História Falada - Memória, Rede e Mudança Social - Imprensa Oficial
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Nicolau Sevcenko A palavra e o reencantamento do mundo<br />
Só muito recentemente é que pesquisadores, adotando<br />
perspectivas radicalmente inovadoras, tentaram reverter esse<br />
quadro. Estudaram as características da cultura oral tentando<br />
compreender sua enorme riqueza e como ela foi brutalmente<br />
sufocada pelo poder da escrita, causando a perda desse patrimônio<br />
para a cultura de toda a humanidade.<br />
É a partir desse ponto, nos anos 60/70, com teóricos como<br />
Marshall Mcluhan e muitos outros, que teve início o levantamento<br />
das características e conteúdos das culturas orais e da<br />
sua exuberante riqueza mítico-poética, assim como de sua<br />
ampla difusão em escala mundial. Temos nessa mesma linha,<br />
estudos de pesquisadores brasileiros, como os da professora<br />
Jerusa Pires Ferreira, demonstrando por exemplo que um dos<br />
mitos centrais da nossa cultura, o do Pavão Misterioso, na<br />
verdade é um mito de origem siberiana que chegou ao nordeste<br />
do Brasil via Península Ibérica, via Portugal. Essa é a magnitude<br />
da cultura oral, que já era global antes de a cultura escrita<br />
assumir esse papel. O que se faz hoje é exatamente o inverso do<br />
enfoque tradicional. Tenta-se resgatar esse valor, esse patrimônio,<br />
e dele usufruir em benefício do alargamento dos nossos<br />
tesouros culturais.<br />
O que há em comum entre todos os temas desse bloco, é a<br />
ênfase na questão da fragmentação, dos cacos a que foi<br />
reduzida a cultura popular, seja pela dimensão negra, pela<br />
dimensão indígena ou ainda pela dimensão ampla e difusa do<br />
povo de todo o Brasil. E o que é essa redução a cacos, a<br />
fragmentos? É o desencantamento do mundo. E do que essas<br />
criaturas vieram falar aqui, senão de uma busca do reencontro<br />
dessa comunhão entre todas as partes e gentes, e de nós com<br />
todas elas? Acho que a mensagem é dita aqui de forma, alta e<br />
clara, curta e grossa, em ritmo e em prosa, mostrando a força da<br />
palavra como o cimento que incorpora a nossa disposição<br />
afetiva de recompor os cacos, de reencontrar o mundo, de<br />
reencontrar o alumbramento de todas as coisas e de tentar,<br />
assim, construir uma nova oralidade que substitua essa globalização<br />
que é abstrata, que acentua desigualdades, que acentua a