16.04.2013 Views

Flamengo 7 x 4: culpa da bebedeira do Heráclito - Bangu.net

Flamengo 7 x 4: culpa da bebedeira do Heráclito - Bangu.net

Flamengo 7 x 4: culpa da bebedeira do Heráclito - Bangu.net

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Rua Ferrer, 30 de junho de 1912<br />

<strong>Flamengo</strong> 7 x 4: <strong>culpa</strong> <strong>da</strong> <strong>bebedeira</strong> <strong>do</strong> <strong>Heráclito</strong><br />

A evolução tecnológica permitiu que qualquer fato, cena mínima, evento, flagrante fosse<br />

registra<strong>do</strong> por câmeras, seja elas profissionais ou de um celular qualquer. Em consequência disso,<br />

filma-se muito, filma-se demais, captan<strong>do</strong> assim um sem número de inutili<strong>da</strong>des.<br />

Em 1912 era diferente. Quan<strong>do</strong> <strong>Bangu</strong> e <strong>Flamengo</strong> fizeram o primeiro confronto <strong>da</strong> história <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is clubes, sequer uma máquina fotográfica foi leva<strong>da</strong> ao campo <strong>da</strong> Rua Ferrer para registrar o<br />

momento. Se bem que, a captação de um instantâneo sem movimento não seria a melhor opção para<br />

guar<strong>da</strong>r o que foi aquele jogo. Era preferível que o clássico fosse grava<strong>do</strong> em filme, tal a<br />

curiosi<strong>da</strong>de que ele desperta em quem busca detalhes de sua história.<br />

A Gazeta de Notícias <strong>do</strong> dia seguinte divulgou: “O principal motivo <strong>da</strong> derrota <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong> foi este<br />

clube apresentar em campo um goal-keeper que jogou pessimamente, chegan<strong>do</strong> a ser vaza<strong>do</strong> a 40<br />

jar<strong>da</strong>s <strong>do</strong> gol”.<br />

O Jornal <strong>do</strong> Brasil também fez pesa<strong>da</strong>s críticas ao goleiro banguense: “O <strong>Flamengo</strong> apresentou<br />

um team bastante modifica<strong>do</strong>, que perderia na certa, se não fosse o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> keeper incumi<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

defesa <strong>da</strong>s barras <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>”.<br />

Mas, enfim, quem era esse goleiro e por que ele jogou tão mal? Estaria compra<strong>do</strong>?<br />

Quase isso. Em entrevista ao jornalista Mário Filho nos anos 40, o eterno secretário <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>,<br />

Guilherme Pastor, explicou para as gerações futuras o que de fato ocorreu naquele primeiro <strong>Bangu</strong><br />

x <strong>Flamengo</strong>:<br />

“<strong>Heráclito</strong> era um marinheiro preto, que jogava no gol <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong> em 1912. Não era <strong>da</strong> fábrica,<br />

não era de <strong>Bangu</strong>. Para treinar tinha de fazer a viagem de trem, uma hora de trem. Chegava sempre<br />

atrasa<strong>do</strong>.<br />

Bom quíper, não resta dúvi<strong>da</strong>. Quan<strong>do</strong> não estava bêba<strong>do</strong>. Acaba<strong>do</strong> o treino, <strong>Heráclito</strong> deixavase<br />

ficar lá por cima, num botequim. Bebia os seus <strong>do</strong>is de<strong>do</strong>s de cachaça, tomava gosto, não queria<br />

mais sair <strong>do</strong> botequim, só saía carrega<strong>do</strong>.<br />

Às vezes <strong>da</strong>va para valente, derrubava mesas, às vezes ficava sentimental, passava os <strong>do</strong>is<br />

braços em volta <strong>do</strong> pescoço de quem vinha buscá-lo, punha-se a chorar. Então ia embora para casa<br />

feito um menino obediente.<br />

Nos sába<strong>do</strong>s, o <strong>Bangu</strong> man<strong>da</strong>va percorrer os botequins à procura dele. Ninguém encontrava<br />

<strong>Heráclito</strong>. Tinha i<strong>do</strong> para casa, talvez já estivesse na cama. Deitava-se mais ce<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> ia haver<br />

jogo no dia seguinte.<br />

A questão era não ver bebi<strong>da</strong> na frente dele. Aí tu<strong>do</strong> ia bem, ele até se esquecia. Se, porém,<br />

botasse os olhos numa garrafa de cachaça, perdia a cabeça. Mesmo na hora de entrar em campo.<br />

Era preciso um cui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong>na<strong>do</strong>. Principalmente porque to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabia <strong>da</strong> história, porque o<br />

que não faltava era gente para <strong>da</strong>r uma garrafa de cachaça a <strong>Heráclito</strong>. Gente <strong>do</strong>s outros clubes, <strong>do</strong>s<br />

clubes que iam jogar com o <strong>Bangu</strong>.<br />

Bastava fazer chegar às mãos <strong>do</strong> <strong>Heráclito</strong> uma garrafa de boa caninha e estava tu<strong>do</strong> garanti<strong>do</strong>.<br />

<strong>Heráclito</strong> arranjava um jeito de beber, to<strong>da</strong> bola que fosse para o gol entrava.<br />

Foi assim que o <strong>Flamengo</strong> se cansou de fazer gols contra o <strong>Bangu</strong>. <strong>Heráclito</strong> esvaziou uma<br />

garrafa de cachaça na horinha de entrar em campo. O pessoal <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong> só percebeu depois que não<br />

havia mais remédio.<br />

E <strong>Heráclito</strong> tinha assina<strong>do</strong> a súmula direito. Demoran<strong>do</strong> um pouco é ver<strong>da</strong>de, mas sempre<br />

demorava, caprichan<strong>do</strong> na letra. A cachaça ain<strong>da</strong> estava fazen<strong>do</strong> o seu efeito.<br />

O que chamou a atenção de Guilherme Pastor foi a maneira de an<strong>da</strong>r de <strong>Heráclito</strong>. <strong>Heráclito</strong><br />

empertiga<strong>do</strong>, duro, an<strong>da</strong>n<strong>do</strong> devagar, cheio dessa digni<strong>da</strong>de que só uma grande <strong>bebedeira</strong> pode <strong>da</strong>r.<br />

Guilherme Pastor já um pouco desconfia<strong>do</strong>.


O <strong>Heráclito</strong> não podia estar bêba<strong>do</strong>. Como? Amanhecera sem uma gota de álcool no estômago,<br />

não bebera, tinha feito até a prova <strong>do</strong> hálito, abrin<strong>do</strong> a boca, sopran<strong>do</strong> no nariz de Guilherme Pastor.<br />

Nem a mais vaga reminiscência de cachaça.<br />

<strong>Heráclito</strong> chegou no gol, aí começou a balançar feito um pêndulo. A última dúvi<strong>da</strong> de Guilherme<br />

Pastor foi-se embora. <strong>Heráclito</strong> estava bêba<strong>do</strong>, ia engolir to<strong>da</strong>s as bolas.<br />

Guilherme Pastor man<strong>do</strong>u buscar, a to<strong>da</strong> pressa, um vidro de amônia. O jogo começou, na<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

vidro de amônia chegar, a primeira que foi em gol entrou. <strong>Heráclito</strong> quis defendê-la com um tapa,<br />

apertou os olhos, deu o tapa no ar, perdeu o equilíbrio, caiu. Custou a se levantar. Para levantar-se<br />

teve que se agarrar à baliza.<br />

E ficou abraça<strong>do</strong> na baliza um boca<strong>do</strong> de tempo.<br />

Só depois <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> gol, reprodução <strong>do</strong> primeiro, é que o vidro de amônia chegou. Guilherme<br />

Pastor foi para trás <strong>do</strong> gol, aproveitan<strong>do</strong> to<strong>da</strong> bola fora para fazer <strong>Heráclito</strong> cheirar o vidro de<br />

amônia.<br />

<strong>Heráclito</strong> cheirava com força, não podia demorar, tinha de ir para o meio <strong>do</strong> gol. E as bolas<br />

entran<strong>do</strong>. <strong>Heráclito</strong> melhorzinho, mas ain<strong>da</strong> bêba<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> ven<strong>do</strong> <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>, duas bolas em vez de<br />

uma. Queren<strong>do</strong> sempre pegar a outra bola, a bola que não existia”.<br />

Lances <strong>do</strong> jogo<br />

Logo aos 3 minutos, Borgerth toca para Baiano que, a 36 metros <strong>do</strong> gol banguense, chuta e<br />

<strong>Heráclito</strong> aceita.<br />

Aos 5 minutos, Nery toca para Arnal<strong>do</strong> fazer o segun<strong>do</strong> gol, a uma distância um pouco menor:<br />

11 metros (como se tivesse chuta<strong>do</strong> <strong>da</strong> marca <strong>do</strong> pênalti, por exemplo).<br />

Com o gol livre pela frente, Baiano ampliou para 3 a 0 aos 8 minutos, enquanto <strong>Heráclito</strong>,<br />

apoia<strong>do</strong> na trave, cheiran<strong>do</strong> o vidro de amônia, nem se preocupou com o lance.<br />

Aos 27, Borgerth arriscou um chute rasteiro, violento, que <strong>Heráclito</strong>, um pouco mais sóbrio,<br />

também não conseguiu defender.<br />

O <strong>Bangu</strong> reagiu com Chiquinho. Marcou um gol, anula<strong>do</strong> pelo juiz Hugh Graham, por<br />

impedimento. Anotou outro tento, novamente invali<strong>da</strong><strong>do</strong> pelo árbitro, que percebeu que o esperto<br />

Chiquinho socou a bola ao invés de cabeceá-la.<br />

Mesmo sen<strong>do</strong> sócio <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>, o inglês Hugh Graham não poderia aceitar gols tão fajutos assim.<br />

No segun<strong>do</strong> tempo, o <strong>Bangu</strong> passou 15 minutos pressionan<strong>do</strong> o gol de Baena, até que Leão<br />

cruzou, Chiquinho ajeitou e a uma distância de 11 metros, fuzilou, marcan<strong>do</strong>, assim, o primeiro gol<br />

alvirrubro.<br />

Aos 18, Leão chuta enviesa<strong>do</strong>, a 5 metros <strong>do</strong> gol, diminuin<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> mais: 2 x 4. O mesmo Leão,<br />

aos 25 minutos, conseguiu de forma belíssima o terceiro gol <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>. O time encostava no placar.<br />

A reação durou pouco. Aos 30, Amarante dá um passe e Arnal<strong>do</strong> amplia para 5 a 3. O <strong>Flamengo</strong><br />

continua melhor. <strong>Heráclito</strong> rebate uma bola fácil e Baiano faz 6 a 3, aos 32 minutos.<br />

O <strong>Bangu</strong> acor<strong>da</strong>. Chiquinho, escapan<strong>do</strong>, faz um passe a Leão, que chuta a gol, sen<strong>do</strong> a bola<br />

defendi<strong>da</strong> por Baena. Narciso dá-lhe um tranco e o goleiro rubro-negro cai dentro <strong>do</strong> gol com a<br />

bola. O gol valeu: 4 x 6!<br />

Na sequencia, Borgerth levanta para a área e Amarante, sem deixar a bola cair, enche o pé:<br />

<strong>Flamengo</strong> 7 a 4.<br />

No último minuto, o meia Cintra colocou a mão na bola dentro <strong>da</strong> área. Pênalti que Hugh<br />

Graham marca com satisfação. Porém, o ponta-esquer<strong>da</strong> Virgílio bate mal a infração e o goleiro<br />

Baena defende com um “munhecaço”. Não era mesmo o dia <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>.<br />

<strong>Heráclito</strong> Soares - o anti-herói <strong>da</strong> tarde -, continuou sen<strong>do</strong> goleiro (e levan<strong>do</strong> outros frangos) até<br />

o início <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong> de 1913, quan<strong>do</strong> sumiu de vez. Fez 17 jogos e sofreu 53 gols (média de 3,11<br />

por parti<strong>da</strong>) com a camisa <strong>do</strong> <strong>Bangu</strong>. Curiosamente, não há um único registro fotográfico que ateste<br />

sua participação na história <strong>do</strong> clube alvirrubro.<br />

Começava de maneira polêmica, a história <strong>do</strong>s confrontos entre <strong>Bangu</strong> e <strong>Flamengo</strong>.


Domingo, 30 de junho de 1912<br />

4 x 7<br />

Competição: Campeonato Carioca<br />

Local: Rua Ferrer (RJ)<br />

Juiz: Hugh Graham<br />

<strong>Bangu</strong>: <strong>Heráclito</strong>, Lobo Júnior e Antônio Carregal;<br />

José <strong>da</strong> Silva, Roldão e Luiz Antônio; Leão, Castor,<br />

Narciso, Chiquinho e Virgílio.<br />

<strong>Flamengo</strong>: Baena, Pín<strong>da</strong>ro e Nery; Cintra, Gilberto e<br />

Galo; Borgerth, Arnal<strong>do</strong>, Baiano, Gustavo e<br />

Amarante.<br />

Gols: No 1º tempo: Baiano (3), Arnal<strong>do</strong> (5), Baiano<br />

(8) e Borgerth (27). No 2º tempo: Chiquinho (15),<br />

Leão (18), Leão (25), Arnal<strong>do</strong> (30), Baiano (32),<br />

Narciso (34) e Amarante (35).<br />

Campeonato Carioca 1912<br />

Classificação Pts J V E D GP GC SG<br />

1 Paysandu 10 5 5 ‐ ‐ 31 3 28<br />

2 <strong>Flamengo</strong> 6 4 3 ‐ 1 29 11 18<br />

3 Rio Cricket 6 5 3 ‐ 2 8 5 3<br />

4 América 6 5 2 2 1 10 7 3<br />

5 São Cristóvão 5 5 2 1 2 5 7 ‐2<br />

6 Fluminense 3 4 1 1 2 2 7 ‐5<br />

7 <strong>Bangu</strong> 2 5 1 ‐ 4 6 22 ‐16<br />

8 Mangueira 0 5 ‐ ‐ 5 2 31 ‐29

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!