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AUTO DA BARCA DO INFERNO - Coopermundi.com.br

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Personagens<<strong>br</strong> />

Diabo<<strong>br</strong> />

Anjo<<strong>br</strong> />

Ajudante do diabo 1<<strong>br</strong> />

Ajudante do diabo 2<<strong>br</strong> />

Ajudante do Anjo 1<<strong>br</strong> />

Ajudante do Anjo 2<<strong>br</strong> />

Auto da Barca do Inferno<<strong>br</strong> />

Original de Gil Vicente. Adaptação de Ivan Lovison.<<strong>br</strong> />

Cena 1 – O Fidalgo e seu criado<<strong>br</strong> />

Fidalgo<<strong>br</strong> />

Criado<<strong>br</strong> />

Sapateiro<<strong>br</strong> />

Frade<<strong>br</strong> />

Moça<<strong>br</strong> />

Brízida Vaz<<strong>br</strong> />

Cortesâ 1<<strong>br</strong> />

Cortesã 2<<strong>br</strong> />

Corregedor<<strong>br</strong> />

1º Cavaleiro<<strong>br</strong> />

2º Cavaleiro<<strong>br</strong> />

DIABO Para a barca, para a barca! Vamos logo que temos gentil maré!<<strong>br</strong> />

Quem não queira vir de frente, que venha mesmo de ré!<<strong>br</strong> />

ANJO Que venha o fidalgo!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Está bem, está bem, está tudo muito bem!<<strong>br</strong> />

Basta que se arrume logo este banco por cá<<strong>br</strong> />

Que gente muito importante aí virá!<<strong>br</strong> />

DIABO Vamos logo que já é tempo de partir!<<strong>br</strong> />

Mas o que fazes <strong>com</strong> tantos arranjos tu?<<strong>br</strong> />

Vamos logo cantar louvores a belzebu!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Calma, seu capeta, que é longa a arrumação.<<strong>br</strong> />

Prontinho, meu senhor. Já podeis chegar para a sessão!<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, mas o que vejo... Vejam só quem se aproxima!<<strong>br</strong> />

O poderoso Dom Henrique. Nem consigo pensar numa rima...<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Esta barca para onde vai assim tão apercebida?<<strong>br</strong> />

DIABO Vai para a ilha perdida. Venha logo, seu fidalgo, não enrola...<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Para onde mesmo disse que vai a barca, minha senhora?<<strong>br</strong> />

DIABO Senhor, a vosso serviço.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Parece-me isso um cortiço...<<strong>br</strong> />

DIABO É porque a vedes aí de fora.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Mas para onde vai esta barca, <strong>com</strong> todo esse fedor?<<strong>br</strong> />

DIABO Para o inferno, meu senhor.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Opa, esse lugar é bem sem-sabor.<<strong>br</strong> />

DIABO O quê? Mesmo depois de morto continuas a zombar?<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Perdão. Mas achareis vossa senhoria passageiros para esta embarcação?<<strong>br</strong> />

DIABO Acabo de encontrar um e o vejo bem aqui à minha frente.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Ah, eu não, que tenho a alma protegida.<<strong>br</strong> />

DIABO E em que esperas vossa senhoria ter guarida?<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Deixei na outra vida gente por mim a rezar.<<strong>br</strong> />

DIABO Deixaste alguém a rezar por ti?! Essa é boa!<<strong>br</strong> />

Tu viveste somente para teu prazer, cuidando sempre de nos outros pisar<<strong>br</strong> />

Com que agora achais que há por lá alguém por ti a rezar?<<strong>br</strong> />

Embarca logo e de qualquer maneira. Se queres, traze tua cadeira, vai.<<strong>br</strong> />

Que assim sentado também foi para o inferno o vosso pai.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO O quê? Meu pai? No inferno? Não posso acreditar!<<strong>br</strong> />

DIABO Vamos logo, embarcai!<<strong>br</strong> />

Fizeste por merecer o inferno, assim <strong>com</strong>o o fizeste por merecer o vosso pai.<<strong>br</strong> />

Agora chega de choramingos e de uma vez vos contentai.<<strong>br</strong> />

Já que morto está, precisa de uma barca para o rio cruzar.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Mas não há aqui outro navio?<<strong>br</strong> />

DIABO Não, senhor. Não para vós. Já está tudo organizado.<<strong>br</strong> />

Assim que tu morreste na Terra, já me mandaram por aqui ficar preparado.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Pois não vou! Hei de encontrar outro navio. Criado!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Sim, patrão!<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Nesta barca não vou! Trate de me arranjar outra embarcação!<<strong>br</strong> />

1


E não demore, sua lesma! Ai, esse criados, que penação!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Ali, meu senhor. Aquela barca parece que vai para outro lugar!<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Pois vá até lá e diga que quero embarcar!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Com sua licença, senhor barqueiro.<<strong>br</strong> />

ANJO Que quereis?<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Que a meu senhor digais, pois partiu tão sem aviso,<<strong>br</strong> />

Se a barca do Paraíso é esta em que navegais.<<strong>br</strong> />

ANJO É esta mesma. Que desejais?<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Desejo que me deixeis embarcar.<<strong>br</strong> />

Sou fidalgo de solar, será bom para vós que me recolhais.<<strong>br</strong> />

ANJO Não se embarca tirania nesta barca divinal.<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Não entendo porque me tratas tão mal.<<strong>br</strong> />

Deveria ser uma honraria, deixar entrar em vossa barca a minha senhoria.<<strong>br</strong> />

ANJO Não irás vós entrar de maneira nenhuma neste navio.<<strong>br</strong> />

Embarque ali naquele outro que vai mais vazio.<<strong>br</strong> />

Vossa cadeira entrará e vosso rabo caberá<<strong>br</strong> />

E também toda vossa senhoria.<<strong>br</strong> />

Ireis lá mais espaçoso, vós e vossa senhoria,<<strong>br</strong> />

Porque vós, de generoso, não tens nada.<<strong>br</strong> />

Em vida, desprezastes os pequenos, achava-os menos<<strong>br</strong> />

Tratava <strong>com</strong> tirania o po<strong>br</strong>e povo queixoso.<<strong>br</strong> />

E mesmo agora, continua soberbo e orgulhoso!<<strong>br</strong> />

DIABO (Canta) Vem, neném, neném, vem, neném...<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Ora, quem diria que haveria de fato o inferno<<strong>br</strong> />

E que este se reservava para mim!<<strong>br</strong> />

Oh, que tristeza! Enquanto vivi, vivi sempre na fantasia!<<strong>br</strong> />

Julgava ser adorado, confiava em meu estado e não vi que me perdia.<<strong>br</strong> />

Que remédio! Vamos lá! Vamos a essa barca de tristura...<<strong>br</strong> />

DIABO Embarque logo, vossa doçura, que cá dentro nos entenderemos...<<strong>br</strong> />

Pegue aí um par de remos e veremos <strong>com</strong>o remais,<<strong>br</strong> />

Chegando ao nosso cais, todos nós,<<strong>br</strong> />

Eu e meus <strong>com</strong>panheiros, muito bem vos serviremos.<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Mas e eu, senhor barqueiro desta barca tão bela e singular<<strong>br</strong> />

Também terei que nesta barca embarcar?<<strong>br</strong> />

Sou um po<strong>br</strong>e criado, havereis de me perdoar.<<strong>br</strong> />

ANJO Mas nem pensar! Em vida não passaste de um hipócrita.<<strong>br</strong> />

Sempre a mentir e a bajular, fazendo de tudo para seu mestre agradar.<<strong>br</strong> />

Por sua subserviência e falsidade, digo-te e repito<<strong>br</strong> />

Que o inferno sim é que é o teu lugar!<<strong>br</strong> />

DIABO (canta) Vem, neném, neném, vem, neném...<<strong>br</strong> />

FI<strong>DA</strong>LGO Vamos logo, seu traidor. Pensavas que poderia abandonar seu senhor?<<strong>br</strong> />

Vais <strong>com</strong>igo para o inferno e continuará a me servir por toda eternidade!<<strong>br</strong> />

E por tua traição, saiba que daqui por diante nao terei convosco a menor caridade!<<strong>br</strong> />

CRIA<strong>DO</strong> Que remédio, não é? Quisera eu em outra vida poder nascer mulher!<<strong>br</strong> />

Cena 2 – O sapateiro<<strong>br</strong> />

ANJO O sapateiro!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Ô da barca!<<strong>br</strong> />

DIABO Quem vem aí? Oh, um santo sapateiro honrado!<<strong>br</strong> />

Mas por que vem tão carregado?<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Mandaram-me vir assim...<<strong>br</strong> />

Mas para onde é esta viagem?<<strong>br</strong> />

DIABO Para o lago dos danados.<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Cruz credo, ex<strong>com</strong>ungado!<<strong>br</strong> />

E os que morrem confessados e perdoados<<strong>br</strong> />

Onde têm sua embarcagem?<<strong>br</strong> />

DIABO Não abuses de minha paciência, seu sapateiro deslavado!<<strong>br</strong> />

Esta é a tua barca! Tu não passas de um danado!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Mas <strong>com</strong>o pode ser isso?<<strong>br</strong> />

Antes de morrer, fui confessado, perdoado e <strong>com</strong>ungado!<<strong>br</strong> />

DIABO Não mintas! Tu morreste ex<strong>com</strong>ungado!<<strong>br</strong> />

2


Não confessaste coisa alguma, pois esperavas viver!<<strong>br</strong> />

E antes disso, roubaste durante trinta anos o povo que te veio ver!<<strong>br</strong> />

Embarca já cá nesta barca! Há muito que te espero!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Pois digo-te que não quero!<<strong>br</strong> />

DIABO Hás de embarcar sem discussão!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Para o inferno é que não vou!<<strong>br</strong> />

E as missas que assisti, de nada me valerão?<<strong>br</strong> />

DIABO Ouvir missa, e continuar a roubar, é caminhar para o inferno!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO E as ofertas que dei à igreja e aos finados, para onde me levarão?<<strong>br</strong> />

DIABO E os dinheiros desviados, que dizes desses roubos então?<<strong>br</strong> />

Vamos logo, para o lago dos danados, e sem discussão!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Ah, não vou! Hei de encontrar outra saída.<<strong>br</strong> />

Vou falar <strong>com</strong> aquele ali que a sua barca é muito mais colorida.<<strong>br</strong> />

Hei você, que nesta santa caravela está, poderia consigo me levar?<<strong>br</strong> />

ANJO E quer entrar aqui <strong>com</strong> toda essa sapataria?<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO E não seria para vós uma grande honraria?<<strong>br</strong> />

Ter a bordo um <strong>com</strong>petente sapateiro?<<strong>br</strong> />

ANJO No céu não estamos precisando de sapato<<strong>br</strong> />

Nem de nenhum conversador em<strong>br</strong>ulhão!<<strong>br</strong> />

Vá naquela barca ali, que aquela leva todo tipo de ladrão!<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Mas ocuparei muito pouco espaço<<strong>br</strong> />

E quanto aos sapatos, não serão nenhum incômodo, eu garanto.<<strong>br</strong> />

Cabem em qualquer canto.<<strong>br</strong> />

ANJO Está escrito no grande livro do céu e você saberia disso muito bem<<strong>br</strong> />

Se às missas que ia, além de ir, tivesse prestado atenção<<strong>br</strong> />

No paraíso não pode entrar, nem esta barca pode usar<<strong>br</strong> />

Para o grande rio da morte cruzar<<strong>br</strong> />

Aquele que em vida se <strong>com</strong>portou <strong>com</strong>o ladrão<<strong>br</strong> />

E que, além de tudo, mesmo depois da morte,<<strong>br</strong> />

Não consegue se livrar das bugigangas que andou<<strong>br</strong> />

Pela vida afora, de maneira mesquinha e ambiciosa, a carregar!<<strong>br</strong> />

DIABO (canta) Vem, neném, neném, vem, neném...<<strong>br</strong> />

SAPATEIRO Vamos lá, barqueiros do demônio! Pelo que esperam vossas senhorias?<<strong>br</strong> />

Levem-me logo ao fogo de uma vez que já estou cansado.<<strong>br</strong> />

Pelo que diz este barqueiro, o céu deve ser uma grande agonia.<<strong>br</strong> />

Nem <strong>com</strong>ércio, nem riqueza, nem sapataria...<<strong>br</strong> />

Não estou para livrar-me dos meus tesouros.<<strong>br</strong> />

Não faço essas espécies de pactos.<<strong>br</strong> />

Quem sabe se no inferno não consigo <strong>com</strong>ercializar meus sapatos!<<strong>br</strong> />

Cena 3 – O padre e a moça<<strong>br</strong> />

ANJO O padre e a moça!<<strong>br</strong> />

FRADE (Canta) Tai-rai-rai-ra-rã; ta-rá, ta-rai-rai-rai-rã; tai-ri-ri-rá...<<strong>br</strong> />

DIABO O que é isso? Um padre?<<strong>br</strong> />

FRADE Deo gratis avec moritorum quae que sei et noi tute amiqui de barci...<<strong>br</strong> />

DIABO Amém, seu padre, amém para todos nós e seja bem-vindo..<<strong>br</strong> />

Quero ver <strong>com</strong>o se sairá este padre fanfarrão quando souber para onde está indo...<<strong>br</strong> />

FADRE Pois diga-nos vós para onde iremos, oh, amigo da barca, que so<strong>br</strong>e este rio está<<strong>br</strong> />

Mas antes respondeis a outra questão: gostas desta canção?<<strong>br</strong> />

Dá-te vontade de bailar arrastando o pé pelo salão!<<strong>br</strong> />

DIABO Mas que grande falastrão!<<strong>br</strong> />

FADRE E então? Que dizeis?<<strong>br</strong> />

DIABO Antes responda-me vós. Acaso outra destas canções profanas sabereis?<<strong>br</strong> />

FRADE Se sei? Ora, <strong>com</strong>o sei...<<strong>br</strong> />

DIABO Pois então entrai que eu o tangerei<<strong>br</strong> />

Bailaremos pela noite toda fazendo um grande serão.<<strong>br</strong> />

Vais ver <strong>com</strong>o cá dentro desta é barca é quente. Será um calorão!<<strong>br</strong> />

Mas antes diga-me: É vossa essa dama que trazeis pela mão?<<strong>br</strong> />

FRADE Pois e não? É minha por inteiro.<<strong>br</strong> />

Pertencem-me sua alma, seu corpo e sua mão!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois faz muito bem. É muito formosa, e olhe que disso eu entendo.<<strong>br</strong> />

3


Mas diga-me: tinha-na por sua também lá em vosso santo convento?<<strong>br</strong> />

FRADE Mas e <strong>com</strong>o não? E bailávamos tanto...<<strong>br</strong> />

DIABO E isso nos outros padres não causava espanto?<<strong>br</strong> />

FADRE Pois se eles lá fazem outro tanto!<<strong>br</strong> />

DIABO Quer dizer que por lá cada padre tem sua moça para <strong>com</strong>panhia?<<strong>br</strong> />

FADRE Mas é claro! E que de outra forma seria?<<strong>br</strong> />

DIABO Oh, mas que coisa mais preciosa...<<strong>br</strong> />

Mas entrai, padre reverendo!<<strong>br</strong> />

E trazei consigo esta jovem tão buliçosa!<<strong>br</strong> />

FRADE E para onde vai esta barca tão vistosa?<<strong>br</strong> />

DIABO Para o fogo ardente do inferno adentro.<<strong>br</strong> />

FADRE Para o fogo do inferno? Mas não entendo...<<strong>br</strong> />

DIABO Como não? Vais para o fogo, reverendo!<<strong>br</strong> />

Vais para aquele fogo que não temeste nenhum pouco enquanto estiveste vivendo!<<strong>br</strong> />

FRADE Pois juro por Deus que não entendo!<<strong>br</strong> />

E este hábito por aqui não está valendo?<<strong>br</strong> />

DIABO Gentil padre mundanal, logo logo Belzebu vos estará <strong>com</strong>endo!<<strong>br</strong> />

FRADE Corpo de Deus consagrado! Pelo amor de Cristo Jesus encarnado!<<strong>br</strong> />

Isto é coisa que não posso aceitar! Hei eu então de ser condenado?<<strong>br</strong> />

Mas <strong>com</strong>o assim? Um padre tão cheio de virtudes e tão enamorado!<<strong>br</strong> />

Nosso Senhor não permitirá que seja eu tão humilhado!<<strong>br</strong> />

DIABO Vamos logo sem mais detença. Já está dada a sentença!<<strong>br</strong> />

Embarcai que logo partiremos! Podes apanhar um par de remos.<<strong>br</strong> />

FRADE Por Deus que não embarco!<<strong>br</strong> />

Como pode um padre ir ao inferno apenas por amar uma mulher?<<strong>br</strong> />

Para que serviram então tantos rosários rezados?<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, que padre mais descarado!<<strong>br</strong> />

FRADE Pois saiba que não me entregarei. Pegarei de minha espada e lutarei!<<strong>br</strong> />

DIABO Mas que bela coisa... Um padre <strong>com</strong> espada em vez de cruz!<<strong>br</strong> />

Vê-se bem que o revendo segue o exemplo de Jesus!<<strong>br</strong> />

Mas se queres, vamos à contenda!<<strong>br</strong> />

FRADE Pois pior será para vós!<<strong>br</strong> />

DIABO Vamos logo antes que eu me arrependa!<<strong>br</strong> />

FRADE Que Deus me ajude nessa hora de provação!<<strong>br</strong> />

DIABO E ainda toma o santo nome de Deus em vão!<<strong>br</strong> />

FADRE Vamos à luta que não o temo!<<strong>br</strong> />

Sou exímio lutador. Não me poderás vencer <strong>com</strong> esse remo!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois veja o que faço <strong>com</strong> sua espada! (que<strong>br</strong>a a espada <strong>com</strong> o remo)<<strong>br</strong> />

FADRE Ora, mas que valente tacada!<<strong>br</strong> />

DIABO E agora o que fará <strong>com</strong> esta arma que<strong>br</strong>ada?<<strong>br</strong> />

FADRE Lutarei assim mesmo que isso não me desface!<<strong>br</strong> />

DIABO Hipócrita! Não deverias tu dar a outra face?<<strong>br</strong> />

FADRE Lutarei até a morte, mas nesta barca não entrarei!<<strong>br</strong> />

DIABO E isto era um padre enquanto vivia! Oh, Deus, quanta hipocrisia!<<strong>br</strong> />

Mas já que insistes, até esse toco de espada lhe tirarei! (desarma o padre)<<strong>br</strong> />

FRADE Pois isso nada significa, que não me entrego!<<strong>br</strong> />

Daqui saio <strong>com</strong> a cabeça erguida e a mente fria<<strong>br</strong> />

Sou um grande lutador e não perdi por covardia<<strong>br</strong> />

Não fosse uma luta contra o diabo, certamente que eu venceria!<<strong>br</strong> />

E se tivesse outra espada, quantos aqui eu feriria!<<strong>br</strong> />

DIABO Mas quanta ira, senhor padre reverendo cheio de história...<<strong>br</strong> />

Em vida não ensinavas paz, amor e perdão?<<strong>br</strong> />

FRADE (pega a moça pela mão) Vamos à outra embarcação! Vamos à barca da Glória!<<strong>br</strong> />

(Canta) Ta-ra-ra-rai-rã; ta-ri-ri-ri-rã, rai-rai-rã; ta-ri-ri-rã; ta-ri-ri-rã...<<strong>br</strong> />

Oh, celestial criatura, que nesta barca frente a mim se afigura...<<strong>br</strong> />

ANJO Pode parar <strong>com</strong> tanta finura, padre mariola...<<strong>br</strong> />

Que sua música, sua dança e essa triste exibição de animalidade<<strong>br</strong> />

No céu não podem entrar, nem por caridade!<<strong>br</strong> />

FADRE Mas sou um padre. Veja meu hábito. Isso de nada vale?<<strong>br</strong> />

Se pequei, já paguei minha penitência...<<strong>br</strong> />

Rezei, jejuei e passei noites a açoitar-me <strong>com</strong> insistência.<<strong>br</strong> />

Estou livre de meus pecados e quero entrar nesta barca<<strong>br</strong> />

Eu e minha senhora, dona Florência!<<strong>br</strong> />

4


ANJO Rezar, jejuar e castigar-se, de nada valem contra a hipocrisia!<<strong>br</strong> />

Se querias outra vida, que a tivesse <strong>com</strong> honestidade!<<strong>br</strong> />

Tornou-se padre para levar uma boa vida, seu padre-azia!<<strong>br</strong> />

Mas nunca foste padre de verdade!<<strong>br</strong> />

E o que fizeste dos mandamentos<<strong>br</strong> />

Aqueles que tanto apregoaste ao teu semelhante?<<strong>br</strong> />

Esqueste do quinto mandamento ditado pela satíssima trindade?<<strong>br</strong> />

FADRE Não roubará!<<strong>br</strong> />

ANJO E o que me diz deste anel de <strong>br</strong>ilhante no dedo de vossa santidade?<<strong>br</strong> />

Se não o roubou, <strong>com</strong>o o explicará?<<strong>br</strong> />

FADRE Não entendo a que referendais...<<strong>br</strong> />

ANJO Esqueceste que Deus tudo vê e que nada a seus olhos escapará?<<strong>br</strong> />

DIABO (Canta) Vem, neném, neném vem, neném, neném, vem...<<strong>br</strong> />

FRADE (Pega a moça pela mão)<<strong>br</strong> />

Vejo que não há modo de argumentar. O melhor é nesta barca infernal entrar.<<strong>br</strong> />

Vamos Florença, que vós <strong>com</strong>igo irá! Vamos que lá dentro vós me consolará!<<strong>br</strong> />

Cena 4 – A alcoviteira e suas meninas<<strong>br</strong> />

ANJO A alcoviteira e suas meninas!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois que venham as moçoilas.<<strong>br</strong> />

Serei seu pierrot e elas serão minhas <strong>com</strong>cubinas!<<strong>br</strong> />

Mas antes me farei de díficil. Fingirei não estar nem aí.<<strong>br</strong> />

Certos tipos de mulher embarcam mais fácil se a gente não insistir.<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Ô da barca! Há alguém? Estarei eu atrasada?<<strong>br</strong> />

DIABO Quem chama <strong>com</strong> essa voz tão enjoada?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> É Brízida Vaz. Venho, e trago minhas meninas. Precisamos este rio atravessar!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois podem entrar. Vamos! Pelo que estão a esperar?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Não posso ir a lugar algum, não me faça essa <strong>br</strong>incadeira...<<strong>br</strong> />

DIABO E por quê, senhora alcoviteira?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Não posso ir sem que antes chegue uma nossa <strong>com</strong>panheira.<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, e quem será que a <strong>com</strong>panheira de vocês?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Joana de Valdês. Sem ela não podemos fazer a subida!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois ela não virá, não morreu ainda.<<strong>br</strong> />

Deixem pra lá essa Joana de Valês. Entrai vós, e remarês.<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 E para onde vai esta embarcação?<<strong>br</strong> />

DIABO Para o lago da danação!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Cruz credo! E quem quererá fazer tal viagem?<<strong>br</strong> />

DIABO Querer ninguém quer. Mas não há opção. Para vós, esta é a única embarcagem!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Pois eu não quero, nem por camaradagem.<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Nem eu vou aí subir.<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Nenhuma de nós entrará aí.<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, mas quanto recato!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Nâo pode ser esta a nossa barca de fato.<<strong>br</strong> />

E além disso, não vamos a lugar algum sem Joana.<<strong>br</strong> />

Mas preguiçosa <strong>com</strong>o é, ainda deve estar na cama!<<strong>br</strong> />

DIABO E quem é esta rapariga?<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Uma escorrida...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Com cara de lom<strong>br</strong>iga.<<strong>br</strong> />

DIABO Ah, não me diga!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> É nossa criada. É ela quem deverá trazer meus muitos sapatos!<<strong>br</strong> />

DIABO Ah é? E além de sapatos, trará ela também muitos artefatos?<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Oh, muitos. Todos da mãezinha...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 É, mas sempre nos so<strong>br</strong>a alguma coisinha.<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Mas não levaremos nada além daquilo que nos convém levar.<<strong>br</strong> />

DIABO E o que é tanto que precisam para embarcar?<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Ah, a mãezinha tem muitas coisas.<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Presentes nunca lhe faltaram.<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Coisas <strong>com</strong> as quais os homens ao longo da vida me presentearam.<<strong>br</strong> />

Mas presentearam porque quiseram.<<strong>br</strong> />

DIABO E o que foi que tanto lhe deram?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Coisa pouca. Três armários cheios de roupa.<<strong>br</strong> />

5


CORTESÃ 1 Muita peruca, muito lenço e muita touca!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Seis caixas de cílios postiços...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Um grande livro de feitiço...<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Coisa boba, sem importância...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Mas que fizeram a cabeça de muitos homens...<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> E os fizeram voltar à minha casa <strong>com</strong> grande constância!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Joana trará também cinco baús cheios de adornos...<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Jóias para enfeitar-me os contornos<<strong>br</strong> />

Pintura para a cara. Perfumes de fragrância rara<<strong>br</strong> />

Um cofre cheio de moedas de prata<<strong>br</strong> />

Uma prataria que não foi nada barata<<strong>br</strong> />

Vestidos de seda da china. Algumas li<strong>br</strong>as esterlinas.<<strong>br</strong> />

Uma grande cama para descansar o couro, <strong>com</strong> lençois bordados em ouro.<<strong>br</strong> />

Muitas exarpes para meu colo e <strong>br</strong>aço<<strong>br</strong> />

Meias finas que <strong>com</strong>binam <strong>com</strong> os sapatos<<strong>br</strong> />

Um ou outro <strong>br</strong>ilhante que ganhei em troca de encontros que arranjei<<strong>br</strong> />

Uma coisa ou outra que afanei de um velho senhor mais distraído<<strong>br</strong> />

Pedrarias para o vestido<<strong>br</strong> />

Uma liteira para me levar à rua<<strong>br</strong> />

E três lentes azuis <strong>com</strong> aro de <strong>br</strong>onze para apreciar a lua!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Brízida Vaz fez muitos negócios de amores...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Não se estranha que tenha tantos valores!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Foram tantas moças que vendeu...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Inclusive eu!<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Arranjou encontros...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Tramou romances e traições...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Aproximou amantes...<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 E sempre colocou o lucro acima das emoções!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Porisso possuo tantos bens e digo-te que não posso partir sem eles!<<strong>br</strong> />

Teria graça deixar para traz tudo que recebi de meus fregueses?<<strong>br</strong> />

Isso é que não pode ser, pois não posso sair perdendo e assim é que é!<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, ponha logo aqui o pé!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Ui, ui, ui! Eu não! Eu vou é para o Paraíso!<<strong>br</strong> />

DIABO E quem foi que te disse isso?<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Eu sou uma mártir do mundo! Isso é o que eu sou bem no fundo!<<strong>br</strong> />

Quantos açoites tenho levado! Quantos tormentos tenho suportado!<<strong>br</strong> />

É verdade que tive meus ganhos, mas isso não foi mais do que o justo<<strong>br</strong> />

Suportei velhotes mal cheirosos querendo que lhes arranjasse um encontro<<strong>br</strong> />

Suportei o escárnio de muita mulher beata. Me atiraram pedra, pau e lata.<<strong>br</strong> />

Nunca me deixaram entrar em igreja para rezar, nem de <strong>br</strong>incadeira.<<strong>br</strong> />

Permaneci sempre solteira e sempre me condenaram por ser uma alcoviteira!<<strong>br</strong> />

Se agora tivesse eu que ir ao fogo infernal, teria então que para lá ir todo o mundo!<<strong>br</strong> />

Não entro nesta barca, não vou para o fogo imundo!<<strong>br</strong> />

Sofrimento igual ao meu ninguém sofreu igual!<<strong>br</strong> />

Quer saber? Vou para aquela barca ali, que é muito mais Real!<<strong>br</strong> />

(Vai para a barca do Céu) Ô da barca! Há alguém? Estarei eu atrasada?<<strong>br</strong> />

ANJO Mas que voz mais enjoada!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Sou eu, Brízida Vaz!<<strong>br</strong> />

ANJO Não sei o que é que aqui a traz...<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Sou aquela que veio de giolhos! Mas cuidado que trago na cabeça piolhos!<<strong>br</strong> />

Eu sou aquela preciosa. Aquela que cuidava da casa das moças.<<strong>br</strong> />

Aquela que criava as meninas para os cônegos, juízes e diplomatas<<strong>br</strong> />

Deixai-nos embarcar em vossa barca, por caridade<<strong>br</strong> />

Se aquela barca vai para o inferno, esta só pode ir para o céu<<strong>br</strong> />

E quem merecerá o céu mais do que eu que não tenho maldade?<<strong>br</strong> />

Fui em vida uma mártir, uma perseguida, uma seguidora de Jesus<<strong>br</strong> />

Cuidei de tantas meninas, encaminhei-lhes na vida. Essa foi a minha cruz!<<strong>br</strong> />

Eu sou boa! Estas meninas aqui podem confirmar o que digo<<strong>br</strong> />

O que eu lhes ensinei, ninguém mais ensina.<<strong>br</strong> />

Realmente, em vida, eu fiz muitas coisas divinas!<<strong>br</strong> />

ANJO Ora, quanta dissimulação! Vá se danar no inferno! Eis ali a tua embarcação!<<strong>br</strong> />

E deixe de tanto palavrório que isso não convence ninguém!<<strong>br</strong> />

Não vês que está importunando. Vá, vá, vá andando...<<strong>br</strong> />

6


Queime no inferno e que os anjos digam amém!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Mas não percebe que eu estou contando porque deves me levar.<<strong>br</strong> />

Eu preciso entrar na tua barca. O paraíso é que é o meu lugar!<<strong>br</strong> />

ANJO Pois digo-te que pare de importunar! Você aqui não pode entrar!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Não percebes que deves me levar?<<strong>br</strong> />

Onde eu estiver haverá alegria por toda a eternidade!<<strong>br</strong> />

ANJO Você não passa de um barril de falsidade!<<strong>br</strong> />

Não é mártir, nem nunca ajudou nenhuma pessoa!<<strong>br</strong> />

Tranformou meninas em cortesãs, vendeu suas virgindades!<<strong>br</strong> />

Não passas de uma tubaroa!<<strong>br</strong> />

No céu não precisamos de alcoviteiras nem de cafetinas!<<strong>br</strong> />

Vá para o inferno e leve consigo suas meninas!<<strong>br</strong> />

CORTESÃS Mas nós também haveremos de arder no fogo eterno?<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 1 Mas não cafetinamos jamais.<<strong>br</strong> />

CORTESÃ 2 Fomos usadas por ela apenas e nada mais!<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> O quê? Bando de duas co<strong>br</strong>as corais!<<strong>br</strong> />

ANJO Também vocês viveram da maneira mais ordinária<<strong>br</strong> />

Aceitando os designios dessa perdulária!<<strong>br</strong> />

E acostumaram-se aos enfeites que recebiam dos velhos safados<<strong>br</strong> />

Quantos lares por vossa culpa foram arruinados?<<strong>br</strong> />

Fazendo intriga, querendo sempre mais penduricalhos!<<strong>br</strong> />

Viveram na indignidade e agora vêm pedir por caridade!<<strong>br</strong> />

Vão-se todas para a danação que o inferno é o vosso destino<<strong>br</strong> />

E aquela ali a vossa embarcação!<<strong>br</strong> />

DIABO (Canta) Vem, neném, neném vem, neném, neném, vem...<<strong>br</strong> />

BRÍZI<strong>DA</strong> Pois se o céu é assim tão regulado que não nos querem deixar entrar<<strong>br</strong> />

Deve ser <strong>com</strong>o as igrejas que nunca pudemos frequentar!<<strong>br</strong> />

Vamos, meninas. Vamos logo para a danação!<<strong>br</strong> />

Quem sabe seja mais divertido<<strong>br</strong> />

E já que faz tanto calor, poderemos nem usar vestidos<<strong>br</strong> />

Lá trajaremos apenas calção!<<strong>br</strong> />

(Mostram os calções para o Anjo e vão para a barca do inferno)<<strong>br</strong> />

DIABO Venham, minhas senhoras. Aqui vós sois bem recebidas.<<strong>br</strong> />

Já que garantem ter vivido uma santa vida lá fora<<strong>br</strong> />

Verão <strong>com</strong>o há de ser agora!<<strong>br</strong> />

Cena 5 – O Corregedor<<strong>br</strong> />

ANJO O Corregedor!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Ô da barca! Há alguém ou terei que atravessar este rio a nado?<<strong>br</strong> />

DIABO Que quereis quem vem assim tão empapelado?<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Está aqui o senhor juiz?<<strong>br</strong> />

DIABO Oh, po<strong>br</strong>e infeliz! Já não está mais na embarcação <strong>com</strong>o se vê<<strong>br</strong> />

O juiz veio mais cedo que vossa mercê e no fogo do inferno já está a arder.<<strong>br</strong> />

Mas e vós, porque vens tão apressado?<<strong>br</strong> />

Posso saber por que carregas tanto papel amassado?<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R São diplomas e procurações que foram outorgados <strong>com</strong> louvor<<strong>br</strong> />

Sou corregedor, poderoso, influente e doutor!<<strong>br</strong> />

A lei está do meu lado<<strong>br</strong> />

Embarco neste navio, mas aviso que devo ser bem tratato<<strong>br</strong> />

Esses papéis provam o que digo. Exigo muito respeito <strong>com</strong>igo!<<strong>br</strong> />

DIABO Ora, pois então entrai, dileto amigo e senhor da lei.<<strong>br</strong> />

Subi à barca sem mais escarcéu!<<strong>br</strong> />

Já já veremos o que tens escrito aí nesse vosso papel!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R E para onde vai este batel?<<strong>br</strong> />

DIABO Para o inferno partiremos já já!<<strong>br</strong> />

Lá sim é que veremos para quê tanto papel valerá!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Mas <strong>com</strong>o? Ora, que horror!<<strong>br</strong> />

Para a Terra de todos os demos há de ir um corregedor?<<strong>br</strong> />

Pois digo-te que não. Sou um homem da lei e nada temo!<<strong>br</strong> />

DIABO Vais entrando e apanha logo um remo!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Non est de regulae juris, não!<<strong>br</strong> />

7


DIABO Tá, tá, tá, tá! Dê cá a mão!<<strong>br</strong> />

Com a vida de trapaças que, apoiado pela lei, levaste<<strong>br</strong> />

Digo-te que não mereces outra embarção<<strong>br</strong> />

Nasceste para o inferno! Toma logo um remo!<<strong>br</strong> />

Vamos logo para a danação!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Oh! Nunca vi um homem da lei ser recebido <strong>com</strong> tanto desrrespeito!<<strong>br</strong> />

O senhor é um homem de muito peito!<<strong>br</strong> />

Tenho meus papéis e hei de encontrar quem respeite minha posição<<strong>br</strong> />

Vou é para aquela outra embarcação! (Vai até a barca do céu)<<strong>br</strong> />

Ô da barca! Há alguém aí ou terei de atravessar este rio a nado?<<strong>br</strong> />

ANJO Outro que não se enxerga já chega para me pertubar!<<strong>br</strong> />

Já não estou a suportar esse fardo! Pois digo-te que vá outra pessoa amolar!<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Oh! Tenha clemência e leve-me ao Paraíso em Terra tão sonhado!<<strong>br</strong> />

ANJO E acreditas mesmo o Paraíso merecer?<<strong>br</strong> />

Está mesmo certo que não mereces no inferno derreter?<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Mas e meu cargo, posição e pertencsr não hão de pra nada valer?<<strong>br</strong> />

ANJO Ora, tu foste e ainda és um salafrário muito descarado!<<strong>br</strong> />

Pois vá-te retro, arrenegado!<<strong>br</strong> />

Achas mesmo que papéis, títulos e posição<<strong>br</strong> />

Um lugar especial depois da morte te garantirão?<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R E não? Sou um homem da lei!<<strong>br</strong> />

Não posso ser tratado <strong>com</strong>o um vagabundo ou um ladrão!<<strong>br</strong> />

Sempre trabalhei em favor da justiça<<strong>br</strong> />

Para que tudo estivesse dentro da ordem e da premissa!<<strong>br</strong> />

Fiz sempre <strong>com</strong> que os saláfrios pagassem por sua contravenção!<<strong>br</strong> />

ANJO Mentiroso safado! Tu sim é que és um salafrário e um ipró<strong>br</strong>io!<<strong>br</strong> />

Sempre usaste a lei em benefício próprio!<<strong>br</strong> />

Sempre enco<strong>br</strong>indo nos ricos os desmandos, crimes e maldades!<<strong>br</strong> />

E condenando nos po<strong>br</strong>es qualquer simples vadiagem!<<strong>br</strong> />

Sempre na tentativa de tirar vantagem!<<strong>br</strong> />

Sempre recebendo propina e suborno!<<strong>br</strong> />

Sempre de olho nos benefícios que poderia obter em seu entorno!<<strong>br</strong> />

Sempre tirando proveito da lei e da premissa para praticar todo tipo de injustiça!<<strong>br</strong> />

E agora pensas que <strong>com</strong> papéis poderá entrar par o céu?<<strong>br</strong> />

Fique sabendo que a justiça divina é justa e divinal!<<strong>br</strong> />

Serve para todos! Seja corregedor, juiz ou bacharel! Tu vai é ficar ao léu!<<strong>br</strong> />

Vais para o inferno <strong>com</strong> lei, títulos, procuração e todo tipo de papel!<<strong>br</strong> />

DIABO (Canta) Vem, neném, neném vem, neném, neném, vem...<<strong>br</strong> />

CORREGE<strong>DO</strong>R Pois se assim é, vou mesmo para o inferno e vou de bom grado<<strong>br</strong> />

Que não vim aqui para ser humilhado! Entro nessa na barca infernal<<strong>br</strong> />

Mas já vou avisando que sou magistrado. Exijo respeito <strong>com</strong> minha senhoria<<strong>br</strong> />

E não a<strong>br</strong>o mão de por Vossa Excelência ser tratado!<<strong>br</strong> />

DIABO Pois então venha que aqui serás tratado <strong>com</strong>o mereces!<<strong>br</strong> />

Primeiro pegue de um remo, que nem de remar seras poupado<<strong>br</strong> />

E depois, quando ao destino chegarmos, aí então é que serás bem castigado!<<strong>br</strong> />

Cena 6 – Os cavaleiros de Cristo<<strong>br</strong> />

ANJO Os cavaleiros de Cristo!<<strong>br</strong> />

DIABO Hei, hei, hei, cavaleiros... Mas olhe que coisa igual eu nunca vi<<strong>br</strong> />

Vão passando e não perguntam onde é que devem ir?<<strong>br</strong> />

1º CAVALEIRO E vós, Satanás, não pode presumir onde vamos?<<strong>br</strong> />

Olhe bem <strong>com</strong> quem falas, pois sabemos muito bem onde estamos!<<strong>br</strong> />

2º CAVALEIRO Quem pensa que és para assim nos falar?<<strong>br</strong> />

Você sequer nos conhece e já vem querendo nos levar?<<strong>br</strong> />

DIABO Entrem já aqui! Que coisa é essa? Eu não posso entender isto! Omessa!<<strong>br</strong> />

1º CAVALEIRO Mas que conversa é essa? Nâo sou um teu <strong>com</strong>parsa!<<strong>br</strong> />

2º CAVALEIRO Quem morre por Jesus Cristo não entra na tua barca!<<strong>br</strong> />

ANJO Oh, cavaleiros de Deus, a vós estou esperando,<<strong>br</strong> />

que morrestes pelejando por Cristo, Senhor dos Céus!<<strong>br</strong> />

Sois livres de todo mal, mártires da Santa Igreja,<<strong>br</strong> />

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que quem morre em tal peleja, merece paz eternal.<<strong>br</strong> />

Anjo e Cavaleiros entram na barca do céu e partem.<<strong>br</strong> />

Cena 6 – A barca do inferno<<strong>br</strong> />

DIABO Muito bem, macacada! Segurem-se que a viagem é longa<<strong>br</strong> />

Mas nem por isso deixará de ser animada!<<strong>br</strong> />

É hora de partir e agora é que a diversão <strong>com</strong>eça!<<strong>br</strong> />

Mas vamos devagar, não tenham pressa!<<strong>br</strong> />

Vamos <strong>com</strong> calma que a danação é longa<<strong>br</strong> />

Não precisam se apressar, nem se deixem tomar pela ansiedade<<strong>br</strong> />

Vamos lá, rumo ao inferno. E de lá, para toda a eternidade!<<strong>br</strong> />

Partem as barcas.<<strong>br</strong> />

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