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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

gran<strong>de</strong> afectivida<strong>de</strong>, que importa agora reforçar com acções concretas <strong>de</strong> intercâmbio efectivo e com os<br />

países africanos <strong>de</strong> língua portuguesa (…).” 441<br />

O pensamento <strong>de</strong> Soares repercute assim o <strong>de</strong> poetas lusos que contribuíram para a reflexão<br />

sobre Portugal, como Camões e Pessoa. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> afirmar e valorizar a cultura portuguesa, <strong>de</strong>finindo a<br />

língua como meio e objectivo <strong>de</strong> exercício da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, vai ao encontro da célebre frase <strong>de</strong><br />

Fernando Pessoa, “a minha Pátria é a língua portuguesa.” Soares concretiza: trata-se “<strong>de</strong> uma „pátria <strong>de</strong><br />

várias pátrias‟, unidas não só pela língua, mas também e, sobretudo, pela solidarieda<strong>de</strong> e pelo genuíno<br />

afecto.” 442 Vemos nesta i<strong>de</strong>ia a mesma concepção pessoana <strong>de</strong> Nação, “o caminho entre dois lugares –<br />

o indivíduo e a Humanida<strong>de</strong> – que conduz, através da sublimação gradual da „fraternida<strong>de</strong> patriótica‟ à<br />

„fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os homens.‟” 443 Ao longo do seu percurso político, vai <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a entreajuda<br />

dos países <strong>de</strong> língua portuguesa, como é exemplo a sua proposta <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> uma fundação <strong>de</strong><br />

auxílio aos países em transição <strong>de</strong>mocrática, que po<strong>de</strong> “servir, indirectamente, os interesses<br />

portugueses, a médio e longo prazo”, e que se pren<strong>de</strong> com a “coragem <strong>de</strong> inovar, a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

investir, sem nada pedir em troca, e a inteligência <strong>de</strong> ver, para além do imediatismo.” 444<br />

Ao revelar a sua característica visão política, valoriza o encontro histórico dos Descobrimentos<br />

com a marca cultural linguística, para propor soluções futuras. Neste sentido, chega a preconizar a<br />

criação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> Luso-Afro-Brasileira. Inicialmente, o discurso soarista inci<strong>de</strong> mais sobre o<br />

estreitamento <strong>de</strong> laços com o Brasil, com o próprio PS, já em 1973, a conceber também a realização <strong>de</strong><br />

“uma autêntica comunida<strong>de</strong> Luso-Brasileira.” 445 Amadurecida com os anos, tal i<strong>de</strong>ia torna-se mais<br />

abrangente, completando-se no fecho do triângulo lusófono atlântico, “no quadro <strong>de</strong> uma Comunida<strong>de</strong><br />

alargada Luso-Afro-Brasileira”, que consi<strong>de</strong>ra “um irrecusável <strong>de</strong>sígnio nacional,” que <strong>de</strong>verá ser<br />

assumido “pelo Estado nas suas vertentes económica, cultural e política (…).” 446 A língua é pois um<br />

441<br />

Mário Soares, “Um futuro <strong>de</strong> esperança”, discurso proferido na Assembleia da República, no 12º aniversário do 25 <strong>de</strong> Abril, in<br />

Mário Soares, Intervenções […] cit., p. 38. A formação <strong>de</strong> consciência sobre a importância da língua como marca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

cultural e histórica <strong>de</strong> Portugal pela sua ligação a outros continentes é também uma constante nos discursos <strong>de</strong> Soares, com<br />

particular proeminência da valorização das relações com África e Brasil. Citamos mais um exemplo, <strong>de</strong> que os seus discursos<br />

enquanto PR e após, estão cheios: “Compreen<strong>de</strong>rão que faça aqui uma referência especial ao Brasil, país a que Portugal está<br />

ligado por in<strong>de</strong>strutíveis laços históricos e por esse vínculo imperecível que é a língua. (…) A África é outra região do Mundo que<br />

os portugueses conhecem bem, por aí terem vivido mais <strong>de</strong> cinco séculos, em convívio íntimo com os povos <strong>de</strong>sse continente.<br />

(…)”, Mário Soares, “Pela Compreensão entre os Povos”, discurso proferido na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brown, em 23.05.1987, na<br />

cerimónia <strong>de</strong> doutoramento honoris causa, in Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p.193.<br />

442<br />

Prefácio <strong>de</strong> Mário Soares, ao seu livro Intervenções 8 […] cit., p. 32. Concretizando a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pátria como língua, Soares<br />

refere-se à situação <strong>de</strong> guerra civil angolana que <strong>de</strong>ve ser objecto <strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong> Portugal, referindo as suas tentativas <strong>de</strong><br />

contribuir para uma solução, mantendo ele próprio, “contactos isentos e regulares com as partes em conflito e com sectores<br />

significativos da socieda<strong>de</strong> civil angolana, bem como com o secretário-geral da ONU (…). Portugal não po<strong>de</strong> renunciar às suas<br />

responsabilida<strong>de</strong>s.” E ao <strong>de</strong>sinteresse dos meios <strong>de</strong> comunicação social e da opinião pública pelo assunto, “há que contrapor o<br />

nosso persistente amor pelo Povo <strong>de</strong> Angola (…). Angola, tenhamos disso consciência, continua a ser <strong>de</strong> uma vital importância<br />

para Portugal. Com nenhum outro Povo Africano lusófono, à excepção talvez do cabo-verdiano, temos tão profunda e íntima<br />

ligação afectiva.” Neste prefácio, Soares refere-se à sua proposta para o governo português, <strong>de</strong> “criação <strong>de</strong> uma Fundação (…)<br />

com o objectivo <strong>de</strong> valer, com total isenção, aos partidos e organizações políticos dos países em processo <strong>de</strong> transição<br />

<strong>de</strong>mocrática, <strong>de</strong>signadamente aos africanos lusófonos.”<br />

443<br />

António Martins da Silva, Portugal e a Europa, distanciamento […] cit., pág. 70.<br />

444<br />

I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, pp. 33, 34.<br />

445<br />

“A comunida<strong>de</strong> luso-brasileira é uma gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia-força que há que <strong>de</strong>senvolver em todos os planos, nomeadamente o<br />

cultural”, Mário Soares em entrevista ao Estado <strong>de</strong> São Paulo, publicada a 1.03.1970, in Mário Soares, Escritos do Exílio […] cit.,<br />

p. 21. Também o PS, no início da sua formação, inscreve este objectivo no seu programa político. “Declaração <strong>de</strong> Princípios e<br />

Programa do PS”, 1973, Centro <strong>de</strong> Documentação 25 <strong>de</strong> Abril, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong>, 239 (469) “1973” PAR, p. 64.<br />

446<br />

Prefácio <strong>de</strong> Mário Soares, ao seu livro Intervenções 8 […] cit., p. 35.<br />

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