Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
Mas Soares não evoca a tradição universalista com mero espírito saudosista, mas sim vincando-<br />
a como marca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e conduta <strong>de</strong> acção para o futuro. Urge renovar a tradição universalista em<br />
novos contextos políticos, para que “Portugal” possa, “nesta hora em que o Mundo é cada vez mais um<br />
só, dar um contributo próprio, <strong>de</strong> acordo com a sua tradição <strong>de</strong> abertura, curiosida<strong>de</strong> pelo diferente e<br />
generosida<strong>de</strong>.” 415 A constante evocação do passado português é uma inspiração para uma renovação.<br />
Neste sentido, o pensamento soarista cruza-se com as influências do pensamento literário português,<br />
nomeadamente com o <strong>de</strong> Teixeira Pascoaes, como o caracteriza Eduardo Lourenço: “Tudo o que existe<br />
(…) é da or<strong>de</strong>m do evanescente, mas <strong>de</strong> um evanescente que se torna real através <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />
rememorização criadora, a única que po<strong>de</strong> conferir ao que já não existe uma plenitu<strong>de</strong> „à rebours” que<br />
o fenómeno da sauda<strong>de</strong> encarna.” 416 Como refere Lourenço, a mitificação da Pátria, não é construída<br />
como mero pretérito. “Mais importante do que ter sido ou ter tido império, mais <strong>de</strong>cisivo do que haver<br />
usufruído riquezas mortas, ou até ter sido actores <strong>de</strong> uma gesta científica que podíamos ter tido num<br />
grau e esplendor que não tivemos, é, para Pascoaes, o haver interiorizado como alma da nossa alma o<br />
sentimento obscuro mas iluminado <strong>de</strong>ssa visão positiva da vida como sonho que se sabe sonho, mas que<br />
no interior <strong>de</strong>sse sentimento se recupera como criadora sauda<strong>de</strong>.”<br />
Em Soares, encontramos essa “criadora sauda<strong>de</strong>”, convertida em acção política, em que o<br />
conceito <strong>de</strong> universalismo se extravasa como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Pátria, para uma atitu<strong>de</strong> orientadora para o<br />
futuro <strong>de</strong> Portugal. A favorecer a continuida<strong>de</strong> do exercício do universalismo estão as características<br />
histórica e geográfica portuguesas, com “uma posição singular no Mundo”, que lhe fornecesse os<br />
pilares para “afirmar a sua individualida<strong>de</strong> própria como nação euro-atlântica e consi<strong>de</strong>rar o reforço da<br />
coesão dos seus territórios separados pelo mar.” 417 Portugal só po<strong>de</strong> contrariar a sua pequena dimensão<br />
no mundo, e <strong>de</strong>sempenhar nele um papel universalista, ao usufruir plenamente da sua circunstância<br />
geográfica e histórica. Neste sentido, a recuperação da herança atlântica do território luso é uma marca<br />
no discurso <strong>de</strong> Soares.<br />
1.1.1.1 – Recuperar a herança atlântica <strong>de</strong> Portugal para exercer o universalismo<br />
“(…) Celebramos os Descobrimentos Portugueses na fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao espírito mo<strong>de</strong>rno que eles<br />
fundaram.” 418 O engenho marítimo <strong>de</strong> Portugal, que o levou a extravasar as suas próprias fronteiras em<br />
busca do <strong>de</strong>sconhecido, é enaltecido como motor <strong>de</strong> evolução e vanguarda, em que “o pensamento” e “a<br />
técnica (…) representavam a abertura <strong>de</strong> novas perspectivas e estruturavam a visão futura do<br />
Mundo e marcadas pela diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> civilizações com que contactou, os Portugueses terão <strong>de</strong> saber actualizar esse legado<br />
insubstituível e original, apostando <strong>de</strong>cididamente na ciência, forma <strong>de</strong> linguagem <strong>de</strong> valor eminentemente universal.” Mário<br />
Soares, “Uma autêntica priorida<strong>de</strong> nacional”, discurso proferido nas 1ªs jornadas Nacionais <strong>de</strong> Investigação Científica e<br />
Tecnológica, em 11.05.1987, in Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p. 131.<br />
415 Mário Soares, “Uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afecto”, discurso proferido na abertura do III Congresso <strong>de</strong> Escritores Portugueses, em<br />
25.11.1991, in Mário Soares, Intervenções 6, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1992, p. 139.<br />
416 Eduardo Lourenço, O Labirinto […] cit., p. 101.<br />
417 Mário Soares, “Defesa Nacional: um investimento <strong>de</strong> soberania”, discurso proferido em 10.11.1986, por ocasião do início do<br />
ano lectivo do Instituto <strong>de</strong> Defesa Nacional, in Intervenções, Imprensa Nacional Casa da Moeda, p.104.<br />
418 Mário Soares, “Uma aventura que mudou a face da Terra”, discurso proferido junto à Torre <strong>de</strong> Belém, em 10.06.1987, dia <strong>de</strong><br />
Camões e das Comunida<strong>de</strong>s Portuguesas, in Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p. 167.<br />
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