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EDITORIAL<br />

Há dias fui convidada, enquanto presidente da CNASTI, para participar num<br />

conhecido programa de televisão, no dia em que se assinalava o Dia Mundial<br />

Contra o Trabalho Infantil – 12 de Junho, este ano dedicado aos 150 milhões<br />

de crianças que, em todo o Mundo, trabalham na Agricultura.<br />

Nesse programa os telespectadores podem questionar ou comentar as<br />

opiniões expressas pela pessoa convidada. E foi a propósito desta participação<br />

que dei comigo a pensar que as mesmas palavras, mesmo usadas em<br />

igual contexto, podem ter significados diferentes para as diversas pessoas,<br />

de acordo com a sua idade, situação social, cultura, experiência de vida, etc…<br />

Sendo isto óbvio, e talvez por isso mesmo, todos nós o esquecemos sempre<br />

que “comunicamos uns com os outros”.<br />

é o que acontece com a expressão “Trabalho Infantil”. A generalidade<br />

E dos intervenientes no tal programa, confundiam o trabalho das crianças<br />

no seio das famílias, seja na agricultura ou nas tarefas domésticas, com o<br />

trabalho/exploração de crianças feito por conta de outrem, na construção<br />

civil, em oficinas de automóveis, em serrações, nas confecções ou quando<br />

o trabalho é levado por intermediários para o domicílio, onde todos traba-<br />

lham e as crianças também, a coser ou a colar calçado, trabalho este pago<br />

miseravelmente.<br />

Também veio à “baila” o Trabalho Infantil Artístico, que embora regulamentado<br />

– legalizado, e melhor remunerado, coloca a necessidade de ser<br />

fiscalizado. Tal como nós suspeitávamos e disso demos público conhecimento,<br />

pudemos ler há dias num jornal diário o resultado das inspecções realizadas<br />

pela I.G.T. durante os meses de Janeiro a Maio do corrente ano, no seguimento<br />

dos quais foram levantados 15 autos por irregularidades diversas.<br />

Resta esperar – desejar que o trabalho realizado pela I.G.T. não seja<br />

anulado por qualquer decisão judicial mais ou menos “vesga”. Mas,<br />

não menos preocupante foi o facto de alguns dos intervenientes, serem<br />

reformados e valorizaram muito as suas experiências de vida profissional<br />

iniciadas com 11,12 ou 13 anos como exemplo a seguir e como resposta a<br />

alguns problemas sociais dos nossos dias. Este “estilo” hoje não é praticável,<br />

felizmente, acrescento eu.<br />

Hoje é fundamental que as crianças estudem, façam as suas aprendizagens<br />

de acordo com as suas apetências e, quando iniciarem<br />

a sua actividade profissional, já tenham adquirido as competências<br />

necessárias e estejam abertas as outras formações e aprendizagens ao<br />

longo da vida.<br />

Trabalho Infantil<br />

Artístico já é<br />

preocupação nacional<br />

A CNASTI trouxe para a Agenda Nacional a problemática<br />

do Trabalho Infantil Artístico. A Inspecção<br />

Geral do Trabalho está mais atenta, a Imprensa fala<br />

do assunto e a sociedade começa a ficar alerta para a<br />

exploração do Trabalho de Crianças na Moda, nos Espectáculos,<br />

na Televisão, na Publicidade e no Circo.<br />

A Luta contra o Trabalho Infantil ao alcance de um clique: www.<strong>cnasti</strong>.pt


Notícias Breves<br />

SPZN associado da CNASTI<br />

O Sindicato dos Professores da Zona Norte, SPZN, é novo<br />

associado colectivo da CNASTI. A adesão foi feita na Assembleia-Geral<br />

realizada no dia 5 de Maio, em Braga.<br />

Dando continuidade a um dos objectivos do seu Plano de<br />

Acção para 2007, a CNASTI reforça assim o seu potencial<br />

humano e material no combate ao trabalho infantil.<br />

Nesta mesma Assembleia foi apresentada e aprovada<br />

uma proposta de quota mínima para os associados colectivos<br />

e individuais.<br />

Campanha Global pela Educação<br />

“Unidos pelo direito à Educação”<br />

No âmbito da Semana de Acção Mundial da Campanha<br />

Global pela Educação, a CNASTI, promoveu uma conferência<br />

de imprensa para revelar informações sobre a<br />

campanha em Portugal.<br />

A campanha, organizada por dezenas de Organizações<br />

Não Governamentais de todo o mundo, conta em Portugal<br />

com a parceria da CNASTI.<br />

Com o lema “Unidos pelo direito à educação”, um pouco por<br />

todo o mundo, foram organizadas marchas, concentrações e<br />

exposições, envolvendo crianças, pais, escolas e professores.<br />

O tema desta Semana foi “O Direito à Educação como um<br />

Direito Humano”, que está já considerado na Declaração dos<br />

Direitos Humanos das Nações Unidas.<br />

Contudo, tanto em Portugal como no resto do mundo,<br />

este direito não tem sido respeitado na sua plenitude. No<br />

Mundo, pelo menos 80 milhões de crianças não vão à escola.<br />

Embora sem números certos, sabemos que muitos mais<br />

abandonaram a escola antes de terminar o 1º Ciclo.<br />

CNASTI colabora com Agrupamento de<br />

Escolas da Vila de Celorico de Basto<br />

Partindo de uma proposta de voluntariado na CNASTI,<br />

está a ser pensada e preparada uma iniciativa com a CPCJ<br />

– Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco<br />

de Celorico de Basto, de que daremos conta em próximas<br />

edições do Boletim.<br />

Entretanto, fruto dos vários contactos realizados, a<br />

Exposição “Trabalho Infantil – Infância Roubada” está<br />

patente na sede do Agrupamento de Escolas da Vila de<br />

Celorico de Basto, por ocasião das actividades de final de<br />

ano lectivo, local onde se pretende também promover<br />

iniciativas de sensibilização de várias temáticas ligadas<br />

com a exploração de mão de obra infantil.<br />

Linha Verde da CNASTI – 800 20 20 76<br />

– promove a participação dos cidadãos<br />

A Linha Verde da CNASTI continua a ter o seu papel e a<br />

sua razão de existir.<br />

Tendo em conta os objectivos: proporcionar uma participação<br />

activa, da população em geral, no combate<br />

a este problema; a denuncía de casos de exploração<br />

de mão-de-obra infantil, salvaguardando a identidade<br />

da pessoa que denuncia; a tomada de consciência da<br />

realidade do problema, no nosso país e no mundo;<br />

disponibilizar a informação possível sobre esta matéria<br />

e o encaminhamento dos casos conhecidos para as<br />

entidades competentes, esta Linha mantém-se activa e<br />

disponível para a população poderem participar as situações<br />

que conhecem, contribuindo, dessa forma, para<br />

a minimização dos efeitos perversos que esta realidade<br />

provoca nas crianças e na sociedade em geral.<br />

Filme sobre Trabalho Infantil premiado em<br />

Vila do Conde<br />

O Festival Internacional<br />

de Curtas-Metragens<br />

de Vila do Conde terminou<br />

com a atribuição do<br />

Grande Prémio Cidade<br />

de Vila Nova do Conde<br />

a “Capitalism: Child Labor”,<br />

uma obra sobre o trabalho de crianças feita pelo<br />

realizador americano Ken Jacobs.<br />

Directora: Ana Maria Oliveira Mesquita | Redacção: Avelino Pereira, José Maria C. Costa e Emília Monteiro<br />

Colaboraram neste número: Fátima Pinto, Fernando Coelho<br />

Propriedade: CNASTI – Confederação Nacional de Acção Sobre Trabalho Infantil<br />

Número de Pessoa Colectiva: 503 247 537 | Redacção e Administração: Rua do Raio, n.º 301, Edifício do Rechicho, 3.º Andar, Sala 24<br />

4710-923 Braga Tel: 253 265 197 – Fax: 253 268 817 E-mail: boletim@<strong>cnasti</strong>.pt | Internet: www.<strong>cnasti</strong>.pt<br />

Periodicidade: Trimestral | Tiragem deste número: 1.000 Exemplares | Assinatura anual: € 5 - € 10 assinatura de solidariedade<br />

Registo no ICS: 124029 · Depósito legal: 181329/02 · ISBN: 972-8157-78-9<br />

Execução gráfica: Oficina S. José - Braga · Telef.: 253 609 100 · oficina.s.jose@bragatel.pt<br />

Para Além do Pôr do Sol 2


TRABALHO INFANTIL<br />

NAS ARTES E ESPECTÁCULOS<br />

Página da Criança<br />

Na 6.ª Assembleia de Crianças organizada pela CNASTI, desta vez, sobre o “Trabalho Infantil nas Artes e<br />

Espectáculos” as conclusões dos participantes foram reveladoras de que as crianças estão atentas ao que as<br />

rodeia.<br />

A Pousada da Juventude de São Pedro do Sul foi o<br />

local escolhido pela CNASTI – Confederação Nacional de<br />

Acção Sobre Trabalho Infantil, para debater o trabalho<br />

das crianças nas Artes e Espectáculos.<br />

Durante os três dias do encontro, as cerca de 50<br />

crianças, oriundas de vários pontos do país, analisaram<br />

o trabalho infantil nas Artes e Espectáculos e ainda a<br />

Convenção sobre os Direitos da Criança.<br />

Para a organização, esta Assembleia foi a mais representativa<br />

da realidade nacional porque contou com<br />

jovens provenientes de norte a sul de Portugal e de várias<br />

realidades socio-económicas.<br />

Segundo Fátima Pinto, vice-presidente da CNASTI, «os<br />

objectivos da Assembleia foram plenamente atingidos<br />

quer pelo nível das reflexões quer pelas conclusões dos<br />

grupos».<br />

As conclusões deste encontro serão apresentadas no<br />

Encontro Nacional sobre Trabalho Infantil Artístico, que<br />

se vai realizar em Lisboa no próximo mês de Outubro.<br />

No primeiro dia de trabalho, os jovens, divididos<br />

por grupos, apresentaram as conclusões dos debates<br />

realizados durante a manhã. As actividades pretendiam<br />

estimular a reflexão sobre as carreiras profissionais que<br />

as crianças desempenham no mundo a artes.<br />

Foi muito consensual aos grupos a condenação do<br />

trabalho infantil no mundo artístico devido à falta de<br />

tempo para a família e amigos e o abandono escolar<br />

gerado pelo trabalho.<br />

Vários grupos concluíram que as crianças poderão<br />

participar no trabalho artístico desde que os contratos<br />

de trabalho cumpram a legislação em vigor no país,<br />

que proíbe a sobrecarga laboral, e que não prejudique<br />

a vida escolar. A perda da privacidade e influência que<br />

essa situação poderá ter no desenvolvimento afectivoemocional<br />

das crianças e jovens também foi assinalado<br />

pelos participantes da Assembleia.<br />

“Melhoria da auto-estima, melhoria das capacidades<br />

cognitivas (nomeadamente, a memória), relacionamento<br />

interpessoal, maior incentivo à socialização, e monetariamente<br />

aliciante!”<br />

Estes foram os pontos positivos apresentados pelos<br />

participantes em “defesa” do Trabalho Infantil Artístico.<br />

Meia centena de crianças analisaram o trabalho artístico<br />

Alguns grupos evidenciaram a importância da educação,<br />

mas de forma a garantir um futuro profissional<br />

fora do meio artístico, caso a carreira nas artes não seja<br />

bem sucedida. Para muitos dos jovens presentes trabalhar<br />

no mundo artístico constitui um futuro promissor,<br />

conjugado com o reconhecimento público e salários<br />

elevados.<br />

No último dia da Assembleia, os jovens analisaram<br />

a Convenção sobre os Direitos da Criança, e apresentaram<br />

a sua opinião sobre o tema. Um dos grupos<br />

salientou a contradição entre as obrigações do Estado<br />

na protecção às crianças e a realidade da sociedade. Os<br />

jovens também consideram essencial a protecção das<br />

crianças pelo Estado quando os pais não cumprem as<br />

suas obrigações.<br />

Os jovens consideram que a Convenção sobre os Direitos<br />

da Criança é importante, contudo peca pela falta<br />

de aplicação em muitos países.<br />

3 Para Além do Pôr do Sol


Actualidade<br />

HISTÓRIA DE VIDA<br />

Nunca é tarde para uma oportunidade<br />

A desigualdade de oportunidades na educação coloca<br />

os indivíduos em posições diferenciadas na grelha de<br />

partida para a vida activa. Daí, a necessidade de correcção<br />

de trajectória para dar novas oportunidades àqueles<br />

a quem não foram proporcionadas as oportunidades a<br />

que tinham direito.<br />

Sabemos que as oportunidades proporcionadas (ou<br />

Regressar à Escola é possível<br />

não) na infância marcam o futuro de cada um. E, quantas<br />

vezes, entre um percurso de sucesso e um percurso de<br />

insucesso, a separá-los, existe apenas um fio de arame<br />

(quando não o acaso) a sustentar a diferença, por isso, tal<br />

como na vida, em educação nada é definitivo.<br />

Vou contar-vos a história de sucesso de um jovem que<br />

no âmbito da intervenção do PETI – Programa para Prevenção<br />

e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil,<br />

frequentou o PIEF–Programa Integrado de Educação e<br />

Formação e viu surgir a tal oportunidade que o colocou<br />

em igualdade de circunstâncias com os seus pares no<br />

acesso à formação e ao mercado do trabalho.<br />

É a narrativa de vida do jovem André (nome fictício),<br />

natural de uma freguesia do Alto Minho que, abandonado<br />

na família e na escola acabou, num gesto de revolta,<br />

por abandonar a escola para, noutro lugar, procurar o<br />

caminho que desse sentido à sua vida e o ajudasse a<br />

ultrapassar as dificuldades mais prementes e, a partir<br />

daí, reunir forças e condições para a construção de um<br />

projecto de vida.<br />

Depois de muitas peripécias, trabalhos e aventuras,<br />

o André acabou a frequentar o PIEF, a partir da qual reconfigurou<br />

o seu percurso de vida e transformou a sua<br />

história de insucesso escolar num percurso de sucesso,<br />

torceu o destino e veio confirmar que quando as oportunidades<br />

proporcionadas são adequadas às necessidades<br />

dos destinatários, o sabor amargo do insucesso dá lugar<br />

à alegre satisfação da realização pessoal e à elevação da<br />

auto-estima.<br />

A história do André<br />

O André, era uma criança de 14 anos quando no ano<br />

de 2004, foi sinalizado ao PETI pelo estabelecimento de<br />

ensino de matrícula, por se encontrar em situação de abandono<br />

escolar e possuir apenas o 5º ano de escolaridade.<br />

Após a sinalização, numa visita domiciliária para<br />

diagnóstico da situação, as técnicas do PETI constataram<br />

que o André era filho de mãe solteira e de pai incógnito,<br />

vivia com os avós maternos, encontrava-se a trabalhar e<br />

tinha uma existência de grandes carências económicas<br />

que verbalizava e apresentava como justificação para o<br />

seu abandono escolar: não podia acompanhar nem vestir-se<br />

como os demais colegas. E acrescentava: “na escola<br />

ninguém me dava atenção, não andava ali a fazer nada”.<br />

Já sabia, cada ano que passava, era mais um “chumbo” a<br />

somar aos outros.<br />

Na verdade, a casa dos avós não tinha um mínimo de<br />

condições para o André crescer e viver de forma saudável.<br />

Como não tinha quarto para dormir, dormia num anexo<br />

sem as condições mínimas de conforto.<br />

A tal situação de carência foram sensíveis as técnicas<br />

Para Além do Pôr do Sol 4


do PETI que, em colaboração com uma técnica da Segurança<br />

Social, aprofundaram o estudo do caso e chegaram<br />

a um diagnóstico sócio-familiar que evidenciava sérias<br />

dificuldades para a sobrevivência com um mínimo de<br />

dignidade do agregado.<br />

O caso do André não era um simples caso de abandono<br />

escolar mas, isso sim, um caso de exploração de<br />

trabalho infantil, de características e contornos muito<br />

especiais: trabalhava num circo onde desempenhava<br />

funções de ordem e competências variadas: era palhaço,<br />

cuspidor de fogo, tratador de animais e até tinha um<br />

nome artístico: “Tinóni”.<br />

Mas não ficavam por aqui as tarefas e as competências<br />

do André. Além de artista de circo realizava trabalhos<br />

agrícolas. Dos trabalhos de poda até à condução de um<br />

tractor, para sobreviver e ajudar os avós, de tudo fazia.<br />

Mas o André tinha um sonho. Queria acabar a escolaridade<br />

básica para um dia ser mecânico de automóveis.<br />

Concretizar um sonho<br />

Era um rapaz educado e traquinas como as crianças<br />

da sua idade. Mas era como um homem adulto no<br />

voluntarismo e responsabilidades, nos afazeres e no<br />

sofrimento.<br />

Para brincar e fazer amigos não tinha tempo, o seu<br />

tempo precisava dele, ora para fazer rir e divertir os<br />

outros, ora para os árduos trabalhos do campo e o tratamento<br />

dos animais, esses sim os seus amigos, a quem<br />

falava e confessava os seus sonhos.<br />

A poda era dura e o tractor coisa séria. Não era para qualquer<br />

um. O André é que sabia e aos outros lá da escola nem<br />

lhes passava pela cabeça as coisas que ele sabia e fazia.<br />

Ler e fazer contas, até gostava mas, isso nem o vestia<br />

e calçava e, sobretudo não enchia a barriga. E nos seus<br />

desabafos comentava: “quem trabalha precisa de comer<br />

Actualidade<br />

para ter força, ai isso é que precisa…”<br />

O André tinha um sonho: ser mecânico de automóveis.<br />

E com o sonho, através da medida PIEF voltou a escola,<br />

mas continuava a ter necessidade de trabalhar para fazer<br />

face às suas necessidades, quando precisava de adquirir<br />

algum bem.<br />

-“É que a vida é difícil e se eu não ganhar, vou roubar”?<br />

Funcionaram bem as parcerias estabelecidas pelo<br />

PETI: A autarquia assegurava o transporte de casa à escola,<br />

a Segurança Social atribuiu um subsídio aos avós,<br />

enquanto o André permanecesse na escola. O PETI atribuiu-lhe<br />

uma bolsa de apoio aos estudos que transformava<br />

em géneros alimentares e vestuário, e o seu quarto,<br />

um anexo sem condições, foi mobilado pela Segurança<br />

Social; uma cómoda para a roupa, e uma televisão para<br />

distrair. Foi a prenda que, no regresso a casa, depois da<br />

escola, lhe fazia companhia, mostrava outros mundos e<br />

ajudava-o a alimentar os sonhos.<br />

O André era um jovem inteligente, apresentava variadíssimas<br />

competências e grande capacidade de trabalho.<br />

Era um rapaz afável, afectivo e capaz de mobilizar<br />

todos à sua volta para aquilo em que acreditava. E foi<br />

com estes atributos que, uma vez no PIEF, começou a<br />

trilhar um percurso escolar de sucesso. O André concluiu<br />

o 9º ano de escolaridade e no início de 2007 atingiu a<br />

maioridade.<br />

Acabar a escolaridade básica foi uma parte do sonho<br />

realizada. Continua a querer concretizar a outra metade;<br />

ser mecânico de automóveis.<br />

A crise de emprego levou-o a emigrar para Espanha<br />

onde, com o seu diploma, a sua arte e engenho encontrou<br />

forma de realizar a outra metade do sonho.<br />

Fernando Coelho<br />

Representante do PETI da Região Norte<br />

A Escola permite transformar os sonhos em realidade<br />

5 Para Além do Pôr do Sol


Sociedade aceita Trabalho Infantil Artístico<br />

“Este é um trabalho conhecido e aceite pela sociedade,<br />

a inserção numa actividade artística é vista como<br />

ascensão social. Sendo que é uma actividade que não<br />

promete futuro é, ainda assim, muito procurada. Na cabeça<br />

das pessoas confunde-se trabalho artístico com lazer<br />

e muitas crianças são empurradas para o meio artístico<br />

para realizar sonhos dos pais”. A afirmação da socióloga<br />

Ana Melro, autora de um estudo sobre o Trabalho Artístico<br />

das Crianças, sintetiza a reflexão realizada pela<br />

CNASTI, na Associação das Ludotecas de Famalicão, sobre<br />

o tema eleito para reflexão, pela Confederação Nacional<br />

de Acção Sobre o Trabalho Infantil.<br />

Este encontro permitiu que se tomasse conhecimento<br />

das muitas agências à procura de crianças. Por todo o país<br />

realizam-se castings numa verdadeira “caça de talentos”,<br />

sendo que, muitos pais, ficam com o dinheiro que as<br />

crianças ganham.<br />

Ao nível das acções da Inspecção Geral de Trabalho<br />

(IGT), a socióloga pôde perceber que as acções da IGT<br />

são pouco divulgadas e que existe um desconhecimento<br />

geral sobre a necessidade de que cada menor, para poder<br />

trabalhar no meio artístico, precisa de uma autorização<br />

da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco,<br />

da sua área de residência.<br />

Das entrevistas realizadas, Ana Melro, concluiu ainda<br />

que, a escola é “desvalorizada e passa a ser uma segunda<br />

actividade a que a criança pode faltar se necessário ou<br />

conveniente para o exercício da sua actividade profissional”.<br />

Outra conclusão foi a de que as crianças “artistas”<br />

consideram a sua actividade pouco cansativa, embora<br />

Entre Janeiro e Maio deste ano, a IGT recebeu 53 participações<br />

referentes a menores que trabalhavam em espectáculos<br />

e séries televisivas sem que para isso cumprissem os<br />

requisitos obrigatórios por lei. Contudo, após a investigação<br />

das situações por parte dos inspectores de trabalho, apenas<br />

15 autos foram levantados a outras tantas produtoras.<br />

As multas aplicadas também “fizeram história”. 4800<br />

15 autos a produtoras<br />

estejam em gravações ou em estúdio mais de doze horas<br />

consecutivas.<br />

A socióloga alertou ainda para aquilo que considerou<br />

ser um abuso do resultado do Trabalho Infantil Artístico<br />

por alguns meios de comunicação social, dado que a<br />

imagem das crianças “vende bem”, e as crianças são,<br />

ao mesmo tempo, grandes consumidoras de revistas e<br />

reportagens sobre outras crianças.<br />

À apresentação da investigação seguiu-se um debate,<br />

com uma assistência bastante interventiva, de onde se<br />

pode salientar, a preocupação do público presente pelo<br />

facto de esta realidade ser bem aceite e até promovida<br />

pela sociedade, sendo assim mais difícil de combater a<br />

exploração de crianças neste meio. Insistiu-se também<br />

na necessidade de “ganhar” a comunicação social para<br />

esta causa, assim como responsabilizar mais a Comissão<br />

de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) e IGT.<br />

Foi mesmo feita a proposta para que a CPCJ organize um<br />

registo de todas as crianças que têm autorização para trabalhar<br />

em espectáculos e que este possa ser consultado<br />

pelas autoridades competentes.<br />

Outro aspecto, não menos importante, discutido<br />

foi a importância do ensino. É fundamental que todas<br />

as crianças tenham acesso à escolaridade obrigatória e<br />

que esse direito não possa ser posto em causa em nenhuma<br />

circunstância e que a lei vigente seja aplicada e<br />

que, quando o não for, os autores das infracções sejam<br />

devidamente sancionados. Se a lei for insuficiente, deve<br />

ser alterada.<br />

Fátima Pinto<br />

euros foi o valor mínimo aplicado pela IGT por falta de<br />

apresentação de contracto (o máximo previsto na lei é de<br />

9600 euros).<br />

Uma outra coima, no valor de 20.160 euros foi aplicada<br />

por não existir uma autorização prévia da Comissão de Protecção<br />

de Menores da área de residência da criança para que<br />

ela pudesse trabalhar (o valor máximo é de 57.600 euros).<br />

Para Além do Pôr do Sol 6


Mais de 150 milhões de crianças<br />

trabalham na agricultura<br />

Crianças no Mundo<br />

A agricultura é, a nível mundial, o sector onde se encontra a esmagadora maioria de crianças trabalhadoras<br />

— cerca de 70%. Mais de 150 milhões de meninas e meninos trabalham na produção agrícola e pecuária.<br />

Números revelados pelo PETI e pela Organização Internacional do Trabalho a propósito da celebração<br />

do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, a 12 de Junho.<br />

São mais de 150 milhões crianças que trabalham<br />

em grandes propriedades rurais, quintas e plantações,<br />

semeando e colhendo, pulverizando pesticidas e guardando<br />

o gado. As meninas encontram-se em particular<br />

desvantagem, sendo normalmente responsáveis por tarefas<br />

domésticas antes e depois dos trabalhos no campo.<br />

A agricultura é um dos três sectores de actividade<br />

mais perigosos. Os outros dois são as minas e a construção.<br />

As crianças que trabalham na agricultura enfrentam<br />

continuamente muitos riscos e perigos, incluindo<br />

a mistura, o manuseamento e a aplicação de<br />

pesticidas tóxicos; o uso de perigosas<br />

ferramentas cortantes; o trabalho<br />

sob temperaturas extremas; e a<br />

condução e utilização de potentes<br />

veículos agrícolas e<br />

maquinaria pesada. Longas<br />

horas no campo<br />

impedem as crianças<br />

de adquirir conhecimento<br />

e competências<br />

através da<br />

educação e formação,<br />

fundamentais<br />

para as resgatar da<br />

pobreza. O PETI e<br />

a OIT reconhecem<br />

“que nem todo o trabalho<br />

desenvolvido<br />

pelas crianças na agricultura<br />

é mau para elas.<br />

Tarefas adequadas à sua<br />

idade, e que não interfiram<br />

com a sua escolarização e tempo<br />

livre, podem constituir-se como<br />

parte integrante do seu crescimento<br />

num ambiente rural...”<br />

Em Portugal a agricultura continua a ser o principal<br />

sector de actividade que abrange mais crianças trabalhadoras;<br />

as actividades agrícolas são exercidas maioritariamente<br />

por rapazes entre os doze e os quinze anos o que<br />

permite afirmar que estamos perante um fenómeno estrutural,<br />

refere o PETI. Nos últimos estudos realizados, em<br />

2001 no nosso país, foram assinalados cerca de quarenta<br />

dezenas de milhar de crianças a trabalharem na agricultura.<br />

Nestes estudos, que consideramos desactualizados,<br />

optou-se por quantificar a actividade económica, ou seja,<br />

Sessão de esclarecimento da CNASTI<br />

em Viana do Castelo<br />

as crianças economicamente activas, dada a ambiguidade<br />

de conceito entre trabalho nas explorações agrícolas e<br />

trabalho em contexto familiar. As regiões Norte e Centro<br />

são aquelas onde existe maior mão-de-obra infantil. Hoje<br />

são calculados cerca de quatro mil e quinhentas crianças<br />

em situação de trabalho infantil no sector da agricultura,<br />

tendo que ser este o objecto das medidas e políticas para<br />

a sua abolição, segundo a nota do PETI.<br />

Pesticidas e acidentes que podem ser fatais<br />

A principal preocupação que envolve o trabalho<br />

de crianças e jovens na agricultura<br />

em Portugal tem a ver, não tanto<br />

com o número de horas que estes<br />

trabalham, mas com as condições<br />

em que o fazem. O<br />

facto desta actividade ser<br />

realizada no âmbito das<br />

explorações familiares,<br />

dificulta o trabalho<br />

da inspecção-geral<br />

do trabalho, a quem<br />

cabe fiscalizar este<br />

fenómeno. O risco<br />

de acidentes com<br />

máquinas, animais<br />

ou o contacto descuidado<br />

com pesticidas<br />

são alguns dos riscos<br />

reais em que todos os<br />

trabalhadores incorrem,<br />

com especial impacto nas<br />

crianças e jovens.<br />

A data foi assinalada um<br />

pouco por todo o país, com várias iniciativas<br />

da CNASTI e outras organizações.<br />

O PETI e o Escritório da OIT em Lisboa, decidiram<br />

realizar no passado dia 12 de Junho um encontro sobre<br />

esta temática e publicar as actas, de um outro trabalho,<br />

sob a forma de uma revista “Dar A Volta”. É bem preciso<br />

“dar a volta”, para que as crianças de todo o mundo<br />

possam desfrutar do prazer de serem felizes, sem necessidade<br />

de recorrer, ainda de tenra idade à “escravidão<br />

do trabalho Infantil”, quer seja na agricultura, quer seja<br />

noutros sectores.<br />

José Maria C. Costa<br />

7 Para Além do Pôr do Sol


6ª Assembleia de Crianças<br />

“Trabalho Infantil nas Artes e Espectáculos”<br />

20/21/22 de Julho – S. Pedro do Sul – Viseu

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