Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
<strong>de</strong>bruçado sobre o Atlântico: euro-atlântico, portanto.” 453 Esta expressão está em perfeita consonância<br />
com o respeito pela condição histórica e geográfica que Soares revela sobre a sua Pátria. Constatámos,<br />
em capítulos anteriores, que a sua estratégia <strong>de</strong> oposição ao Estado Novo tem origem numa influência<br />
i<strong>de</strong>ológica da Europa. A Europa foi, e é, um meio e um objectivo. A integração europeia confere uma<br />
dimensão política à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> geográfica portuguesa, inserindo o país no quadro <strong>de</strong> valores actuais que<br />
são a base governativa do mundo oci<strong>de</strong>ntal, por oposição à extemporânea política colonialista <strong>de</strong><br />
Salazar.<br />
1.2.1 – A alternativa à política além-mar e o regresso às fronteiras naturais<br />
A Europa ocupa no pensamento soarista um sentido <strong>de</strong> futuro para o país, não só como<br />
alternativa à política externa salazarista, mas como um projecto <strong>de</strong> base, <strong>de</strong> longo prazo, através do<br />
qual o país <strong>de</strong>ve repensar a sua história, a sua estrutura interna e forma <strong>de</strong> estar no mundo, para <strong>de</strong>finir a<br />
sua política externa e interna. A queda da ditadura é o marco político oportuno para o fazer. Des<strong>de</strong> o seu<br />
afastamento do PCP e da viragem para a social-<strong>de</strong>mocracia, a Europa assume-se, progressivamente,<br />
como estruturante na sua i<strong>de</strong>ia para Portugal, não apenas pelas perspectivas que o projecto político<br />
comunitário abre ao país, mas, também, porque representa a consumação da historicida<strong>de</strong> e geografia<br />
portuguesas. A luta pela <strong>de</strong>mocracia não é apenas um fim em si mesmo para o país, mas também “a<br />
condição indispensável (…) para conseguir a integração <strong>de</strong> Portugal na Comunida<strong>de</strong> Europeia, a que<br />
naturalmente pertence por laços da geografia e da história.” 454<br />
A partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 60, precisamente quando a CEE dava os primeiros passos, a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Europa, enquanto referência política, económica e i<strong>de</strong>ológica 455 é frequente nos seus discursos,<br />
como já vimos. É na projecção dos valores que ela representa, que se esboça uma i<strong>de</strong>ia europeia como<br />
mo<strong>de</strong>lo para Portugal, consubstanciado num projecto antagónico à i<strong>de</strong>ia salazarista, responsável por<br />
criar as condições que “nos distanciam da Europa e nos transformam numa espécie <strong>de</strong> „reserva<br />
medieval‟.” A Europa não se afigura a Portugal como um contraponto à política colonial, mas,<br />
essencialmente, como uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundo do país - “E o drama, senhor presi<strong>de</strong>nte, é que<br />
Portugal precisa do auxílio económico e político da Europa.” 456<br />
Já antes da Revolução, Soares acreditava que a Europa, um baú <strong>de</strong> influências, seria<br />
naturalmente um agente impulsionador da transição política do país, pois “o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
Comunida<strong>de</strong> Europeia”, <strong>de</strong> que Portugal não podia alhear-se implicaria “a <strong>de</strong>struição (a prazo) do<br />
453 Mário Soares, “Portugal, país euro-atlântico”, conferência pronunciada no Porto, em 12.09.1990, a convite do Fórum<br />
Portucalense, in Mário Soares, Intervenções 5 […] cit., p. 216.<br />
454 “Documento Proposto à Reflexão dos Portugueses”, projecto <strong>de</strong> documento elaborado em 1972, com o fim <strong>de</strong> ser subscrito e<br />
divulgado por personalida<strong>de</strong>s da corrente socialista”, in Mário Soares, Escritos do Exílio […] cit., p. 193.<br />
455 “(…) trata-se tão só <strong>de</strong> reconquistar a <strong>de</strong>mocracia e <strong>de</strong> acabar com o colonialismo para que Portugal possa ser uma Nação<br />
verda<strong>de</strong>iramente europeia.” Mário Soares em resposta ao Inquérito do Expresso, enviada em 17.09.1973, que não chegou a ser<br />
publicada em virtu<strong>de</strong> da censura, in Mário Soares, Escritos do Exílio […] cit., p. 254.<br />
456 ”Nos 40 Anos do Estado Novo – Um Projecto”, abaixo-assinado dirigido ao Presi<strong>de</strong>nte da República, em 1966, redigido por<br />
Mário Soares, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00002 00, imagens 71-97.<br />
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