, por ocasião da visita ao Estado-Maior-General<br />
das Forças Armadas, in Mário Soares, Intervenções 3 […] cit., p. 118.<br />
479<br />
Mário Soares, “Cooperar nos <strong>de</strong>safios do séc. XXI”, discurso proferido na Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
(FIESPA) em 1.04.1987, in Mário Soares, Intervenções […] cit., p. 287.<br />
480<br />
I<strong>de</strong>m, “Vamos conseguir”, discurso proferido em 16.12.1986, por ocasião da abertura do seminário sobre as implicações<br />
sectoriais da A<strong>de</strong>são à CEE, na Associação Industrial Portuguesa”, in Mário Soares, Intervenções […] cit., p. 136.<br />
481<br />
I<strong>de</strong>m, “A União Europeia e os 500 Anos do Brasil”, artigo publicado no Expresso, 6.05.2000, in Mário Soares, Português e<br />
Europeu, Amadora, Temas e Debates, 2001, p. 150.<br />
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