PANORAMA 2008 - 2009 - Tarja Editorial
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<strong>PANORAMA</strong><br />
<strong>2008</strong> - <strong>2009</strong><br />
1ª edição - <strong>2009</strong><br />
São Paulo - Brasil<br />
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Copyright © <strong>2009</strong> by <strong>Tarja</strong> <strong>Editorial</strong><br />
Todos os direitos desta edição reservados à<br />
<strong>Tarja</strong> <strong>Editorial</strong>, os direitos de autoria dos<br />
contos pertencem a seus respectivos autores,<br />
que cederam totalmente os direitos de<br />
publicação para a BHB Eventos. Nenhuma parte<br />
deste livro poderá ser reproduzida, de forma<br />
alguma, sem a permissão formal, por escrito<br />
da editora ou do autor, exceto para citações<br />
incorporadas em artigos de crítica ou resenhas.<br />
1ª edição em dezembro de <strong>2009</strong><br />
Impresso no Brasil<br />
EDITORES:<br />
REVISÃO:<br />
PROJETO GRÁFICO:<br />
CAPA:<br />
DIAGRAMAÇÃO:<br />
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NÃO PUBLICAÇÃO (CIF)<br />
FCdoB: panorama <strong>2008</strong>-<strong>2009</strong> / vários autores. -- São Paulo : <strong>Tarja</strong> <strong>Editorial</strong>, <strong>2009</strong>.<br />
ISBN 978-85-61541-??-?<br />
Contos: Antologia : Literatura brasileira: Ficção Científica - I. Concurso.<br />
LITERATURA FANTÁSTICA<br />
MUITO ALÉM DOS GÊNEROS<br />
[<strong>2009</strong>]<br />
Noster Anno Mirabilis<br />
TARJA EDITORIAL LTDA.<br />
Rua Piatá, 633<br />
Santana - São Paulo<br />
CEP 02080-010 / SP<br />
editora@tarjaeditorial.com.br<br />
www.tarjalivros.com.br<br />
www.tarjaeditorial.com.br<br />
ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:<br />
1. Contos : Antologia : Literatura brasileira : Ficção Científica<br />
869.9308<br />
Gianpaolo Celli<br />
Richard Diegues<br />
Márcio Magno Ribeiro de Melo<br />
Richard Diegues<br />
MilaF<br />
Verena Peres<br />
Marco Ruandom<br />
Richard Diegues<br />
CDD-869.9308<br />
Todas as citações e nomes incidentes neste livro<br />
são fruto do inconsciente coletivo de seus autores,<br />
devendo ser encarados como não intencionais.<br />
A conotação Ficção Científica utilizada<br />
desde o título até a alma da obra não foi utilizada<br />
por mero acaso, portanto subentende-se que<br />
falamos claramente de obras ficcionais quanto<br />
a gênero e contexto. Ainda assim, caso sinta-se<br />
ofendido com algo nestas páginas, basta fechar<br />
a obra. Todavia, se resolver insistir, compreenda<br />
que muita vezes as coincidências realmente<br />
ocorrem. Todas as opiniões expressas nessa obra<br />
pertencem aos seus autores. Os animais, da Terra<br />
ou de outros planetas, que eventualmente foram<br />
feridos, molestados e traumatizados durante<br />
a produção desta obra receberam um funeral<br />
decente, conforme a crença em seus planetas<br />
e grupos etnicos. A cola usada na lombada<br />
pode conter glúten. Sim, exercício provoca<br />
enfarto e TV causa retardamento mental. Vá ler!<br />
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<strong>PANORAMA</strong><br />
<strong>2008</strong> - <strong>2009</strong><br />
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4<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
A primeira boa história que você escreve é como o vento nas velas,<br />
ela te leva à frente e dá a direção. Você passa a querer escrever melhor.<br />
Você vislumbra o horizonte.<br />
Michael Swanwick<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 5<br />
SUMÁRIO<br />
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33<br />
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42<br />
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47<br />
CK<br />
ALGUMAS POUCAS PALAVRAS<br />
FERNANDO MURILLO BETTENCOURT<br />
BETES!<br />
ALEXANDRE LOBÃO<br />
MNEMOSINE<br />
ALICIA AZEVEDO<br />
JUST WATCHING<br />
BRUNO NOGUEIRA<br />
LINGUISTRIX<br />
SOB A TERCEIRA ÓRBITA<br />
DAVI M. GONZALES<br />
SINE WAVE<br />
DUANNE RIBEIRO<br />
A IDADE DA INOCÊNCIA PASSOU<br />
CÉSAR SILVA<br />
A NECRONAUTA<br />
ALEXANDRE VELOSO DE ABREU<br />
A MISSÂO<br />
TOM AZEVEDO<br />
A TORRE KIRERU<br />
CARLOS ABREU<br />
NANO<br />
ANDERSON SANTOS<br />
REALIDADE 2.0<br />
ANTONIO VELASKO<br />
MALDITO ESCOCÊS<br />
DALTON LUCAS C.DE ALMEIDA<br />
80<br />
80<br />
FANTASMA TRANSPLANTADO<br />
ALLIAH<br />
95<br />
95<br />
MAUNDER MINIMMUN - AMEAÇA SUB-ZERO<br />
EDUARDO DE PAULA NASCIMENTO<br />
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6<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
126 126<br />
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158<br />
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178<br />
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184<br />
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192<br />
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118<br />
107<br />
107<br />
118<br />
O FUTURO É O PASSADO<br />
107<br />
A DIMENSÂO DOS ESPÍRITOS<br />
FELIPE RIBAS<br />
SIMBIOSE<br />
JEAN CANESQUI<br />
CEMITÉRIO RUSSO<br />
HENRY ALFRED BUGALHO<br />
FACES<br />
MARIA HELENA BANDEIRA<br />
BÓSON DE HIGGS<br />
SHEILA LIZ<br />
ULTIMATO<br />
PROJETO ÁRIA<br />
LEONA VOLPE<br />
A SEGUNDA VIDA DE LANCE ARMSTRONG<br />
AUGUSTO GUIMARÃES<br />
AH, INSENSATO CORAÇÃO<br />
DUDU TORRES<br />
JOÃO PAULO V AZ<br />
HUGO VERA<br />
A ESTRELA DA MANHÃ<br />
NELSON SALLES<br />
CONDENADO EM LIMAX IV<br />
UBIRATAN PELETEIRO<br />
203<br />
203<br />
205<br />
205<br />
TRANSPARÊNCIA:<br />
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO<br />
COMISSÃO JULGADORA<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 7<br />
ALGUMAS POUCAS PALAVRAS<br />
Quando fui convidado para escrever o texto de abertura para a nova edição<br />
do concurso (que ajudei a criar), confesso que me senti orgulhoso como um pai.<br />
Após ter sido apresentado ao resultado, me encontrei, por que não dizer,<br />
perplexo. Para explicar melhor, é preciso embarcar na máquina do tempo (nada<br />
mais apropriado, diga-se de passagem).<br />
O Concurso Literário FC do B surgiu, assim como outros projetos da BHB,<br />
a partir das reuniões que mantínhamos semanalmente. No início era um projeto<br />
sem cara nem endereço, diferente de tudo que estávamos habituados a trabalhar<br />
em nossos “ensaios criativos”. Pouco ou jamais tínhamos ouvido falar em Ficção<br />
Científica Brasileira, muito menos sabíamos que havia um movimento intenso e<br />
atuante, buscando seu lugar ao sol.<br />
Do esboço à proposta, passaram-se dois anos de pesquisa e para sua<br />
concretização mais um ano. Este longo período embrionário permitiu que mergulhássemos<br />
em uma miríade extraordinária de fã-clubes, leitores e escritores,<br />
não somente em constante ebulição, mas também em convulsão, expandindo<br />
limites, pondo à prova conceitos, replicando lugares-comuns, em choques intensos<br />
e por vezes traumáticos.<br />
Dada a natureza essencialmente criativa e dinâmica do gênero, não poderia<br />
ser diferente.<br />
Os três anos de gestação trouxeram à luz no ano de 2007, um recém-nascido<br />
intrigante, divertido e... mutante. Daí a perplexidade citada anteriormente.<br />
A atual edição ao invés de engatinhar já corre.<br />
Seu crescimento (acelerado) foi notável!<br />
Este jovem mutante agora mesmo está diante dos questionamentos inerentes<br />
ao aprimoramento de sua personalidade.<br />
A escolha do texto A Idade da Inocência Passou do escritor César Silva, quase<br />
um estandarte de espontaneidade, não poderia ser mais adequada para ilustrar<br />
esta etapa da vida do concurso. É imprescindível para que este “jovem promissor<br />
e problemático”, ganhe o reconhecimento de sua maturidade, que o faça por<br />
merecer.<br />
A porta de casa está aberta, agora é com vocês deixar o conforto do lar!<br />
FERNANDO MURILLO BETENCOURT<br />
BHB EVENTOS<br />
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8<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
A Ficção Científica faz duas coisas. A mais importante é que ela<br />
estimula os jovens a se interessarem pela ciência e por ingressarem<br />
em carreiras tecnológicas. Outra é que - apesar de soar<br />
grandiloquente - a Ficção Científica é para a humanidade, o que o<br />
sonho é para o ser humano. Sabemos que, em geral, os sonhos não<br />
tem nenhum valor como premonição, mas as vezes geram boas<br />
ideias, que não ocorreriam de outra forma.<br />
Vernor Vinge<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 9<br />
A IDADE DA INOCÊNCIA PASSOU<br />
Estive ponderando sobre os significados da arte de escrever.<br />
Durante anos temos debatido o que teria mais significado para a FC em<br />
português, se a forma ou a história, sem nunca termos chegado a uma conclusão<br />
geral. Cada um fica com sua verdade e a vida continua um pouco pior que<br />
antes, deteriorando o grupo a cada novo debate, fazendo estragos irrecuperáveis<br />
não só no Brasil, mas também no fandom lusitano.<br />
Eu também me enganei a esse respeito. Sempre valorizei a história em<br />
detrimento da forma. É uma questão óbvia para quem se fez no gênero principalmente<br />
como leitor. O leitor médio, em geral, não está muito a fim de apreciar<br />
os limites do estilo, quer divertir-se do modo mais confortável que puder.<br />
É possível divertir-se com a forma, mas como esse divertimento exige<br />
uma participação maior do leitor, perde boa parte do conforto.<br />
No caso da FC publicada no Brasil, chega a ser anacrônico cogitar que<br />
algum dos leitores tenha interesse em se divertir com experimentalismos formais.<br />
O grosso da FC&F que consumimos é traduzida, muitas vezes mal, e não<br />
sobra muito do estilo e da forma lingüística dos textos originais para serem<br />
apreciados, se é que eles os tinham.<br />
Se o fã for considerado, por definição, um nerd descerebrado que só tem<br />
capacidade para usar um neurônio de cada vez, imagina-se que quando ele,<br />
leitor ou autor, quer se divertir não há espaço para qualquer profundidade<br />
além da diversão mais rasteira. Não é de estranhar, portanto, que a maioria dos<br />
textos que emergem dos autores iniciantes navegue por águas conhecidíssimas<br />
e aparentemente seguras, contornando um litoral mapeado há séculos e optando<br />
pela anedota, pela sátira, pela paródia ou pelo famigerado final-surpresa,<br />
quando não todos ao mesmo tempo.<br />
Mas isso tudo é uma armadilha mentirosa. Nós, os leitores/editores/<br />
autores de FC&F, temos sido particularmente suscetíveis a ela. Basta que<br />
percebamos que o leitor de FC&F não é o nerd descerebrado que julgamos<br />
que seja.<br />
Muito ao contrário.<br />
O produto literário pode (e deve) reunir muitas “qualidades” simultaneamente,<br />
determinadas pela eficiência com que cumprem seus objetivos. Pode<br />
ser uma literatura de entretenimento sim, mas também pode ser educativa,<br />
experimentalista formal e/ou gramatical, de registro (histórico, geográfico,<br />
cultural, etc.), militante, exploratória (da psique, da alma, do caráter, da cultu-<br />
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FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
ra, etc.) e muitas outras. Cada uma tem suas estruturas e protocolos, e o<br />
autor em busca de um espaço na sua cultura (e nas livrarias) precisa conhecêlos<br />
em profundidade – inclusive para subvertê-los –, saber escolher e determinar<br />
os objetivos de sua obra e a melhor forma de cumpri-los. Isso passa<br />
por um processo de aprendizado longo, doloroso e labiríntico, com muitas<br />
tentativas e erros, o que torna o produto literário refinado um material muito<br />
raro e valioso.<br />
Um trabalho produzido com o único objetivo de divertir sem nenhum<br />
outro compromisso, seja com a língua em que é praticado ou com as estruturas<br />
que a definem, resultará numa literatura frívola e sem valor. Não consigo aceitar<br />
que um editor inteligente tenha a leviandade de arriscar sua reputação<br />
intelectual e ofender a de seus leitores publicando esse tipo de texto. Ao<br />
contrário do que pode parecer, ou do que o editor medíocre queira acreditar<br />
– pois torna seu trabalho mais fácil –, o leitor de FC&F não é estúpido. Ele vai<br />
perceber que está sendo sacaneado e irá desprezar o produto literário de má<br />
qualidade, o que fatalmente vai contaminar a reputação não só do editor, mas<br />
de toda a publicação.<br />
Por isso não posso aceitar que se reduza o produto literário, qualquer que<br />
seja, incluindo os fanfics e tie-ins, a uma pintura de dedos grosseira e sem<br />
classe.<br />
Eu sempre tive grande dificuldade em fechar um texto. Cada frase, cada<br />
parágrafo, martiriza-me. E o martírio não acaba com o ponto final, porque<br />
quando o texto é publicado, dali a uns dias eu vou ter que enfrentá-lo de novo,<br />
e dessa vez não vou mais poder corrigir o que não soar bem. Estará ali para<br />
todos lerem, será o meu pecado eterno. Pensava que isso era uma deficiência<br />
minha. Tinha admiração pelos colegas que conseguiam escrever com tanta desenvoltura<br />
que poderiam ter pronto, em poucas horas, um conto, ou, em poucos<br />
dias, uma noveleta, ou ainda, em poucas semanas, um romance. Mas há<br />
uma perda para quem escreve assim. O produto final fica banalizado porque,<br />
para favorecer o prazo de produção, o autor faz uso de estruturas recorrentes,<br />
soluções fáceis, vocabulário limitado e repetitivo, personagens bidimensionais<br />
ou estereótipos, etc., perdendo boa parte da beleza literária e da personalidade<br />
artística. Embora possa conter uma história divertida, nunca passa de um texto<br />
medíocre sob qualquer outro ponto de vista e não terá muito a acrescentar<br />
nem mesmo ao gênero em questão.<br />
Achei que era uma piada quando vi, na série televisiva Grandes Mestres da<br />
Literatura (exibida no Brasil pela TV Cultura e suas repetidoras), a dramatização<br />
de uma passagem da vida do escritor irlandês James Joyce. Ele, refestelado no<br />
sofá, fumando prazerosamente um charuto, confidencia à esposa: “Hoje tive<br />
um dia muito produtivo, trabalhei tranqüilamente e sem parar”. A esposa retruca:<br />
“Quanto escreveu?”, ao que ele responde: “Dois parágrafos”.<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 11<br />
Mas não era uma piada. Afinal, dois parágrafos de Joyce valem 10 vezes<br />
toda a literatura de FC&F feita no Brasil, com boa folga. Entendi isso quando li<br />
um pequeno texto condensado de um artigo de Gabriel García Márquez no<br />
livro Os escritores, publicado no Jornal do livro (nº 7, maio/junho, 2002). Ele<br />
diz “Em um bom dia de trabalho, das nove da manhã até as duas ou três horas da<br />
tarde, o máximo que consigo escrever é um parágrafo curto, de quatro ou<br />
cinco linhas, que geralmente rasgo no dia seguinte.”<br />
Ora, qualquer um que tenha um dia pensado em escrever deve ter sonhado<br />
em ser reconhecido. O problema dos escritores de FC&F no Brasil é que,<br />
para sua literatura ser reconhecida para além do reduzido grupo de seus fãs<br />
(que não são difíceis de cooptar, uma vez que essa espécie em extinção criouse<br />
à base da leitura de bobagens inúteis, com pouca ou nenhuma proteína<br />
cultural), terá de ser boa para toda a literatura, porque o nosso mercado livreiro<br />
não é, e temo que nunca será, segmentado.<br />
Perguntam: mas se o nerd deslumbrado não tiver onde se exercitar, como<br />
poderá evoluir seu trabalho? Essa é outra armadilha mentirosa. A publicação<br />
fácil na verdade banaliza o produto literário.<br />
Não é preciso publicar para aprender a escrever com qualidade.<br />
São outros os processos de aprendizado, mais eficientes justamente por<br />
não serem dependentes da publicação: oficinas, workshops, estudo sério com<br />
mestres de qualidade, muita leitura, pesquisa e o máximo de cultura que se<br />
puder reunir. José J. Veiga, um dos grandes fantasistas brasileiros, só veio a<br />
estrear na literatura depois dos 40 anos de idade e de mais de 10 anos escrevendo<br />
os contos que compuseram sua primeira antologia, Os cavalinhos de platiplano,<br />
e resultou num livro muito bom, eu diria irrepreensível.<br />
Isso coloca toda a literatura brasileira de FC&F em uma tremenda enrascada.<br />
Temos promovido a evolução exclusivamente dos aspectos técnicos do<br />
gênero e desprezado a maior parte das questões que realmente caracterizariam<br />
a dita Boa Literatura. Se alguns poucos de nossos autores fizeram diferente<br />
foi por iniciativa pessoal, não houve fomento por parte de editores (de<br />
revistas, fanzines ou o que seja) ou do fandom de FC&F na valorização das<br />
demais qualidades do texto, ao contrário, houve um afastamento, uma ruptura.<br />
Um grande desprezo pelo cânone, pelo mainstream, ou qualquer que seja<br />
o nome do espaço para além do gueto de FC&F, sem que sequer tenhamos<br />
chegado a groká-lo.<br />
Não nego que tem sido confortável chafurdar na lama formada por nossas<br />
próprias fezes, tal como os alienígenas de Os negros anos-luz, de Brian Aldiss.<br />
Mas isso nos fez mal. Muito mal. Estamos contaminados até a medula por<br />
nossas próprias bactérias, de fato estamos viciados nelas, de tanto recusar olhar<br />
já não conseguimos mais ver para além da borda do lodaçal que construímos e<br />
que está pouco a pouco ressecando e diminuindo o perímetro.<br />
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12<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
Estivemos errados por muito tempo. Temos que sair daqui se quisermos<br />
sobreviver, seja como autores, fãs ou editores. A merda seca, tornada em pó, é<br />
elevada pelo vento e já começa a impedir nossa própria respiração.<br />
Quem tiver competência, é a hora de decolar. Quem ainda não aprendeu a<br />
voar, meus pêsames. A idade da inocência passou.<br />
CÉSAR SILVA, paulista, é desenhista, publicitário, cartunista, designer, editor<br />
e diretor de arte. Editor do fanzine Hiperespaço, da Coleção Fantástica e da<br />
Nova Coleção Fantástica. Participou de várias antologias e com Marcello<br />
Simão Branco, produz o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica.<br />
www.mensagensdohiperespaco.blogspot.com - ceritosilva@yahoo.com.br<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 13<br />
CONTOS DE<br />
FICÇÃO CIENTÍFICA<br />
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14<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 15<br />
“Vou morrer”.<br />
Mas este foi meu segundo pensamento.<br />
A primeira coisa que me veio à mente foi: “ainda existo!”.<br />
E o espanto por ainda existir.<br />
BETES!<br />
ALEXANDRE LOBÃO<br />
O primeiro teste foi bastante simples: projetamos a microcâmera 5 minutos<br />
para o futuro, ela permaneceu lá por alguns centésimos de segundo e<br />
retornou, trazendo uma foto da parede de fundo do laboratório. Mais precisamente,<br />
ela trouxe do futuro a imagem, previamente definida, que projetamos a<br />
partir do quarto minuto. Décadas de estudo e quilômetros de equações, e,<br />
finalmente, o teorema basilar da Teoria Unificada das Supercordas foi provado:<br />
era possível, efetivamente, navegar em curvas hipostasiadas pelas soluções de<br />
Gödel. E mais: como previra Jules Boltzmann, o físico-chefe do CBPF, a navegação<br />
se dava em sentido oposto ao previsto inicialmente, ou seja, navegava-se para o<br />
futuro, e não para o passado.<br />
Desnecessário dizer que foi o evento científico mais divulgado pela mídia e<br />
mais acompanhado de manchetes sensacionalistas de que se tem notícia. Mas a<br />
equipe de Boltzmann estava focada demais nos próximos passos para prestar<br />
atenção nestes detalhes.<br />
E o próximo passo foi justamente tentar validar os postulados de Dolfinger<br />
sobre a possibilidade de paradoxos e a consequente possível construção de um<br />
outro universo, com um encadeamento diferente. Boltzmann acreditava firmemente<br />
que os paradoxos eram possíveis, mas tanto ele quanto o resto de sua<br />
equipe – da qual tive orgulho de participar – acreditávamos em uma abordagem<br />
ligeiramente diferente sobre os efeitos resultantes dos paradoxos temporais.<br />
O teste correu em duas etapas.<br />
Na primeira etapa, a microcâmera foi enviada novamente para o futuro e<br />
trouxe de volta uma sequência de dez fotos de imagens que foram aleatoriamente<br />
escolhidas e projetadas pelo computador do Centro. Quando, cinco<br />
minutos depois, a câmera apareceu dentro do campo de contenção e o computador<br />
sorteou e projetou as mesmas dez imagens, a partir de um conjunto de<br />
cerca de sete bilhões de imagens possíveis, ficou provado que a estrutura temporal<br />
tende a evitar paradoxos.<br />
Na etapa seguinte, a microcâmera foi projetada pela terceira vez ao futuro<br />
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16<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
e retornou novamente com dez imagens. Rapidamente, a equipe retirou a câmera<br />
da zona de projeção e a ligou ao computador, que removeu as dez imagens do<br />
banco de imagens. Quando a câmera apareceu, vinda do passado, o computador<br />
apresentou uma nova sequência de imagens, deixando a câmera retornar ao<br />
passado com imagens diferentes das que havíamos conseguido cinco minutos<br />
antes. No presente, neste mesmo instante, as imagens armazenadas na câmera<br />
passaram a ser as novas imagens.<br />
Nossa equipe festejou muito mais este segundo teste, pois, na verdade, o primeiro<br />
apenas anunciara para o mundo o que já fazíamos há vários anos com táquions,<br />
depois com grupos de átomos, em seguida com nanoconstructos.<br />
O segundo teste, para nós, comprovava que toda a linha de trabalho que<br />
vínhamos seguindo há anos era válida, e abria todo um novo horizonte possível<br />
de experimentos: se o contínuo de tempo-espaço era flexível e se ajustava às<br />
mudanças, poderíamos usar isso a nosso favor!<br />
Por motivos diversos, desde o alto custo dos experimentos até o protesto<br />
de grupos fanáticos que apregoavam que nossas experiências levariam ao fim do<br />
mundo, a próxima projeção demorou quase um ano para ser autorizada.<br />
Boltzmann, em pessoa, fez questão de apertar o botão que projetava a<br />
microcâmera cerca de dez anos no futuro – o tempo máximo que conseguíamos<br />
até então – e a mantinha lá por quase vinte segundos, consumindo energia<br />
suficiente para iluminar uma pequena cidade por um mês.<br />
Como planejado pelo físico, a câmera retornou com uma quantidade imensa<br />
de informação enviada pela contraparte futura de nossa equipe: todas as informações,<br />
incluindo equações, diagramas e fotos diversas das descobertas do CBPF<br />
nos próximos dez anos. Conforme combinado com a equipe, todo o conhecimento<br />
trazido do futuro foi creditado aos seus respectivos futuros descobridores,<br />
incluindo diversos trabalhos de físicos que (ainda) não faziam parte da equipe,<br />
e mesmo de um estudante que ainda cursava o ensino médio.<br />
O esforço para estudo e aproveitamento do trabalho começou imediatamente<br />
e, conforme projeto de lei aprovado meses antes, o dinheiro oriundo das<br />
patentes reverteu-se para o Centro até a data de sua descoberta futura, quando<br />
passaria, então, para o descobridor – ou para quem seria o descobridor, caso as<br />
informações não tivessem vindo do futuro.<br />
A esta altura a imprensa tinha focado nos benefícios imediatos das “maravilhas<br />
vindas do futuro” e em discussões éticas ou religiosas tendo como pano de<br />
fundo a viagem temporal; desistindo de qualquer tentativa de entender ou explicar<br />
a seus leitores os paradoxos envolvidos nestas viagens ou os detalhes éticos<br />
e legais do empreendimento.<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 17<br />
Paradoxo ou não, foi o dinheiro destas patentes que permitiu que Boltzmann<br />
criasse em menos de dois anos os protótipos das células de carbono de alta<br />
energia, o gerador de fusão controlada e o novo projetor de campo de distorção<br />
temporal, com tamanho e autonomia bem maiores que o utilizado nos primeiros<br />
experimentos.<br />
E foi aí que tudo deu errado.<br />
Na primeira execução, Boltzmann sugeriu que projetássemos um campo<br />
vazio, esperando receber algo do futuro. O contrato e as leis se mantiveram as<br />
mesmas, com a diferença que agora não receberíamos apenas informações, estando<br />
aptos a receber até mesmo modelos de invenções a serem criadas. Em<br />
uma brincadeira estilo “bolão”, cada cientista anotou o que achava que poderíamos<br />
receber do futuro e, quem acertasse ou chegasse mais perto, levaria o dinheiro<br />
apostado por todos.<br />
As apostas variaram desde “uma versão melhor do projetor de campo”,<br />
aposta do próprio Boltzmann, até “vacinas para doenças que iriam aparecer nos<br />
próximos anos”, de Fannete-Marie Shelley, francesa que se unira ao grupo no<br />
correr dos últimos meses, atraída por uma patente creditada a ela por um trabalho<br />
que ela ainda estava pensando em iniciar.<br />
Mas ninguém esperava o que recebemos, quando projetamos o campo por<br />
trinta segundos, há exatos vinte anos no futuro: quando o efeito fotoelétrico<br />
diminuiu e pudemos tirar os óculos de proteção, no centro da sala uma estranha<br />
criatura nos encarava, balançando lentamente o corpo e virando a cabeça de<br />
lado, enquanto piscava curiosamente os olhos multifacetados.<br />
A seção do laboratório onde o campo era projetado era hermeticamente<br />
selada, e só foi aberta dois dias depois, quando um novo local para o bizarro ser<br />
foi preparado. Homens armados com bastões elétricos e armas, devidamente<br />
protegidos por trajes de proteção biológica, encaminharam o ser para um transporte<br />
e daí para a seção hospitalar que havia sido incrementada com uma área<br />
de isolamento total. A coisa seguiu passivamente, sem oferecer resistência.<br />
A comoção gerada pelo aparecimento da criatura foi grande, e a pressão da<br />
imprensa e da opinião popular forçou o Centro a paralisar todas as pesquisas até<br />
que desse uma explicação definitiva para o aparecimento do suposto animal.<br />
A equipe isolou-se no Centro, concentrando, então, seus esforços para<br />
decifrar aquela moderna esfinge.<br />
A criatura, cujo pelo longo e rosa cobria todo o corpo, foi logo batizada<br />
de “Bete”, em homenagem à secretária do Centro, cuja obsessão por roupas e<br />
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18<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
objetos rosa era notória. Os movimentos de seu corpo, em eterno balançar e<br />
com os longos braços sempre dobrados, com as mãos quase unidas, lembravam<br />
em muito os de um louva-a-deus. Era um bípede, quase se assemelhando<br />
a um primata na aparência geral, mas com olhos e um formato de rosto que<br />
evocavam um quê do reino dos insetos. Nas raras vezes em que emitia algum<br />
som, ele soava como uma série de estalidos gerados pela boca, sem participação<br />
da garganta.<br />
Afora as óbvias diferenças externas, seu corpo era estranhamente humano,<br />
com pulmões, rins e alguns outros órgãos idênticos aos humanos. O coração<br />
era maior, e batia cerca de duzentas vezes por minuto, e o cérebro, avantajado e<br />
complexo, sugeria capacidade cognitiva superior à dos primatas. Estranhamente,<br />
o animal parecia assexuado, e alguns órgãos desconhecidos permaneciam inativos<br />
em seu corpo, o que levou a uma série de teorias, todas inconclusivas.<br />
O diagnóstico, ao fim de seis meses, foi que o ser não carregava nenhuma<br />
doença e não representava perigo aos humanos. Além disso, era pacífico e obedecia<br />
a ordens, o que levou a equipe do Centro a sugerir que provavelmente era<br />
algum tipo de ser geneticamente modificado para realizar atividades básicas para<br />
a sociedade do futuro.<br />
Os cientistas estavam preparando uma apresentação do Bete, aberta ao<br />
público em geral, para demonstrar que o ser era inofensivo, quando ele escapou,<br />
fugindo para o Morro do Pasmado, perto do Centro. Na fuga, ele matou<br />
sete pessoas, se movimentando a uma velocidade que as câmeras de segurança<br />
mal registraram.<br />
Três meses de buscas infrutíferas depois, e um grupo de uma dezena de<br />
Betes atacou uma igreja evangélica na favela da Rocinha, matando diversos fiéis<br />
e raptando outros tantos.<br />
Um ano após o primeiro ataque, o Rio de Janeiro precisou ser evacuado.<br />
Isso foi há quase dezenove anos. Desde então, a situação piorou muito.<br />
Nós, os remanescentes da equipe original de Boltzmann, com o apoio do<br />
que havia restado do governo, gastamos os últimos anos, e muitas vidas, criando<br />
e aperfeiçoando um homeotraje – uma roupa semelhante a um traje de mergulho,<br />
composta por nanoconstructos, que mantém sua superfície externa exatamente<br />
à temperatura ambiente. Como os Betes enxergam apenas na zona dos<br />
raios infravermelhos, basicamente ficamos invisíveis para eles. O traje se completa<br />
com borracha de alto impacto e isolamento acústico, na tentativa de nos<br />
deixar, também, inaudíveis para os monstros.<br />
Com a queda final das linhas de comunicação e dos últimos resquícios de<br />
governo, restamos nós três, no laboratório escondido no pico das Agulhas Ne-<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 19<br />
gras. Com o aproximar da data fatal, fizemos um sorteio, e restou a mim o homeotraje<br />
e a missão suicida.<br />
Meus colegas deixaram-me o mais próximo possível do Rio, trafegando<br />
por locais que sabíamos ser de pouco interesse para os Betes. Com um pouco<br />
de sorte, sobraram apenas algumas dezenas de quilômetros para eu percorrer a<br />
pé. A despedida foi calorosa, mas sem lágrimas. Não nos sobraram lágrimas,<br />
depois dos últimos anos.<br />
Quanto mais eu me aproximava de Botafogo, mais lentamente eu precisava<br />
ir para não ser descoberto. Cheguei a passar um dia inteiro imóvel, escondido<br />
em um nicho, com medo até de respirar mais ruidosamente. Felizmente, a<br />
maioria das criaturas dormia de noite, o que me dava uma boa liberdade de<br />
movimento com o homeotraje.<br />
Mas, mais do que medo, o que senti foi surpresa: os Betes eram muito<br />
mais organizados e inteligentes do que pensávamos. Abandonei imediatamente<br />
a ideia de que eles eram marginalmente inteligentes quando, escondido,<br />
vi pela primeira vez dois deles conversando, as línguas estalando em<br />
diversos tons enquanto os braços dançavam em gestos quase humanos.<br />
Quando os vi utilizando instrumentos complexos, tanto alguns que deixamos<br />
para trás como outros que não reconheci, percebi que a humanidade<br />
estava fadada à extinção.<br />
A menos que minha missão tivesse sucesso.<br />
No dia e hora exatos eu estava lá.<br />
O laboratório do CBPF havia se tornado, aparentemente, o centro de algum<br />
tipo de culto dos Betes. As criaturas rosadas, algumas delas se destacando<br />
por faixas de pano finamente bordadas em torno da cabeça, circulavam lentamente<br />
entre as salas do antigo centro. Eu passara a última semana para conseguir<br />
chegar ao laboratório de projeção, e os últimos dois dias sem comer, esperando<br />
em um canto escondido.<br />
Duas horas antes do momento certo, dez ou doze das criaturas entraram<br />
na sala. Como se soubessem o que iria acontecer – diabos, com certeza<br />
sabiam! – sentaram em um círculo em torno da zona onde, em breve,<br />
seria gerado o campo de projeção que conectaria o presente com vinte<br />
anos atrás.<br />
Quando faltavam quinze minutos, os Betes começaram a entoar um cântico<br />
exótico, enquanto um deles, que tinha uma faixa bordada à cabeça e outra à<br />
cintura, se levantou. Lentamente, a criatura removeu as faixas e se aproximou<br />
do centro do círculo, ficando à espera.<br />
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20<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
O cântico soou mais alto, e as criaturas pareceram entrar em uma espécie<br />
de transe. A seguir, a sala foi iluminada por um jorro de luz, quando o campo<br />
gerado pela minha antiga equipe se formou no centro da sala. O visor do<br />
capacete compensou o excesso de luz, permitindo que eu visse o que estava<br />
ocorrendo.<br />
O Bete no centro do círculo cumprimentou os demais com um gesto<br />
ritualístico, dando um passo e entrando inteiramente na zona de projeção, que<br />
iria se desligar em mais vinte e cinco segundos.<br />
Rapidamente, mas evitando barulhos, corri para o campo de projeção e<br />
estendi o braço até sua zona limítrofe. A interferência dos metais pesados do<br />
traje, como já sabíamos, fez com que o campo entrasse em colapso no momento<br />
em que a projeção iria se encerrar.<br />
O brilho do campo flutuou e se apagou abruptamente, com um estrondo<br />
que indicava que um vácuo se formara na zona de projeção.<br />
Imediatamente, Boltzmann sabia que algo dera errado. O vácuo só ocorreria<br />
se a porção do presente projetada para o futuro houvesse, por algum motivo,<br />
deixado de existir no presente.<br />
Com efeito, ao retirar os óculos, os cientistas do CBDF constataram que o<br />
experimento falhara.<br />
Ninguém ganhou o “bolão”, a imprensa e os grupos radicais alardearam o<br />
fracasso, sugerindo motivos diversos.<br />
A equipe do Centro, no entanto, tinha verbas para continuar suas experiências.<br />
Verbas e tempo.<br />
Os postulados de Dolfinger contribuíram decisivamente, anos depois de<br />
sua morte, para o estabelecimento da Teoria Unificada das Supercordas.<br />
Segundo Dolfinger, paradoxos temporais eram possíveis, e suas equações<br />
indicavam que os paradoxos geravam universos diferentes, com novos encadeamentos<br />
temporais. Infinitos universos para infinitos paradoxos possíveis.<br />
Jules Boltzmann, por outro lado, criou toda uma nova série de equações<br />
que se baseavam na ideia de que não havia nenhum outro universo além do<br />
nosso. Seu trabalho se encadeava com as equações de Dolfinger ao estabelecer<br />
que valores infinitos e o zero se equivaliam.<br />
Apesar de não havermos conseguido nenhuma prova experimental sobre<br />
este ponto específico, todo o trabalho do CBPF se baseava na crença de que as<br />
ideias de Boltzmann eram válidas.<br />
Por isso, ao ver que o campo de projeção se desfizera, lançando pequenos<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 21<br />
pedaços do Bete e de meu braço por todo o laboratório, meu primeiro pensamento<br />
foi de surpresa:<br />
“Ainda existo!”<br />
Então, a dor me atingiu e vi os Betes do círculo começarem a se levantar.<br />
E foi quando pensei:<br />
“Vou morrer”.<br />
________________________________________________<br />
ALEXANDRE LOBÃO, 40 anos, carioca, é escritor e analista de sistemas.<br />
Eclético, publicou A Caixa de Pandora (coletânea de contos), A verdadeira<br />
história de Papai Noel (Infantil), Uhuru (infanto-juvenil) e O Nome da<br />
Águia (romance); além de diversos livros técnicos sobre criação de<br />
jogos em computador, roteiros de cinema e quadrinhos.<br />
www.alexandrelobao.com - contato@alexandrelobao.com<br />
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22<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
A NECRONAUTA<br />
ALEXANDRE VELOSO DE ABREU<br />
A ignição da nave iniciou-se.<br />
Penélope Martins Maira seria o primeiro humano a viajar para o mundo<br />
dos mortos.<br />
A nave Perséfone era pequena. A cabine comportava somente a capitã.<br />
Estudos minuciosos concluíram que existe, sim, vida após a morte. A<br />
alma, na verdade, é um aglomerado de nanoectoplasmas que se direcionam<br />
para um outro plano físico quando abandonam o corpo, levando consigo toda<br />
a consciência do indivíduo.<br />
Perséfone era o mais avançado dos aparatos tecnológicos, capaz de quebrar<br />
essa barreira quântica entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.<br />
Ignição terminada, Penélope seguiu viagem. Atravessou dimensões. Aterrissou<br />
bruscamente. Desatou o cinto que a prendia e saiu da nave assim que<br />
pôde. Regurgitou quando pisou no local. Parecia terra firme. Ofegante,<br />
ergueu os olhos e viu as almas. Os espectros tomaram forma humana para<br />
recebê-la. Ela perguntou, ainda ofegante:<br />
– Onde estou?<br />
Um espectro respondeu:<br />
– Aqui não tem um nome específico.<br />
Penélope falou para si, em voz baixa:<br />
Conseguimos!<br />
O espectro sorriu:<br />
– Bem-vinda!<br />
Penélope acionou o comunicador que ficava em seu pulso. O dispositivo<br />
não funcionou:<br />
– Estou sem sinal...<br />
Na base, a equipe que comandava a torre se lamentava. O comandante<br />
proferiu para o grupo, triste:<br />
– O erro de cálculo foi mínimo. A explosão poderia ter sido evitada. Vamos<br />
rezar pela capitã Penélope. Mandaremos outra nave em breve. Não podemos desistir!<br />
________________________________________________<br />
ALEXANDRE VELOSO DE ABREU nasceu em Belo Horizonte-MG e tem<br />
38 anos. Publicou, pela Edições Horta Grande, o livro de contos A<br />
Mulher de Nanquim (2004). É professor de Literatura da PUC-Minas.<br />
velosodeabreu@msn.com<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 203<br />
COMISSÃO JULGADORA<br />
ADRIANA DA ROSA AMARAL<br />
Nascida em Porto Alegre, Jornalista, Mestre e Doutora em Comunicação Social.<br />
Pesquisadora e professora universitária. Publicações: Visões Perigosas. Uma<br />
arque-genealogia do cyberpunk (Ed. Sulina, 2006 - livro teórico sobre ficção<br />
cyberpunk e cibercultura), Blogs.com: estudos sobre blogs e comunicação ( Momento<br />
Editora, <strong>2009</strong>).<br />
www.palavrasecoisas.blogspot.com - adriamaral@yahoo.com<br />
ALICE SIGNORINI FELDENS<br />
Nascida no Rio Grande do Sul, jornalista graduada pela UFMS, especializada<br />
em Comunicação - Linguagens, Construção Textual e Literatura pelo Instituto Libera<br />
Limes. Atualmente é mestranda em Estudos de Linguagens na UFMS, cujo<br />
objeto de estudo é a atual Ficção Científica Brasileira. Artigos publicados em: O<br />
objeto do desejo em tempo de pesquisa (Editora Corifeu), Literaturas Invisíveis (Editora<br />
UFMS) e Diálogos e Dilemas Platinos (Editora UFMS).<br />
alicefeldens@gmail.com<br />
ANUNCIATA CRISTINA MARINS BRAZ SAWADA<br />
Carioca, museóloga e professora de educação artística Museu da Vida - Fundação<br />
Oswaldo Cruz. Membro do Grupo CASA (Ciência, Arte, Saúde e Alegria) do<br />
Instituto Oswaldo Cruz<br />
sawada@coc.fiocruz.br<br />
DIEGO BAPTISTA<br />
Carioca, músico oboista, engenheiro de sistemas, professor, tradutor, leitor de<br />
FC e Fantasia. Reside em Miami e leciona no Núcleo de Literatura Fantástica da<br />
Universidade da Flórida.<br />
www.capacitorfantastico.blogspot.com - diego.baptista@yahoo.com.br<br />
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204<br />
FCDOB - FICÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL<br />
FABIO MARCHIORO<br />
Paranaense, advogado formado em direito pela UFPr, jornalista formado pela<br />
Universidade Positivo, pós-graduado em Leitura de Múltiplas Linguagens pela<br />
PUC/Pr e pós-graduado em Canadian Journalism for Internationally Trained Writers<br />
no Sheridan Institute em Toronto, Canadá. Ganhador da Medalha de Mérito Fernando<br />
Amaro, concedida pela Câmara Municipal de Curitiba, por suas realizações na área<br />
da literatura. Membro efetivo do Conselho <strong>Editorial</strong> da Editora Pós-Escrito. Publicações:<br />
Pensagens – 18 contos (7 premiados); Geena;Entrevista Coletiva – coletânea<br />
de entrevistas – 2003, co-autoria. Geena – audiolivro, www.audiolivro.com.<br />
www.paragrafo.org - fabiopxm@gmail.com<br />
LEO CARRION<br />
Portoalegrense, advogado, escritor amador e leitor de ficção e fantasia é coordenador<br />
do projeto Mini e Microcontos da Fábrica dos Sonhos e co-editor da<br />
Revista de Ficção Científica Black Rocket. Também foi um dos vencedores da primeira<br />
edição do concurso FC do B, com seu conto A idade do lobo.<br />
leonardo@carrion.com.br<br />
LUCIA DE LA ROCQUE RODRIGUEZ<br />
Carioca, mestre em Biologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro<br />
(UERJ) e em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutora pelo<br />
Instituto de Biofísica desta instituição. Realizou pós-doutorado na área de Antropologia<br />
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é pesquisadora na<br />
Fundação Oswaldo Cruz e professora adjunta de Literatura Inglesa na UERJ Membro<br />
do Grupo CASA (Ciência, Arte, Saúde e Alegria) do Instituto Oswaldo Cruz-<br />
Instituto de Letras - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vários artigos e<br />
publicações entre eles Imbricações entre temas de gênero e ciência em “The evening and<br />
the morning and the night”, de Octavia Butler.<br />
luroque@ioc.fiocruz.br<br />
ROSA E.KAJI<br />
Paulista, professora de Literatura aposentada, ministrou diversos cursos na<br />
área de criatividade literária e criação de oficinas de leitura para escolas do primeiro<br />
e segundo grau. Autora do livro A primeira viagem em um livro, Editora Parnau (1989).<br />
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<strong>PANORAMA</strong> <strong>2008</strong> - <strong>2009</strong> 205<br />
TRANSPARÊNCIA:<br />
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO<br />
Com certeza, uma dúvida que surge na cabeça do participante do concurso é:<br />
- COMO ELES ESCOLHEM OS VENCEDORES?<br />
O processo de avaliação segue duas fases, apoiadas em orientações fundamentais:<br />
A primeira pertinência e a segunda, qualidade literária.<br />
Por pertinência se entende que o conto deve apresentar características de uma<br />
peça de ficção científica. É um quesito eliminatório e visa garantir que o trabalho<br />
inscrito se encontra dentro dos propósitos do concurso.<br />
A qualidade literária se expressa através de quesitos classificatórios:<br />
Literalidade, Originalidade, Enredo, Linguagem, Gramática e Ortografia.<br />
Para cada um deles é dada uma nota (de 1 a 10) por cada membro da Comissão<br />
Julgadora.<br />
A classificação (nota final) é obtida pela soma de todas as notas.<br />
Ponto de corte. Para estar entre os vencedores, o conto tem que obter uma<br />
nota final de no mínimo oitenta por cento da maior nota final.<br />
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AGRADECIMENTOS<br />
Disse Harold Robbins: “De médico e louco, todo mundo tem um pouco. E de<br />
escritor também.” De fato, é cada dia maior o número de pessoas que aspiram a uma<br />
carreira literária, e uma pequena parcela destas, escrevendo ficção científica.<br />
Só quem ousa se aventurar neste campo, sabe o quanto é injusta, difícil, controversa,<br />
confusa e, por vezes, desanimadora, esta escolha.<br />
Portanto, nada mais justo do que prestar nossa homenagem e agradecer aqueles<br />
que tornaram possível este livro.<br />
Aos 244 autores de todos os estados brasileiros e residentes no exterior que<br />
nos enviaram um total de 285 trabalhos, aos membros da Comissão Julgadora pela<br />
generosidade, seriedade e competência, aos nossos colaboradores e patrocinadores,<br />
nosso muitíssimo obrigado!<br />
Dedicamos esta edição a Jeronymo Monteiro, conhecido como o pai da<br />
ficção científica brasileira, no ano do centenário de seu nascimento, e a Albert<br />
Paul Dahoui, escritor e editor da Corifeu, por onde foi publicada a primeira<br />
edição deste concurso.<br />
JERONYMO MONTEIRO (1908 – <strong>2008</strong>)<br />
ALBERT PAUL DAHOUI (1947 – <strong>2009</strong>)<br />
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184 páginas - 14x21cm 184 páginas - 14x21cm<br />
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OS DIAS DA PESTE<br />
FÁBIO FERNANDES<br />
Este é um romance ambientado em um universo<br />
Cyberpunk muito mais atual do que gostaríamos<br />
de acreditar. Ele trata da evolução<br />
tecnológica que nós já vivemos hoje, avançando<br />
em um futuro que veremos muito em breve.<br />
A cada dia nos tornamos mais dependentes da<br />
tecnologia. E se estivermos caminhando para<br />
Os Dias da Peste moderna? Você acha que conseguirá<br />
puxar a tomada?<br />
STEAMPUNK<br />
HISTÓRIAS DE UM PASSADO EXTRAORDINÁRIO<br />
Este é o primeiro livro nacional com contos<br />
de temática Steampunk. Ele apresenta nove histórias,<br />
de nove autores fantásticos, que trazem<br />
diferentes pontos de vista sobre o estilo que<br />
desponta cada vez mais na Ficção Científica<br />
Brasileira. Os autores que participam deste livro<br />
são: Alexandre Lancaster, Antonio Luiz M.<br />
C. Costa, Claudio Villa, Flávio Medeiros, Fábio<br />
Fernandes, Gianpaolo Celli, Jacques Barcia,<br />
Roberto de Sousa Causo e Romeu Martins.<br />
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