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História Falada - Memória, Rede e Mudança Social - Imprensa Oficial

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46<br />

Nicolau Sevcenko A palavra e o reencantamento do mundo<br />

Só muito recentemente é que pesquisadores, adotando<br />

perspectivas radicalmente inovadoras, tentaram reverter esse<br />

quadro. Estudaram as características da cultura oral tentando<br />

compreender sua enorme riqueza e como ela foi brutalmente<br />

sufocada pelo poder da escrita, causando a perda desse patrimônio<br />

para a cultura de toda a humanidade.<br />

É a partir desse ponto, nos anos 60/70, com teóricos como<br />

Marshall Mcluhan e muitos outros, que teve início o levantamento<br />

das características e conteúdos das culturas orais e da<br />

sua exuberante riqueza mítico-poética, assim como de sua<br />

ampla difusão em escala mundial. Temos nessa mesma linha,<br />

estudos de pesquisadores brasileiros, como os da professora<br />

Jerusa Pires Ferreira, demonstrando por exemplo que um dos<br />

mitos centrais da nossa cultura, o do Pavão Misterioso, na<br />

verdade é um mito de origem siberiana que chegou ao nordeste<br />

do Brasil via Península Ibérica, via Portugal. Essa é a magnitude<br />

da cultura oral, que já era global antes de a cultura escrita<br />

assumir esse papel. O que se faz hoje é exatamente o inverso do<br />

enfoque tradicional. Tenta-se resgatar esse valor, esse patrimônio,<br />

e dele usufruir em benefício do alargamento dos nossos<br />

tesouros culturais.<br />

O que há em comum entre todos os temas desse bloco, é a<br />

ênfase na questão da fragmentação, dos cacos a que foi<br />

reduzida a cultura popular, seja pela dimensão negra, pela<br />

dimensão indígena ou ainda pela dimensão ampla e difusa do<br />

povo de todo o Brasil. E o que é essa redução a cacos, a<br />

fragmentos? É o desencantamento do mundo. E do que essas<br />

criaturas vieram falar aqui, senão de uma busca do reencontro<br />

dessa comunhão entre todas as partes e gentes, e de nós com<br />

todas elas? Acho que a mensagem é dita aqui de forma, alta e<br />

clara, curta e grossa, em ritmo e em prosa, mostrando a força da<br />

palavra como o cimento que incorpora a nossa disposição<br />

afetiva de recompor os cacos, de reencontrar o mundo, de<br />

reencontrar o alumbramento de todas as coisas e de tentar,<br />

assim, construir uma nova oralidade que substitua essa globalização<br />

que é abstrata, que acentua desigualdades, que acentua a

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