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Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />

mundo.” 419 É esse espírito quinhentista que é necessário recuperar, num novo contexto <strong>de</strong> reptos sociais<br />

e políticos. “O melhor modo <strong>de</strong> sermos dignos <strong>de</strong>ssa riquíssima herança é cumprirmos, neste tempo que<br />

é o nosso, os <strong>de</strong>safios que nos são feitos.” 420 Isto implica recuperar a tradição universalista, assente na<br />

valorização das vertentes geográfica do país, na sua herança atlântica.<br />

Seguidor <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> pensamento liberal e republicana, simpatizante dos i<strong>de</strong>ais da Geração<br />

<strong>de</strong> 70, Soares classifica a época após os Descobrimentos como um recuo do país, citando um dos<br />

expoentes máximos <strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> pensadores, Antero <strong>de</strong> Quental. 421 Nesta linha <strong>de</strong> influência, escreve<br />

também Soares, “no final do séc. XVI e durante os sécs. XVII e XVIII, Portugal foi um reino <strong>de</strong>serto <strong>de</strong><br />

estupi<strong>de</strong>z e intolerância, vivendo parasitariamente à custa da exploração das riquezas da Índia e <strong>de</strong>pois<br />

do Brasil.” 422 A con<strong>de</strong>nação à política colonialista do Estado Novo segue a coerência do seu<br />

pensamento crítico relativamente a um reino que mais não fez do que explorar os territórios coloniais, o<br />

que <strong>de</strong>nota a política retrógrada <strong>de</strong> Salazar. Exemplo disso é o Acto Colonial que “reafirma a política<br />

parasitária da vida portuguesa pela exploração <strong>de</strong>senfreada das colónias.” 423 As razões <strong>de</strong> repulsa do<br />

colonialismo pren<strong>de</strong>m-se com os valores basilares do seu pensamento – “como socialista que sou,<br />

tenho, como é natural, uma oposição radicalmente anticolonialista” 424 – que o levam a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r “com<br />

consciência e solenida<strong>de</strong>”, o respeito pelo “princípio da auto-<strong>de</strong>terminação como único meio <strong>de</strong> garantir<br />

os direitos da pessoa humana nos territórios africanos.” 425<br />

O atropelo aos direitos humanos é a arma <strong>de</strong> arremesso contra o imperialismo <strong>de</strong> Salazar,<br />

consi<strong>de</strong>rando urgente que “se ponha termo às guerras coloniais portuguesas (…).” 426 Se a dignida<strong>de</strong><br />

histórica da expansão portuguesa é uma inspiração para o presente, ela é também invocada como<br />

contra-senso à persistência do colonialismo do Estado Novo. “É evi<strong>de</strong>nte que a essência <strong>de</strong> uma Nação<br />

não po<strong>de</strong> consistir em oprimir os povos com os quais entrou, historicamente, em contacto. Se assim for,<br />

mal vai essa nação.” 427<br />

Porém, não é “só por razões i<strong>de</strong>ológicas” que o socialista português envergou uma verda<strong>de</strong>ira<br />

campanha anti-colonialista, mas também por motivações inerentes ao progresso político e económico <strong>de</strong><br />

Portugal, pois a “transformação necessária das estruturas económico-sociais retrógradas” do país “só<br />

419<br />

Mário Soares, “O Encontro <strong>de</strong> Portugal com a História”, discurso proferido em 10.06.1987, na cerimónia <strong>de</strong> cumprimentos do<br />

corpo diplomático acreditado em Lisboa, in I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p. 171.<br />

420<br />

Mário Soares, “Uma aventura que mudou a face da Terra”, discurso proferido junto à Torre <strong>de</strong> Belém, em 10.06.1987, dia <strong>de</strong><br />

Camões e das Comunida<strong>de</strong>s Portuguesas, in Mário Soares, Intervenções 2, cit., p. 167.<br />

421<br />

“Com sentido pioneiro criámos o espírito científico, experimental e crítico. Mas, esgotados por esse esforço imenso, com o<br />

absolutismo, as perseguições e a intolerância religiosa, como ensinou Antero <strong>de</strong> Quental, ao estudar as causas da <strong>de</strong>cadência<br />

dos povos peninsulares, caímos em séculos <strong>de</strong> abatimento e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, abandonando os valores do espírito livre e<br />

tornando-nos um país intolerante, fechado ao exterior e à novida<strong>de</strong>, com um atraso quase secular.” I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

422<br />

Mário Soares, Portugal […] cit., p. 461.<br />

423<br />

“Destruir o Sistema, Construir uma Nova Vida”, relatório do secretário-geral do PS, discutido, lido e aprovado no Congresso<br />

<strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1973, na Alemanha, in Mário Soares, Escritos do Exílio […] cit., pp. 319, 320.<br />

424<br />

Entrevista concedida por Mário Soares, em Paris, à agência noticiosa cubana Prensa Latina, em Março <strong>de</strong> 1971, in Mário<br />

Soares, Escritos do Exílio […] cit., p. 72.<br />

425<br />

“Nos 40 Anos do Estados Novo - Um Projecto”, abaixo-assinado dirigido ao Presi<strong>de</strong>nte da República, redigido por Mário<br />

Soares, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00002 00, imagens 71-97.<br />

426<br />

Mário Soares (na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Secretário-geral), Ramos da Costa e Tito <strong>de</strong> Morais, “Rapport Confi<strong>de</strong>ntiel”, Comité Directivo<br />

da ASP, sobre o quadro político português em 1972, 9.01.1973, Arquivo Fundação Mário Soares, pasta 00517 001, imagens 23-<br />

31.<br />

427<br />

Mário Soares, Portugal […] cit., p. 460.<br />

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