16.04.2013 Views

O método cartesiano.pdf

O método cartesiano.pdf

O método cartesiano.pdf

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sãos, estando doentes, ou estar livres, estando na prisão, do que desejamos<br />

ter agora corpos de matéria tão pouco corruptível quanto os diamantes, ou<br />

asas para voar como as aves.<br />

Para a conclusão dessa moral, deliberei passar em revista diversas<br />

ocupações que os homens exercem nesta vida, para procurar escolher a<br />

melhor; e, sem que pretenda dizer nada sobre as dos outros, pensei que o<br />

melhor a fazer seria continuar naquela mesma em que me achava, isto é,<br />

empregar toda a minha vida em cultivar minha razão, e adiantar-me, o mais<br />

que pudesse, no conhecimento da verdade segundo <strong>método</strong> que me<br />

prescrevera. Eu sentira tão extremo contentamento, desde quando começara a<br />

servir-me deste <strong>método</strong>, que não acreditava que, nesta vida, se pudessem<br />

receber mais doces, nem mais inocentes; e, descobrindo todos os dias, por seu<br />

meio, algumas verdades que me parecia assaz importantes e comumente<br />

ignoradas pelos outros homens, a satisfação que isso me dava enchia de tal<br />

modo meu espírito, que tudo mais não me tocava.<br />

Depois de me ter assim assegurado destas máximas, e de as ter posto à<br />

parte, com as verdades da fé, que sempre foram as primeiras na minha crença,<br />

julguei que, quanto a todo o restante de minhas opiniões, podia livremente<br />

tentar desfazer-me delas.<br />

Quarta parte<br />

Não sei se deva falar-vos das primeiras meditações que aí realizei; pois<br />

são tão metafísicas e tão pouco comuns, que não serão, talvez, do gosto de<br />

todo mundo. E todavia, a fim de que se possa julgar se os fundamentos que<br />

escolhi são bastantes firmes, vejo-me de alguma forma, compelido a falar-vos<br />

dela. Assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que<br />

não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, que<br />

porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais<br />

simples matérias de Geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como<br />

falsas, julgando que estava sujeito a falhar como qualquer outro, todas as<br />

razões que eu tomara até então por demonstrações. E enfim, considerando<br />

que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem<br />

também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso que<br />

seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então<br />

haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de<br />

meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim<br />

pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava,<br />

fosse alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão<br />

firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não<br />

seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o<br />

primeiro princípio da Filosofia que procurava.<br />

Compreendi por aí que era uma substancia cuja essência ou natureza<br />

consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar,<br />

nem depende de qualquer coisa material e é inteiramente distinta do corpo e,<br />

mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse,<br />

ela não deixaria de ser tudo o que é.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!