Capítulo I - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Mário Soares e a Europa – pensamento e acção<br />
1.1.1 – Inspiração histórica para recuperar uma vocação universalista<br />
É com base na recuperação da historicida<strong>de</strong> portuguesa que Soares constrói a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pátria<br />
e lhe confere um <strong>de</strong>stino. Pedagogo da <strong>de</strong>mocracia, da liberda<strong>de</strong>, da paz e do humanismo, é pela<br />
inerência <strong>de</strong>stes valores que enaltece o carácter histórico universalista <strong>de</strong> Portugal, evi<strong>de</strong>nciando até um<br />
certo paternalismo nacional. “Fomos nós que criámos pela primeira vez na história do mundo, a<br />
civilização do universal.” 405 Mais liberto <strong>de</strong> uma política executiva, é na Presidência da República que<br />
exterioriza o seu pensamento mais filosófico, numa tentativa <strong>de</strong> formação da consciência pública sobre<br />
a cultura e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> portuguesas, exaltando a importância histórica <strong>de</strong> Portugal para a progressão da<br />
civilização europeia, com a evocação dos Descobrimentos, que “constituíram um facto capital da<br />
história mo<strong>de</strong>rna (…).” Soares confere a Portugal um carácter <strong>de</strong> motor histórico da civilização do<br />
global, enaltecendo a “mentalida<strong>de</strong> universalista” portuguesa que “<strong>de</strong>u a conhecer uma cultura<br />
diferente, a europeia, aos povos <strong>de</strong> outros continentes, ao mesmo tempo que revelava à Europa as<br />
culturas milenárias e riquíssimas do Oriente, da África e das Américas.” 406<br />
Adoptando um discurso pedagógico no seu exercício político, Soares preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a<br />
singularida<strong>de</strong> portuguesa, realçando “uma história multissecular que <strong>de</strong>u, no dizer <strong>de</strong> Camões, „novos<br />
mundos ao mundo‟, uma cultura original que influenciou <strong>de</strong>cisivamente povos <strong>de</strong> vários continentes e<br />
uma língua hoje falada por mais <strong>de</strong> 150 milhões <strong>de</strong> pessoas.” Características que “conferem a Portugal<br />
uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional.” 407<br />
Soares apo<strong>de</strong>ra-se do conceito <strong>de</strong> universalismo português, suscitado pelos “contributos<br />
insubstituíveis dos homens <strong>de</strong> quinhentos, como “Camões, Pacheco Pereira, Pedro Nunes” 408 entre<br />
outros que se lhes seguiram, para a construção do seu pensamento. Esta linha conceptual tem<br />
atravessado gerações e correntes literárias e <strong>de</strong> intelectuais portugueses, como nota Eduardo Lourenço.<br />
Se, por um lado, a “universal” pátria camoniana “é o suporte <strong>de</strong> „um império e <strong>de</strong> uma fé‟ cuja<br />
irradiação reverte a favor <strong>de</strong> um rei único”, com a revolução industrial e os adventos do liberalismo, os<br />
<strong>de</strong>stinos da pátria passam a estar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma acção superior. O “homem liberal torna-se<br />
responsável pelo <strong>de</strong>stino e pela figura <strong>de</strong>ssa nova entida<strong>de</strong>, a pátria-nação, e po<strong>de</strong> dizer-se, enfim, que<br />
lhe cabe nessa qualida<strong>de</strong> assumi-la, quer dizer, ao mesmo tempo, aceitá-la e modificá-la pela sua acção<br />
cívica.” 409 Soares é aqui esse homem liberal, que responsabiliza o português pelo seu próprio <strong>de</strong>stino.<br />
Com uma acção política além-fronteiras, uma atitu<strong>de</strong> lutadora, uma experiência multicultural,<br />
405 Declarações <strong>de</strong> Mário Soares em <strong>de</strong>bate organizado pelo L’Express, em 6.4.1990, conduzido por Chistian Hoche, Bernard<br />
Lecomte e André Pautard, in Mário Soares, Intervenções 5, Imprensa Nacional Casa da Moeda,1991 p. 421.<br />
406 Mário Soares, “Uma Europa em Diálogo”, discurso proferido a 21.06.1987, na VIII Conferência Interparlamentar da<br />
Comunida<strong>de</strong> Europeia – América Latina, realizada em Lisboa. In Mário Soares, Intervenções 2, Imprensa Nacional Casa da<br />
Moeda, 1988, p. 260.<br />
407 Mário Soares, “Uma socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, humana <strong>de</strong> progresso”, conferência proferida no Wilson Center (Washington) em<br />
18.05.1987, integrada no Colóquio „Portugal: Ancient Country, Young Democracy”, in Mário Soares, Intervenções 2 […] cit., p.<br />
39.<br />
408 Mário Soares, “O Amor pelo Brasil”, discurso proferido na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Gama Filho, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 4.06.1992, ao<br />
receber o doutoramento honoris causa, in Mário Soares, Intervenções 7, […] cit., pp. 153, 154.<br />
409 Eduardo Lourenço, O Labirinto da Sauda<strong>de</strong>, Lisboa, Gradiva, 2004, 3ª edição, p. 83.<br />
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