PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO INOCÊNCIA ... - Editora Saraiva
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<strong>PROJETO</strong> <strong>LEITURA</strong> E <strong>DIDATIZAÇÃO</strong><br />
<strong>INOCÊNCIA</strong><br />
VISCONDE DE TAUNAY<br />
Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto<br />
1. Histórias de amor e morte: desfechos trágicos (Leitura 1)<br />
I. Cirino e Inocência: amor e tragédia<br />
II. Tristão e Isolda: um antecedente lendário<br />
III. A morte de Teresa e o sofrimento de Simão Botelho<br />
IV. A morte por amor na poesia romântica brasileira<br />
2. A paisagem sertaneja e o regionalismo romântico brasileiro<br />
(Leitura 2)<br />
I. A descrição do espaço e do homem sertanejos em Inocência<br />
II. O sertão e o sertanejo em José de Alencar<br />
III. Os costumes sertanejos em Bernardo Guimarães<br />
3. Casamentos arranjados e pais sonhadores (Leitura 3)<br />
I. Pereira e a sonhada união de Inocência e Manecão Doca<br />
II. A família Esquina e os planos para Francisca e Daniel<br />
<strong>LEITURA</strong> 1<br />
HISTÓRIAS DE AMOR E MORTE: DESFECHOS TRÁGICOS<br />
A primeira proposta de trabalho com o romance Inocência, de<br />
uma perspectiva dialógica, toma por base o trabalho com textos que<br />
unem as temáticas do amor e da morte. O ponto de partida é o desenlace<br />
da história romântica de Cirino e Inocência, protagonistas do<br />
romance escrito por Visconde de Taunay. Em seguida, propõe-se uma<br />
reflexão em torno do desfecho da célebre narrativa medieval Tristão e<br />
Isolda, procurando identificar os antecedentes literários da temática<br />
romântica dos amantes separados pela morte. A penúltima atividade<br />
trata do final do romance português Amor de perdição, de Camilo<br />
Castelo Branco. Por fim, a primeira unidade se encerra com um<br />
estudo do poema “Se se morre de amor”, de Gonçalves Dias, visando<br />
a enfatizar a recorrência do tema da morte por amor (ou do amor que<br />
conduz tragicamente à morte) no período romântico. Leia os trechos<br />
1
2<br />
com atenção, procurando identificar as relações estabelecidas entre<br />
eles, e reflita sobre as questões propostas.<br />
TEXTO 1<br />
Ficara Cirino estendido de bruços. Reunindo as forças, que se<br />
lhe escapavam com o sangue, voltou-se de costas e prorrompeu em<br />
vociferações contra o inimigo, que o contemplava sardônico.<br />
– Matador!... vil!... sim... conheço Inocência... Ela é minha...<br />
Infame!... Mataste-me... mas mataste também a ela!... Que te fiz eu?...<br />
Deus te há de amaldiçoar... sim, meu Deus, meus santos... maldição<br />
sobre este assassino... Foge, foge... minha sombra há de seguir-te<br />
sempre...<br />
– Melhor, interrompeu Manecão do alto do cavalo, isso mesmo<br />
é o que eu quero.<br />
– Ah! queres? continuou Cirino com voz rouquejante, não é?...<br />
Pois bem!... De noite e de dia... minha alma há de estar contigo... sempre,<br />
sempre!...<br />
Calou-se por um pouco e, revolvendo-se no chão, passou a mão<br />
pela testa. Lentejava-lhe dos poros o suor frio e visguento da morte.<br />
Foi seu rosto abandonando a expressão de rancor; a respiração<br />
tornou-se-lhe mais difícil.<br />
[...]<br />
Quero, quero morrer como cristão... Que me importa agora o<br />
mundo, a vingança... tudo?... só Inocência!... Coitada de Inocência...<br />
Quem sabe... se... ela... não morrerá? Manecão, dá-me água. Água<br />
pelo amor de Deus!... Desce do cavalo, homem... É um defunto que<br />
te pede... Desce!...<br />
E com os braços erguidos acenava para Manecão.<br />
[...]<br />
Inocência, coitadinha...<br />
Exatamente nesse dia fazia dois anos que o seu gentil corpo<br />
fora entregue à terra, no imenso sertão de Sant’Ana do Paranaíba,<br />
para aí dormir o sono da eternidade.<br />
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2009 (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
I. CIRINO E <strong>INOCÊNCIA</strong>: AMOR E TRAGÉDIA<br />
1. O fragmento acima foi extraído das páginas finais do romance<br />
Inocência, de Visconde de Taunay. Com base na leitura, responda<br />
às seguintes questões:<br />
a) De que forma ocorre a morte do protagonista Cirino?<br />
b) Cirino afirma que, possivelmente, após a sua morte, Inocência<br />
também morrerá. Retire do texto dois trechos correspondentes a<br />
essa afirmação.<br />
c) Tomando por base as características gerais do movimento<br />
romântico, como pode ser caracterizado o amor de Cirino e<br />
Inocência?<br />
d) Que atitude tomada por Cirino, na hora da morte, revela seu<br />
caráter de herói romântico idealizado?<br />
3
4<br />
TEXTO 2<br />
Quando Isolda reconheceu o anel de jaspe verde, seu coração<br />
fremiu e sua cor mudou, e, temendo o que ia ouvir, atraiu Kaherdin a<br />
um canto perto de uma janela [...]. Kaherdin disse-lhe simplesmente:<br />
– Senhora, Tristão está ferido por uma espada envenenada e<br />
vai morrer. Manda dizer-vos que só vós podeis lhe dar socorro na sua<br />
aflição. Lembra-vos os grandes sofrimentos e as dores que suportastes<br />
juntos. Guardai este anel, ele vo-lo dá.<br />
[...]<br />
Em Carhaix, Tristão definhava. Desejava a vinda de Isolda. Nada<br />
mais o consolava e, se ainda vivia, era porque esperava.<br />
[...]<br />
Isolda exclamou:<br />
– Ai de mim, desgraçada! Deus não quer que eu viva o bastante<br />
para ver Tristão, meu amigo, uma vez mais, somente uma vez. [...]<br />
Tristão, se eu vos tivesse falado mais uma vez, pouco me importaria<br />
morrer depois. Amigo, se eu não chegar até vós, é porque Deus não o<br />
quer, e é a minha pior dor. Minha morte nada é para mim: já que Deus<br />
a quer, aceito-a; mas, amigo, quando o souberdes, morrereis, bem o<br />
sei. Nosso amor é de tal estofo, que não podeis morrer sem mim, nem<br />
eu sem vós. Vejo nossa morte diante de mim ao mesmo tempo que<br />
a minha. [...] Que Deus nos conceda, amigo, que eu vos cure, ou que<br />
morramos ambos de uma só angústia!<br />
[...]<br />
Tristão virou-se para a parede e disse:<br />
– Não posso reter minha vida por mais tempo.<br />
Disse três vezes: “Isolda, amiga!” Na quarta vez, entregou sua<br />
alma a Deus.<br />
[...]<br />
Isolda, a Loura, desembarcou.<br />
[...]<br />
Em seguida, descobriu um pouco o corpo, estendeu-se junto dele,<br />
em todo o comprimento do seu amigo, beijou-o na boca e no rosto e o<br />
abraçou bem apertado: corpo contra corpo, boca contra boca, assim ela<br />
entregou sua alma. Morreu junto dele, de dor por seu amigo.<br />
BÉDIER, Joseph. O romance de Tristão e Isolda. Trad. Luis Claudio de Castro e<br />
Costa. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.<br />
II. TRISTÃO E ISOLDA: UM ANTECEDENTE LENDÁRIO<br />
2. O fragmento acima foi extraído do capítulo final da história trágica<br />
de Tristão e Isolda. Com base na leitura, responda às questões abaixo:<br />
a) Tristão está ferido e à beira da morte. Mesmo fraco, que sentimento<br />
ainda o prende à vida?<br />
b) Qual é o principal desejo de Isolda ao saber que seu amado está<br />
morrendo?<br />
c) Que concepção de amor está presente no relato dos momentos<br />
finais de Tristão e Isolda?<br />
d) De que modo o desfecho da história de Tristão e Isolda se aproxima<br />
do desenlace do romance Inocência?<br />
TEXTO 3<br />
À meia-noite, estendeu Simão o braço trêmulo ao maço das<br />
cartas que Teresa lhe enviara, e contemplou um pouco a que estava<br />
ao de cima, que era dela. Rompeu a obreia, e dispôs-se no camarote<br />
para alcançar o baço clarão da lâmpada.<br />
Dizia assim a carta:<br />
“É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu.<br />
5
6<br />
A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta carta, se me Deus não<br />
engana, está em descanso.<br />
Eu devia poupar-te a esta última tortura; não devia escrever-te;<br />
mas perdoa à tua esposa do céu a culpa, pela consolação que sinto em<br />
conversar contigo a esta hora, hora final da noite da minha vida.<br />
Quem te diria que eu morri, se não fosse eu mesma, Simão?<br />
Daqui a pouco, perderás da vista este mosteiro; correrás milhares de<br />
léguas, e não acharás, em parte alguma do mundo, voz humana que<br />
te diga: – A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que<br />
te resgate.<br />
[...]<br />
Não vão estas palavras acrescentar a tua pena. Deus me livre de<br />
ajuntar um remorso injusto à tua saudade.<br />
Se eu pudesse ainda ver-te feliz neste mundo; se Deus permitisse<br />
à minha alma esta visão!... Feliz, tu, meu pobre condenado!...<br />
Sem o querer, o meu amor agora te fazia injúria, julgando-te capaz<br />
de felicidade! Tu morrerás de saudade, se o clima do desterro te não<br />
matar ainda antes de sucumbires à dor do espírito.<br />
[...]<br />
Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo,<br />
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.<br />
[...]<br />
Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre de uma agonia<br />
longa. Todas as minhas angústias lhe ofereço em desconto das<br />
tuas culpas. Se algumas impaciências a justiça divina me condena,<br />
oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu<br />
seja perdoada.<br />
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”<br />
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de perdição. São Paulo:<br />
<strong>Saraiva</strong>, 2009. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
III. A MORTE DE TERESA E O SOFRIMENTO DE SIMÃO BOTELHO<br />
3. O trecho acima foi retirado do final do romance Amor de perdição,<br />
de Camilo Castelo Branco, e apresenta a última carta enviada pela personagem<br />
Teresa a seu amado Simão. Com base na leitura, responda<br />
às questões:<br />
a) Qual a intenção de Teresa ao enviar a carta para Simão?<br />
b) A separação do casal será definitiva? Justifique sua resposta levando<br />
em consideração a concepção romântica de amor.<br />
c) Em que medida o desfecho de Amor de perdição se aproxima do<br />
final do romance Inocência?<br />
TEXTO 4<br />
SE SE MORRE DE AMOR<br />
Se se morre de amor! — Não, não se morre,<br />
Quando é fascinação que nos surpreende<br />
De ruidoso sarau entre os festejos;<br />
Quando luzes, calor, orquestra e flores<br />
Assomos de prazer nos raiam n’alma,<br />
Que embelezada e solta em tal ambiente<br />
No que ouve, e no que vê prazer alcança!<br />
[...]<br />
Amor é vida; é ter constantemente<br />
Alma, sentidos, coração — abertos<br />
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,<br />
D’altas virtudes, até capaz de crimes!<br />
Compr’ender o infinito, a imensidade,<br />
E a natureza e Deus; gostar dos campos,<br />
D’aves, flores, murmúrios solitários;<br />
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,<br />
E ter o coração em riso e festa;<br />
E à branda festa, ao riso da nossa alma<br />
Fontes de pranto intercalar sem custo;<br />
Conhecer o prazer e a desventura<br />
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto<br />
O ditoso, o misérrimo dos entes;<br />
7
Isso é amor, e desse amor se morre!<br />
DIAS, Gonçalves. Poesia lírica e indianista. São Paulo: Ática, 2003.<br />
IV. A MORTE POR AMOR NA POESIA ROMÂNTICA BRASILEIRA<br />
4. O texto transcrito consiste em um fragmento do poema “Se se<br />
morre de amor”, de Gonçalves Dias. Com base na leitura, responda<br />
às questões propostas:<br />
a) O eu-lírico afirma que existem dois tipos possíveis de amor.<br />
Identifique-os e caracterize-os.<br />
<strong>LEITURA</strong> 2<br />
A PAISAGEM SERTANEJA E O REGIONALISMO<br />
ROMÂNTICO BRASILEIRO<br />
A segunda proposta de leitura do romance Inocência, de uma<br />
perspectiva dialógica, destaca a caracterização do espaço sertanejo<br />
na obra de Taunay e procura estabelecer relações com dois outros<br />
textos pertencentes à vertente regionalista do Romantismo brasileiro.<br />
O primeiro fragmento foi extraído do capítulo de abertura de<br />
Inocência e apresenta trechos que descrevem a paisagem do interior<br />
do Mato Grosso no século XIX. Em seguida, propõe-se um trabalho<br />
de comparação com passagens selecionadas do primeiro capítulo<br />
do romance O sertanejo, de José de Alencar, no qual são apresentados<br />
elementos característicos do sertão cearense. O tratamento<br />
conferido, pelos escritores românticos, ao espaço e aos costumes<br />
sertanejos poderá ser verificado igualmente na descrição feita por<br />
Bernardo Guimarães, no início do romance O ermitão de Muquém,<br />
das práticas dos romeiros que peregrinavam, pelo interior do Brasil,<br />
em direção a ermidas e locais sagrados. Leia os textos com atenção e<br />
responda às questões propostas no decorrer desta unidade.<br />
8 9<br />
b) Segundo o eu-lírico, qual dos dois tipos de amor é verdadeiro?<br />
Justifique sua resposta e transcreva um verso do poema que a<br />
comprove.<br />
c) De acordo com o poema, é possível morrer de amor? Justifique<br />
sua resposta.<br />
d) Com base nas reflexões sobre o poema, qual dos dois tipos de<br />
amor apresentados pelo eu-lírico está presente nos textos anteriormente<br />
analisados? Explique.
10<br />
TEXTO 5<br />
Ali começa o sertão chamado bruto.<br />
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas,<br />
nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a<br />
frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que<br />
está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada;<br />
por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela<br />
vez primeira.<br />
[...]<br />
Nesses campos, tão diversos pelo matiz das cores, o capim<br />
crescido e ressecado pelo ardor do sol transforma-se em vicejante<br />
tapete de relva, quando lavra o incêndio que algum tropeiro, por<br />
acaso ou mero desenfado, ateia com uma faúlha do seu isqueiro.<br />
Minando à surda na touceira, queda a vívida centelha. Corra<br />
daí a instantes qualquer aragem, por débil que seja, e levanta-se a<br />
língua de fogo esguia e trêmula, como que a contemplar medrosa e<br />
vacilante os espaços imensos que se alongam diante dela. Soprem<br />
então as auras com mais força, e de mil pontos, a um tempo, rebentam<br />
sôfregas labaredas que se enroscam umas nas outras, de<br />
súbito se dividem, deslizam, lambem vastas superfícies, despedem<br />
ao céu rolos de negrejante fumo e voam, roncando pelos matagais<br />
de tabocas e taquaras, até esbarrarem de encontro a alguma margem<br />
de rio que não possam transpor, caso não as tanja para além o<br />
vento, ajudando com valente fôlego a larga obra de destruição.<br />
Acalmado aquele ímpeto por falta de alimento, fica tudo debaixo<br />
de espessa camada de cinzas. O fogo, detido em pontos, aqui,<br />
ali, a consumir com mais lentidão algum estorvo, vai aos poucos<br />
morrendo até se extinguir de todo, deixando como sinal da avassaladora<br />
passagem o alvacento lençol, que lhe foi seguindo os velozes<br />
passos<br />
Através da atmosfera enublada mal pode então coar a luz do<br />
sol. A incineração é completa, o calor intenso, e nos ares revoltos<br />
volitam palhinhas carboretadas, detritos, argueiros e grânulos de<br />
carvão que redemoinham, sobem, descem e se emaranham nos<br />
sorvedouros e adelgaçadas trombas, caprichosamente formadas<br />
pelas aragens, ao embaterem umas de encontro às outras.<br />
Por toda a parte melancolia; de todos os lados tétricas perspectivas.<br />
[...]<br />
Nessas aflitas paragens, não mais se ouve o piar da esquiva<br />
perdiz, tão frequente antes do incêndio. Só de vez em quando<br />
ecoa o arrastado guincho de algum gavião, que paira lá em cima<br />
ou bordeja ao chegar-se à terra, a fim de agarrar um ou outro réptil<br />
chamuscado do fogo que lavrou.<br />
Rompe também o silêncio o grasnido do caracará, que aos<br />
pulos procura insetos e cobrinhas ou, junto ao solo, segue o voo<br />
dos urubus, cujos negrejantes bandos, guiados pelo fino olfato,<br />
buscam a carniça putrefata.<br />
[...]<br />
O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em<br />
geral, família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar<br />
campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos,<br />
despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até<br />
então haja varado.<br />
Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância das viagens<br />
empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes<br />
caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que<br />
transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou<br />
dias e dias a rodeá-los com rara paciência.<br />
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2009 (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
I. A DESCRIÇÃO DO ESPAÇO E DO HOMEM SERTANEJOS EM <strong>INOCÊNCIA</strong><br />
1. O texto transcrito foi extraído do capítulo de abertura do romance<br />
Inocência. Com base no fragmento, responda às seguintes questões:<br />
a) Quais são as características gerais do sertão descrito pelo narrador?<br />
b) Que acontecimento torna a paisagem ainda mais desoladora?<br />
11
12<br />
c) Que elementos da fauna sertaneja estão presentes na descrição?<br />
d) De que modo o sertanejo se relaciona com o espaço que o cerca?<br />
TEXTO 6<br />
Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é<br />
o sertão de minha terra natal.<br />
Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de<br />
cavalo acossa o touro indômito no cerrado mais espesso, e o<br />
derriba pela cauda com admirável destreza.<br />
[...]<br />
A civilização que penetra pelo interior corta os campos de<br />
estradas, e semeia pelo vastíssimo deserto as casa e mais tarde<br />
as povoações.<br />
Não era assim no fim do século passado, quando apenas<br />
se encontravam de longe em longe extensas fazendas, as quais<br />
ocupavam todo o espaço entre as raras freguesias espalhadas<br />
pelo interior da província.<br />
Então o viajante tinha de atravessar grandes distâncias<br />
sem encontrar habitação, que lhe servisse de pousada [...]<br />
A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento,<br />
tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam<br />
aquelas regiões no tempo da seca.<br />
Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta;<br />
dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura,<br />
que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto,<br />
como chamavam poeticamente os indígenas.<br />
[...]<br />
O capim, que outrora cobria a superfície da terra de verde<br />
alcatifa, roído até a raiz pelo dente faminto do animal e triturado<br />
pela pata do gado, ficou reduzido a uma cinza espessa que o<br />
menor bafejo do vento levanta em nuvens pardacentas.<br />
O sol ardentíssimo coa através do mormaço da terra abrasada<br />
uns raios baços que vestem de mortalha lívida e poenta os<br />
esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma<br />
lúgubre procissão de mortos.<br />
[...]<br />
Estes ares, em outras épocas povoados de turbilhões de<br />
pássaros loquazes, cuja brilhante plumagem rutilava aos raios<br />
do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas cortados<br />
pelo voo pesado dos urubus que farejam a carniça.<br />
[...]<br />
Quem pela primeira vez percorre o sertão nessa quadra,<br />
depois de longa seca, sente confranger-se-lhe a alma até os últimos<br />
refolhos em face dessa inanição da vida, desse imenso<br />
holocausto da terra.<br />
ALENCAR, José de. O sertanejo. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, [s.d.]<br />
II. O SERTÃO E O SERTANEJO EM JOSÉ DE ALENCAR<br />
2. O trecho transcrito apresenta o início do romance O sertanejo,<br />
de José de Alencar. Com base no fragmento, responda às questões<br />
abaixo:<br />
a) Quais são as características gerais do sertão descrito pelo narrador?<br />
b) Qual época do ano é mais retratada na descrição? O que ocorre<br />
com a paisagem do sertão nessa época?<br />
13
c) Que elementos da fauna sertaneja estão presentes na descrição?<br />
d) Que semelhanças existem entre a descrição do sertão cearense,<br />
feita por José de Alencar, e a descrição do sertão mato-grossense, feita<br />
pelo Visconde de Taunay?<br />
TEXTO 7<br />
arranchar em um belo sítio nas campinas graciosamente acidentadas<br />
do município do Patrocínio, junto à margem de um ribeirão,<br />
chamado Rio de S. João. A paisagem era enlevadora, o tempo magnífico.<br />
O rio corre escoltado em uma e outra margem por uma orla<br />
de árvores alterosas e da mais formosa ramagem; o rancho está situado<br />
em um delicioso vargedo cerca de duzentos passos de distância<br />
do leito do rio, cujo brando murmúrio... não se ouvia, pois corre<br />
manso e silencioso como a jiboia escorregando sutilmente pela<br />
vereda úmida dos brejos. O tope escuro dos arvoredos destacava-se<br />
vivamente no horizonte inflamado pelos clarões do sol poente.<br />
Enquanto os camaradas tratavam de pensar os animais, e preparava-se<br />
a comida frugal e grosseira, mas suculenta, do viajante nessas<br />
paragens, eu e meus companheiros pendurávamos dos esteios do rancho<br />
a nossa rede, essa companheira inseparável do viandante do sertão,<br />
em cujo seio tanto lhe apraz embalar-se descansando das fadigas da<br />
jornada, e cismando saudades do seu país.<br />
GUIMARÃES, Bernardo. O ermitão de Muquém. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 1967.<br />
III. OS COSTUMES SERTANEJOS EM BERNARDO GUIMARÃES<br />
14 15<br />
As peregrinações devotas ou romarias são de uso imemorial<br />
em todos os países católicos.<br />
[...]<br />
Lá bem longe, no coração dos desertos, em uma das mais<br />
remotas e despovoadas províncias do Império, existe uma das mais<br />
notáveis e concorridas dessas romarias, notável, sobretudo, se atendermos<br />
ao sítio longínquo e às enormes distâncias que os romeiros<br />
têm de percorrer para chegarem ao solitário e triste vale em que se<br />
acha erigida a capelinha de Nossa Senhora da Abadia do Muquém<br />
na província de Goiás, cerca de oitenta léguas ao norte da capital<br />
e a sete léguas da povoação de S. José de Tocantins, à margem de<br />
um pequeno córrego que tem o significativo nome de Córrego das<br />
Lágrimas. Das mais remotas paragens acodem romeiros a essa isolada<br />
capelinha para implorar à santa o alívio de seus padecimentos<br />
e trazer-lhe preciosas oferendas. Durante alguns dias do ano aquele<br />
lôbrego e escuro sítio transforma-se em uma ruidosa e festiva povoação;<br />
o Muquém é sem contestação a romaria mais concorrida e<br />
a mais em voga do interior.<br />
[...]<br />
Viajávamos eu e mais dois companheiros vindos de Goiás, e atravessávamos<br />
a província de Minas com direção à corte; acabávamos de<br />
3. O trecho acima pertence ao início do romance O ermitão de<br />
Muquém, de Bernardo Guimarães. Responda às questões abaixo,<br />
tomando por base a leitura do fragmento:<br />
a) Que aspecto da religiosidade popular é apresentado pelo narrador?<br />
b) Retire do texto expressões que demonstrem que a capela de<br />
Nossa Senhora da Abadia do Muquém ficava em um lugar distante<br />
e de difícil acesso.<br />
c) De acordo com o narrador, quais são as características gerais<br />
do sertão percorrido pelos viajantes? De que modo esses traços se<br />
aproximam das descrições presentes nos fragmentos anteriores?
16<br />
d) Que costumes dos viajantes sertanejos estão presentes na narrativa?<br />
<strong>LEITURA</strong> 3<br />
CASAMENTOS ARRANJADOS E PAIS SONHADORES<br />
Esta última unidade coloca em diálogo fragmentos de romances<br />
que ilustram as antigas práticas dos casamentos por arranjo. Em Inocência,<br />
o zeloso pai da jovem protagonista mostra-se preocupado em<br />
relação ao futuro da filha e a promete em casamento para um homem<br />
rude e grosseiro. O trecho selecionado para comparação foi<br />
extraído do romance As pupilas do senhor reitor, do português Júlio<br />
Dinis; na passagem escolhida, um casal de comerciantes discute<br />
sobre a possibilidade de casar a filha com um jovem médico recémformado.<br />
Leia com atenção os textos e procure traçar um paralelo<br />
entre as situações por eles apresentadas, respondendo às questões<br />
propostas.<br />
TEXTO 7<br />
Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de<br />
quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo<br />
de difícil explicação.<br />
[...]<br />
– Vejo, disse ele com algum acanhamento, que o doutor não<br />
é nenhum pé-rapado, mas nunca é bom facilitar... E já que não há<br />
outro remédio, vou dizer-lhe todos os meus segredos... Não metem<br />
vergonha a ninguém, com o favor de Deus; mas em negócios da<br />
minha casa não gosto de bater língua... Minha filha Nocência fez 18<br />
anos pelo Natal, e é rapariga que pela feição parece moça de cidade,<br />
muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada,<br />
foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões. Tenho outro filho, este<br />
um latagão, barbudo e grosso que está trabalhando agora em porcadas<br />
para as bandas do Rio.<br />
– Ora muito que bem, continuou Pereira caindo aos poucos<br />
na habitual garrulice, quando vi a menina tomar corpo, tratei logo<br />
de casá-la.<br />
– Ah! é casada? perguntou Cirino.<br />
– Isto é, é e não é. A coisa está apalavrada. Por aqui costuma labutar<br />
no costeio do gado para São Paulo um homem de mão-cheia, que<br />
talvez o Sr. conheça... o Manecão Doca...<br />
– Não, respondeu Cirino abanando a cabeça.<br />
– Pois isso é um homem às direitas, desempenado e trabucador<br />
como ele só... fura estes sertões todos e vem tangendo pontes de gado<br />
que metem pasmo. Também dizem que tem bichado muito e ajuntado<br />
cobre grosso, o que é possível, porque não é gastador nem dado a<br />
mulheres. Uma feita que estava aqui de pousada... olhe, mesmo neste<br />
lugar onde estava mecê inda agorinha, falei-lhe em casamento... isto é,<br />
dei-lhe uns toques... porque os pais devem tomar isso a si para bem de<br />
suas famílias; não acha?<br />
– Boa dúvida, aprovou Cirino, dou-lhe toda a razão; era do<br />
seu dever.<br />
– Pois bem, o Manecão ficou ansim meio em dúvida; mas<br />
quando lhe mostrei a pequena, foi outra cantiga... Ah! também é<br />
uma menina!...<br />
[...]<br />
– Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não<br />
tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair<br />
nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih,<br />
meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas<br />
de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto<br />
solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se<br />
aguente, quando a tiver por sua...<br />
17
[...]<br />
Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é em geral corrente<br />
nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática,<br />
além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento<br />
convencionado entre parentes muito chegados para filhos<br />
de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos,<br />
mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre<br />
pessoa da família e algum estranho.<br />
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2009 (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
I. PEREIRA E A SONHADA UNIÃO DE <strong>INOCÊNCIA</strong> E MANECÃO DOCA<br />
1. O trecho acima foi extraído do capítulo V do romance Inocência.<br />
Com base na leitura, responda às questões a seguir:<br />
a) Qual era a principal preocupação de Pereira em relação à filha?<br />
b) Que critérios levaram Pereira a eleger Manecão Doca como o<br />
futuro marido de Inocência?<br />
18 19<br />
c) Por que Pereira considerava tão importante pensar no casamento<br />
da filha?<br />
d) Que visão a respeito das mulheres está presente na opinião de<br />
Pereira sobre o casamento de Inocência?<br />
TEXTO 8<br />
No dia seguinte, Daniel voltou. A família Esquina, até sem exceção<br />
do elemento masculino, sorriu-lhe cordialmente.<br />
O que fizera esquecer assim ao tendeiro as suas negras apreensões,<br />
e abrira em sorrisos aqueles sobrecenhos da véspera?<br />
[...]<br />
Foi o caso que, na véspera, depois que Daniel se retirou, a menina<br />
Francisca, ainda pensativa e enleada, veio à janela para o ver passar, e ao<br />
perdê-lo de vista, retirou-se suspirando.<br />
Este suspiro entrou pelos ouvidos da mãe, a qual chegava à sala<br />
naquela ocasião.<br />
A Sr.ª Teresa teve uma ideia.<br />
[...]<br />
– Tem umas maneiras muito bonitas este rapaz — disse ela, fixando<br />
na filha o olhar mais investigador que tinha à sua disposição.<br />
[...]<br />
– E não lhe hão de faltar bons casamentos, a esse rapaz.<br />
– Não – dizia a filha.<br />
[...]<br />
– E por que não o hás de tu ter, menina? – acrescentou ela, em<br />
tom mais baixo e insinuante.<br />
– Eu?<br />
– Tu, sim, por que não? Para que gastou teu pai contigo, a mandar-te<br />
aprender os verbos, senão para poderes agora mostrar o que és,<br />
e diferençar-te das outras?<br />
[...] Por isso, menina, não deixes perder a ocasião. Acredita que<br />
darás muito gosto a teus pais, se...<br />
[...]<br />
– Se?... perguntou a filha, e foi este de todos os monossílabos, que<br />
até ali tinha soltado, o mais embaraçoso para a mãe.<br />
– Se... sim... quero eu dizer, que eu e o teu pais não levaríamos<br />
mal se... um dia o Sr. Daniel nos viesse pedir a tua mão.<br />
[...]<br />
A Sr.ª Teresa passou à loja, onde estava o marido.<br />
– Ó João, olha que nós temos de conversar – disse-lhe ela, sentando-se<br />
ao pé do mostrador.<br />
[...]<br />
– Mas ouve. Essa visita de Daniel do Dornas não te deu o que<br />
pensar?<br />
[...]<br />
– Que idade tem o Daniel?<br />
– Eu sei lá?<br />
– Vinte e tantos anos, vá. E que idade tem a Chica?<br />
– Ela nasceu logo depois do cerco...
– Faz vinte anos para setembro.<br />
– E daí?<br />
– E daí? E quanto virá herdar o Daniel por morte do pais?<br />
– Eu te digo... para cima de trinta mil cruzados, não<br />
falando em...<br />
– E ainda perguntas: “E daí?”.<br />
João da Esquina olhou para a mulher significativamente, e não<br />
deu palavra. Tinham-se compreendido os dois.<br />
Passados momentos, murmurou o homem:<br />
– Olha que não era mau, se...<br />
[...]<br />
É certo que eles se compreenderam assim, e largas horas ficaram<br />
discutindo os teres e haveres de Daniel, e as probabilidades e vantagens<br />
de uma união entre a casa dos Esquina e a dos Dornas, as quais, com<br />
os anos, podiam fornecer sofríveis elementos para a confecção de um<br />
brasão heráldico.<br />
[...]<br />
Conspirados assim os dois, sentiam-se radiosos de esperanças no<br />
futuro.<br />
DINIS, Júlio. As pupilas do senhor reitor. São Paulo: Ática, 1998.<br />
II. A FAMíLIA ESQUINA E OS PLANOS PARA FRANCISCA E DANIEL<br />
d) Que semelhanças e diferenças podem ser identificadas entre os<br />
fragmentos dos romances de Júlio Dinis e Visconde de Taunay?<br />
PESQUISE E POSICIONE-SE<br />
O romance Inocência, obra regionalista escrita pelo Visconde<br />
de Taunay, retrata a vida e os costumes no interior do Mato Grosso,<br />
no século XIX. Com base no estudo realizado a respeito da obra,<br />
reflita sobre as questões propostas a seguir.<br />
• Ao retratar a vida em uma região afastada dos grandes<br />
centros urbanos, o romance mostra a vulnerabilidade dos<br />
moradores a doenças graves, como a malária e a lepra. Pesquise<br />
em que medida, ainda hoje, os habitantes de regiões<br />
distantes das grandes metrópoles ainda sofrem com a falta de<br />
tratamento médico adequado.<br />
20 21<br />
2. O trecho acima foi extraído do romance As pupilas do senhor reitor,<br />
escrito pelo português Júlio Dinis. Após a leitura, responda às questões<br />
propostas:<br />
a) Que qualidades do jovem Daniel são levadas em conta pela família<br />
Esquina ao planejar o casamento de Francisca?<br />
b) Que argumentos Teresa apresenta para a filha, em defesa da possibilidade<br />
de casamento com o médico?<br />
c) Do ponto de vista dos pais de Francisca, que vantagens haveria no<br />
casamento da filha com Daniel?<br />
• O protagonista Cirino percorria o sertão e curava os<br />
doentes de suas enfermidades, mas não era formado em medicina.<br />
A formação precária de profissionais pode colocar a<br />
vida dos pacientes em risco? Pesquise e relate casos atuais em<br />
que amadores exerciam a medicina sem a devida formação.<br />
Que riscos e consequências estão envolvidos nessa prática?<br />
• O amor entre Inocência e Cirino era forte a ponto de<br />
desafiar a morte. Você acredita na existência do chamado<br />
“amor verdadeiro”, eterno e capaz de vencer todos os obstáculos?<br />
Em que medida essa concepção amorosa é uma idealização<br />
romântica?<br />
• Inocência fora prometida pelo pai em casamento. A<br />
moça deveria, ainda que contra a própria vontade, unir-se ao<br />
rude Manecão Doca. Os pais ainda hoje exercem influência sobre<br />
a vida amorosa ou sobre o futuro profissional dos filhos?<br />
Justifique sua resposta.