Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
A i<strong>de</strong>ia soarista <strong>de</strong> integração comunitária <strong>de</strong> Portugal não emana apenas <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong><br />
política momentânea, inserindo-se, ao invés, numa concepção <strong>de</strong> naturalida<strong>de</strong> da história e geografia<br />
portuguesas, o que vai ao encontro das suas sensibilida<strong>de</strong>s histórico-filosóficas e políticas. A a<strong>de</strong>são à<br />
CEE é vista como um regresso “às fronteiras naturais” do país, como “uma consequência natural da sua<br />
posição geográfica e da contribuição que <strong>de</strong>u à história da Europa.” 464 Soares foi a voz que se ergueu<br />
com uma posição firme e um pensamento fundamentado pela Europa, com uma atitu<strong>de</strong> reminiscente da<br />
<strong>de</strong> Antero <strong>de</strong> Quental “-e com ele toda a Geração <strong>de</strong> 70-” que “procurou integrar Portugal no<br />
movimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias comum a toda a Europa (…) para encaminhar o País na senda do progresso.” 465<br />
Com esta viragem, após o 25 <strong>de</strong> Abril, “Portugal reconquistou o lugar que lhe cabe num continente <strong>de</strong><br />
cujos valores culturais foi embaixador nas sete partidas do mundo (…).” 466 Brota aqui a fundação<br />
histórica da comunhão <strong>de</strong> valores civilizacionais <strong>de</strong> humanismo e universalismo, comuns à Europa e a<br />
Portugal, aludindo à reminiscência <strong>de</strong> Antero Quental e mesmo <strong>de</strong> toda a geração <strong>de</strong> 70.<br />
É com base na história e na geografia que Soares confere à Europa o papel da fusão portuguesa<br />
do passado com o futuro, não se preconizando para Portugal uma evolução fora <strong>de</strong>la, como <strong>de</strong>ixou claro<br />
no início do seu primeiro mandato como Presi<strong>de</strong>nte da República, 467 que se suce<strong>de</strong>u ao ano <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são às<br />
Comunida<strong>de</strong>s. Contudo, uma dúvida se impõe sobre o seu pensamento. Como se articula esta sua visão<br />
europeísta <strong>de</strong> Portugal com uma concepção atlântica, que preconiza o reforço <strong>de</strong> relações com as ex-<br />
colónias. Como se repartirá Portugal por estas orientações, aparentemente antagónicas? Como se<br />
conjuga esta viragem para a Europa com o além-mar? Vamos, <strong>de</strong> seguida, reflectir sobre esta aparente<br />
dicotomia.<br />
1.2.2 – Com a Europa, no Atlântico - o reforço <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> natural<br />
Definir a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua geografia e história não é uma questão<br />
originalmente levantada por Soares. É uma problemática histórica portuguesa, “que vem a pôr-se, pelo<br />
menos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX”, com Oliveira Martins, “e que, colectivamente, teremos <strong>de</strong> resolver: É<br />
Portugal um país essencialmente europeu ou africano?” 468 A questão está na or<strong>de</strong>m do dia após a<br />
<strong>de</strong>svinculação portuguesa <strong>de</strong> África. Iniciada com Antero, o questionamento sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
Portuguesa ocupou também o pensamento <strong>de</strong> Oliveira Martins.<br />
464<br />
Mário Soares, “Manter os Laços Seculares”, discurso proferido na Fundação Afro-Lusitana, em 21.09.1987, in Mário Soares,<br />
Intervenções 2 […] cit., p. 297.<br />
465<br />
Mário Soares, Portugal […] cit., p. 462. A este propósito, Soares faz ainda referência neste livro ao pensamento <strong>de</strong> Oliveira<br />
Martins, outro dos expoentes da Geração <strong>de</strong> 70, e <strong>de</strong> Alexandre Herculano, que “pretendia entroncar Portugal na tradição<br />
<strong>de</strong>mocrática perdida, por forma a po<strong>de</strong>r retomar o seu lugar no concerto das nações progressivas da Europa.”<br />
466<br />
Mário Soares, “Encorajar os Esforços <strong>de</strong> Paz”, discurso proferido no Palácio da Ajuda, em 9.04.1990, no banquete <strong>de</strong> honra<br />
ao Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong> Moçambique, Joaquim Chissano, in Mário Soares, Intervenções 5 […] cit., p. 290.<br />
467<br />
“Fui eleito pelos portugueses para <strong>de</strong>sempenhar o alto cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República nos próximos cinco anos, que<br />
consi<strong>de</strong>ro <strong>de</strong>cisivos para assegurar um futuro <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento a Portugal, no quadro da Comunida<strong>de</strong> Europeia, a que agora<br />
pertencemos por direito.” Mário Soares, “Unir os Portugueses, Servir Portugal”, discurso proferido na AR, em 9.03.1986, na<br />
sessão solene <strong>de</strong> investidura como Presi<strong>de</strong>nte da República, in Intervenções […] cit., p. 23.<br />
468<br />
“Notas Esparsas sobre a Actualida<strong>de</strong> Política e Nacional” in Mário Soares, Escritos Políticos […] cit., p. 161.<br />
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