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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

Face ao fim do Estado Novo e da sua política além-mar, “po<strong>de</strong>rá” então “Portugal sobreviver,<br />

como país in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, à perda <strong>de</strong> colónias? 469 A reflexão <strong>de</strong> Soares e a recuperação <strong>de</strong>ste assunto é<br />

coinci<strong>de</strong>nte com a cedência do próprio regime ditatorial, na sua fase final, a uma abertura à Europa, o<br />

que vem originar antagonismo no seu seio. A discussão emergente no final do Estado Novo foi<br />

impulsionada pela necessida<strong>de</strong> económica <strong>de</strong> Portugal se aproximar à Comunida<strong>de</strong> Europeia. Face ao<br />

segundo pedido <strong>de</strong> negociações da Inglaterra para a<strong>de</strong>são, em 1969, Portugal veria agravar a sua<br />

condição económica ao <strong>de</strong>ixar o seu comércio externo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da EFTA, que se fragilizaria com a<br />

integração europeia dos britânicos.<br />

Assim, em 1970, o governo português entrega à Comissão da Comunida<strong>de</strong> um pedido <strong>de</strong><br />

negociações ten<strong>de</strong>ntes a encontrar uma forma <strong>de</strong> ligação vantajosa para as duas partes, o que culmina<br />

no Acordo Comercial assinado em 1972, 470 o que Soares acusa <strong>de</strong> política dúplice. “Incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir,<br />

Caetano, em discurso recente, negou a existência <strong>de</strong> tal dicotomia, preten<strong>de</strong>ndo que a intensificação do<br />

esforço <strong>de</strong> guerra não é incompatível com uma política económica em direcção à Europa.” 471 Soares<br />

invoca ainda esta abertura para acusar o Estado Novo <strong>de</strong> contradição e para introduzir a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />

a política externa portuguesa não po<strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma exclusivida<strong>de</strong>, do mar ou do continente.<br />

Retira assim sentido a esse dilema, uma vez que ele se resolve pela própria condição natural e histórica<br />

do território português. Portugal é um “país europeu mas também atlântico, situado no cruzamento das<br />

rotas marítimas e aéreas, entre a Europa e a América, o norte e o sul, na entrada do mediterrâneo”,<br />

sendo esta condição geográfica que “em parte justifica a sua história.” 472<br />

É com base num passado e numa condição geográfica que se fundamenta e estrutura o futuro do<br />

país, como já vimos anteriormente. Assim, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Portugal à Europa, consumando<br />

uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pátria na integração europeia, Soares não recusa uma relação com os territórios além-mar<br />

ou estaria em total contradição com a historicida<strong>de</strong> do seu pensamento. Refutando qualquer ligação<br />

colonialista com esses territórios e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo as relações com África e América Latina através <strong>de</strong><br />

formas <strong>de</strong> cooperação e entreajuda política e económica, a integração europeia vem criar condições para<br />

fazer reemergir o espírito humanista português e reforçar a condição marítima do país. “A opção<br />

europeia” <strong>de</strong> Portugal “não é contraditória, mas antes complementar, da dimensão universalista que<br />

caracteriza a história e a cultura portuguesas.” 473 Soares conjuga a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> atlântica e histórica <strong>de</strong><br />

Portugal com uma visão integrada na contemporaneida<strong>de</strong> política europeia. “Integrados na Europa e<br />

fiéis à vocação atlântica que nos moldou e nos distingue, estamos irmanados com todos os povos que<br />

falam português (…).” 474<br />

469<br />

I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

470<br />

António Martins da Silva, Portugal entre a Europa e o Além-Mar, Série História e Ca<strong>de</strong>rnos da Língua e Cultura Portuguesas,<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong>, 2000, pp. 55-59.<br />

471<br />

Entrevista a Mário Soares, concedida em Paris à agência noticiosa Prensa Latina, em 1971, in Escritos do Exílio […] cit., p.77.<br />

472<br />

Mário Soares, Prefácio, Intervenções […] cit., p. 20.<br />

473<br />

Mário Soares, “Reforçar o entendimento comum”, discurso proferido no Porto, em 23.05.1988, no Encontro Empresarial<br />

Brasil-Portugal, in Mário Soares, Intervenções 3 […] cit., p. 254.<br />

474<br />

Mário Soares, “Compreen<strong>de</strong>r e agir em cada tempo”, discurso proferido em 10.06.1994, em <strong>Coimbra</strong>, na sessão solene<br />

comemorativa do Dia <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> Camões e das Comunida<strong>de</strong>s, in Mário Soares, Intervenções 9 […] cit., p. 56<br />

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