Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
tem laços históricos, aos quais o ligam o mar. Urge sempre, mesmo após o fim do império colonial,<br />
recuperar o espírito da conquista marítima quinhentista. “O Portugal mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong>mocrático, europeu e<br />
solidário reconhece-se na lição das Descobertas” 437<br />
E como aplicar agora esta “lição das Descobertas”? Valorizando as relações com os países do<br />
mar, através da ajuda político-económica e do intercâmbio cultural. Valorizando a língua portuguesa e<br />
aten<strong>de</strong>ndo a uma compreensão especial com os países do terceiro mundo. E assim sendo, a <strong>de</strong>fesa pelo<br />
abandono <strong>de</strong> uma política colonialista não implica o <strong>de</strong>sprezo pelos respectivos territórios, sendo que a<br />
“auto<strong>de</strong>terminação não significa em nenhum caso abandono, mas antes a solução <strong>de</strong> um problema em<br />
termos <strong>de</strong> uma perspectiva essencialmente preocupada com o futuro.” 438 Portugal não po<strong>de</strong> assim<br />
ignorar uma relação histórica, que lhe confere um certo sentimento <strong>de</strong> partilha e responsabilida<strong>de</strong> pelos<br />
problemas dos territórios das ex-colónias. “Uma convivência <strong>de</strong> séculos com África e a consciência da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvaguardar os valores que partilhamos com algumas das nações <strong>de</strong>ste continente<br />
mantém vivo o nosso interesse pela sua evolução e impe<strong>de</strong>m-nos <strong>de</strong> sermos indiferentes à situação dos<br />
povos amigos que aqui temos.” 439<br />
A favorecer esta ligação está uma relação histórica, com as marcas culturais, patenteadas na<br />
própria língua – “esse veículo que une países <strong>de</strong> vários continentes – e não nos po<strong>de</strong>mos esquecer do<br />
gran<strong>de</strong> Brasil, pátria irmã.” A língua é o meio privilegiado <strong>de</strong> exercício do universalismo português,<br />
<strong>de</strong>vendo “ser valorizada como factor <strong>de</strong> irradiação <strong>de</strong> uma maneira <strong>de</strong> estar no Mundo <strong>de</strong> que nos<br />
<strong>de</strong>vemos orgulhar (…).” 440 Não se encare, contudo, que, no pensamento soarista, o exercício <strong>de</strong><br />
solidarieda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong> nas relações com as ex-colónias emana meramente <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong><br />
obrigação histórica. Ele emerge, acima <strong>de</strong> tudo, do espírito universalista que <strong>de</strong>ve estar impregnado na<br />
actuação política do país, como forma <strong>de</strong> fazer cumprir a nação, pois o “papel <strong>de</strong> Portugal será tanto<br />
mais importante quanto maior for a autonomia da sua intervenção e da sua estratégia <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento, a valorização da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional e cultural (…).” E o cumprimento <strong>de</strong>ste<br />
último aspecto recai novamente numa consciência da importância da língua como meio <strong>de</strong> reforço da<br />
ligação com os países lusófonos. Portugal não po<strong>de</strong>, por isso, “<strong>de</strong>mitir-se da promoção e <strong>de</strong>fesa<br />
constante da língua portuguesa, em fraterna cooperação com o Brasil, a que nos ligam laços <strong>de</strong> tão<br />
437<br />
Mário Soares, “O Encontro <strong>de</strong> Portugal com a História”, discurso proferido em 10.06.1987, na cerimónia <strong>de</strong> cumprimentos do<br />
corpo diplomático acreditado em Lisboa, in Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p. 171.<br />
438<br />
Mário Soares, “Notas Esparsas sobre a Actualida<strong>de</strong> Política e Nacional” in Mário Soares, Escritos Políticos […] cit., pp. 163,<br />
164.<br />
439<br />
Mário Soares, “Um elemento privilegiado <strong>de</strong> cooperação”, discurso proferido em 10.12.1986, na Assembleia Nacional Popular<br />
<strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, in Mário Soares, Intervenções […] cit., p.158. Esta i<strong>de</strong>ia está presente em vários discursos e intervenções,<br />
mesmo após ter terminado a sua carreira política. Citamos mais uma intervenção nesse sentido: “Portugal, pela ligação íntima e<br />
fraterna que tem com muitos países do Terceiro Mundo, forjada ao longo <strong>de</strong> uma convivência <strong>de</strong> cinco séculos, sente com<br />
particular acuida<strong>de</strong> os dramas que são vividos pelos povos <strong>de</strong> África e da América Latina e tem procurado, até ao limite dos seus<br />
recursos, contribuir para a superação <strong>de</strong> algumas dificulda<strong>de</strong>s, respon<strong>de</strong>ndo ao apelo angustiado que não raramente lhe é<br />
lançado.” Mário Soares, “Contribuir para um Clima <strong>de</strong> Diálogo e Confiança”, discurso proferido em Moscovo, a 23.11.1987, in<br />
Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p. 325. Já a ASP, em 1970, preconizava o clima <strong>de</strong> entreajuda, no pós <strong>de</strong>scolonização,<br />
em 1970: “Repudiando o colonialismo - e todas as formas <strong>de</strong> „paternalismo‟ político ou colonial – a ASP pensa que o Portugal<br />
Democrático e Socialista, porque se bate, po<strong>de</strong>rá estabelecer laços <strong>de</strong> inter-ajuda recíproca, no futuro, com os Povos das<br />
colónias, que venham ace<strong>de</strong>r à in<strong>de</strong>pendência. Portugal não é, nem po<strong>de</strong> vir a ser, uma potência imperialista.” In “Para uma<br />
Democracia Socialista em Portugal – Textos ASP, 1970”, Centro <strong>de</strong> Documentação 25 <strong>de</strong> Abril, 329 (469) “1960/1970” ACC.<br />
Também na Declaração <strong>de</strong> Princípios e Programa do PS, <strong>de</strong> 1973, (Centro <strong>de</strong> Documentação 25 <strong>de</strong> Abril, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Coimbra</strong>, 329 (469) “1973” PAR), se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolver relações <strong>de</strong> cooperação, intercâmbio e amiza<strong>de</strong> com todos<br />
os partidos e movimentos progressistas do „Terceiro Mundo‟ e da África em particular.”<br />
440<br />
Mário Soares, “Uma Convivência Secular”, discurso proferido em 5.12.1986, em São Tomé, in Mário Soares, Intervenções<br />
[…] cit., p. 162.<br />
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